Rio+20 deve ter mesmos impasses vinte anos depois

Há um ano da Rio+20, movimentos e ONGs criam articulação para pautar outro modelo de desenvolvimento.

Foi há quase vinte anos. Em junho de 1992, 108 chefes de estado, de quase todos os países politicamente relevantes, vieram ao Rio de Janeiro. O principal objetivo era resignificar a ideia de desenvolvimento. Diminuir as distâncias entre os países do Norte e do Sul, sob a ótica de um conceito nascente, o de “desenvolvimento sustentável”. Era a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento, que se popularizou inicialmente como Eco92, e depois como Rio 92. Por alguns dias, o Rio de Janeiro voltou a ser, oficialmente, a capital do país. Era o primeiro megaevento sediado pelo Brasil, e pela cidade. Inicialmente, o clima era de esperança de que a humanidade vislumbraria soluções justas para o impasse ambiental que se apresentava. O tempo mostrou que o otimismo de então não tinha tanta razão de existir.

Duas décadas depois, já se organiza, na mesma cidade, a chamada Rio+20. Falta exatamente um ano para sua realização, prevista para o início de junho de 2012, e as polêmicas e disputas já se delineiam de forma clara entre os distintos setores sociais. Curioso é que o cenário se assemelha, em parte, ao de 1992. O conceito de “desenvolvimento sustentável” era resgatado de organizações de vanguarda que já vinham questionando, há anos, o modelo mundial de desenvolvimento, e a necessidade de se preservar o planeta. Hoje, muitos desses setores consideram que o conceito foi apropriado pelo capital, esvaziando o conteúdo reformador nele contido. Mercantilizado, teria perdido seu sentido original. Agora, teme-se que ocorra o mesmo com o conceito de “economia verde”. Na verdade, para a maioria das ONGs e movimentos sociais que discutem a Rio+20, isso já vem ocorrendo.

Entre esses, há os que entendem que o conceito ainda está em disputa, e os que já consideram batalha perdida. O próprio Estado do Rio de Janeiro serve de exemplo. Nele, inúmeros empreendimentos e atividades econômicas desafiam o bom senso ambiental, como a instalação dos megaempreendimentos da TKCSA, do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, do Porto do Açu, o Porto Sudeste, entre outros. No Nordeste do Estado, o plantio de cana-de-açúcar foi recordista, há um ano, em trabalho escravo, e utiliza práticas ilegais como as queimadas. O plantio de eucalipto foi liberado, e já se fala na instalação de papeleiras. A extração massiva de petróleo tende a aumentar com a exploração do pré-sal. Mesmo assim, é o primeiro Estado do Brasil a ter uma contraditória subsecretaria de “economia verde”.

Movimentos sociais e ONGs que compõe o Comitê Facilitador da Sociedade Civil Brasileira para a Rio+20 vêm construindo a Cúpula dos Povos da Rio+20 por Justiça Social e Ambiental. A tentativa é reverter o processo de legitimação do padrão clássico de desenvolvimento, por meio da apropriação dos setores ditos verdes pelo capital, com fortes investimentos neles. “Está em curso uma relegitimação do modelo. Essa tentativa é predominante hoje. Nós apostamos em outro caminho, da criação de políticas públicas, de fundos, de acesso a terra e crédito aos pequenos produtores”, defende Fátima Mello, diretora da ONG Fase.

Fátima argumenta que a Rio+20 cria espaço para um momento político de reinvenção do modelo de sociedade. “Já existem condições materiais e tecnológicas para que novas formas de produção, consumo e organização política sejam estabelecidas”, diz. Ela julga importante criar uma ampla mobilização entre ambientalistas, ONGs, movimentos sociais, trabalhadores rurais e urbanos, povos originários, trabalhadores da economia solidária, entre outros.

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) se movimenta nessa direção. Estão agindo no sentido de mobilizar o movimento sindical para pressionar o poder público a aderir a essa reinvenção do modelo de desenvolvimento. Para Carmen Foro, secretária nacional de Meio Ambiente da CUT, “está se disputando no mundo todo qual será o rumo do desenvolvimento, e nós temos a oportunidade de construir um caminho novo”. Ela entende que o conceito de “economia verde” ainda está em disputa, e que é preciso convencer amplos setores sociais. “Não adianta uma economia que só se pinta de verde, com o mesmo modelo do século passado. Não adianta fazer ‘programinhas’, fingindo que se está investindo no social. É preciso buscar desenvolvimento sustentável, com o trabalhador no centro do processo”, diz.

Essas organizações rejeitam o conceito de mercado de carbono, em que as nações podem intercambiar títulos para que uma evite a poluição que seria causada pela outra. O modelo já estaria movimentando altos recursos na Bolsa de Chicago, permitindo aos países ricos maquiar os resultados, transferindo os problemas às nações pobres. Em outubro de 2009, no Pará, foi assinada a “Carta de Belém”, condenando esse mecanismo de resolução do impasse ambiental, e propondo, como solução, a resolução de conflitos fundiários e a transformação no modelo de exploração predatória dos recursos naturais.

O Protocolo de Kyoto, cujo pontapé inicial foi dado na Rio92, está fazendo 15 anos. Considerado pelos especialistas um avanço importante mas insuficiente à época, pouco avançou até hoje. Em 2002, foi realizado em Johannesburgo, na África do Sul, a Rio+10. Os resultados do evento não são considerados relevantes.

* Publicado originalmente no site Brasil de Fato.