A Rio+20 pode ser dividida em duas. De um lado, a negociação oficial e o texto produzido no Riocentro. De outro, os mais de três mil eventos que ocorreram durante os dez dias da Conferência. Um balanço equilibrado da Rio+20 tem que avaliar ambos.
O texto aprovado pelos países presentes é o suficiente para enfrentar a séria crise de sustentabilidade ecológica, pobreza e desigualdade social? Não. Entretanto, o texto merece ser lido e analisado cuidadosamente. Trata-se de um grande esforço, liderado pela diplomacia brasileira, de renovar os compromissos dos países em caminhar rumo à sustentabilidade. Editorialmente, o texto é uma revisão das ações em andamento no âmbito da ONU. Faz referência a dezenas de tratados, acordos, declarações, institucionalidades e outros mecanismos adotados nas últimas décadas. Os princípios defendidos e a abrangência do texto são bons. Falta o que se chama de “ambição”: metas mais claras e compromissos específicos. A pergunta é: se isso houvesse sido colocado no texto, teria sido aprovado? Ou, como se temia algumas semanas antes da conferência, haveria sério risco de não haver texto algum? Diante dessas incertezas, a diplomacia brasileira optou por um texto que, a rigor, atende a um dos principais objetivos da conferência: renovar o compromisso dos países quanto à sustentabilidade, no âmbito do multilateralismo. Todos os países fizeram declarações alinhadas com o documento e o assinaram.
A crítica das lideranças não governamentais ao documento oficial, por outro lado, tem plena justificativa. A ciência nos mostra que o planeta já está no seu limite de sustentação ecológica e, em alguns casos, já ultrapassou esse limite. Estamos caminhando perigosamente para a ruptura de ecossistemas e ciclos ecológicos essenciais para manter a vida humana. É necessária uma mudança radical no nosso estilo de desenvolvimento, rumo a uma economia verde, com mais eficiência no uso de recursos naturais, menos consumo de energia, menos emissão de carbono e menor pegada ecológica. Tudo isso combinado com a necessidade imperiosa de erradicar a pobreza extrema e promover maior equidade social. Portanto, diante dessa urgência ecológica e social, o posicionamento dos governos na Rio+20 parece excessivamente tímido.
A pergunta que deve ser feita é: a expectativa criada em relação à Rio+20 e outros processos da ONU é razoável? Creio que não. Existe uma expectativa que não é realista diante do sistema de tomada de decisões multilaterais, baseado no consenso. É muito difícil a construção de consensos num mundo marcado por circunstâncias locais muito contrastantes diante das mudanças climáticas (exemplo: ilhas oceânicas x países árabes produtores de petróleo), ou diante de questões geopolíticas (exemplo: EUA x Irã). Assim, é quase impossível obter acordos que contenham metas ambiciosas, compromissos financeiros significativos etc. Devemos reajustar nossas expectativas quanto aos resultados esperados de processos no âmbito da ONU. É razoável esperar declarações de princípios de macro políticas e estratégias. Mais do que isso é plantar sementes de decepções e frustrações – como foi o caso da Conferência do Clima de Copenhague, em 2009.
Se não é possível esperar metas rígidas e compromissos legalmente vinculantes dos processos da ONU, como enfrentar a urgência das mudanças necessárias rumo à sustentabilidade e à economia verde? A resposta está dividida em dois segmentos: governamentais e não governamentais. No âmbito governamental, caberá aos governos nacionais e subnacionais (estados, municípios) definir políticas de incentivo à economia verde e desincentivo à “velha economia” (poluidora, degradadora e injusta). No âmbito não governamental, caberá a empresas e ONGs fazer ações práticas. Mais de 75% da economia global é privada. Portanto, cabe aos agentes privados fazer acontecer as mudanças necessárias.
A boa noticia é que há muitas novidades no campo não governamental. As empresas incorporam cada vez mais politicas e práticas coerentes com os conceitos de sustentabilidade. É razoável dizer que a Rio+20 marcou o fim da fase de maquiagem verde. Cada vez mais as empresas que exercem lideranças nos seus respectivos setores utilizam métricas de sustentabilidade. Essas métricas, traduzidas em indicadores definidos em processos com forte cunho técnico e transparência, permitem medir os passos da longa caminhada rumo à sustentabilidade. Um número cada vez maior de empresas incorporaram especialistas em sustentabilidade nos seus conselhos de administração e diretorias. Cada vez mais os executivos são cobrados por conhecimento em sustentabilidade. Cada vez mais as empresas são cobradas por resultados em sustentabilidade. Não se trata de modismo: é uma tendência que veio para ficar.
Também existem boas noticias no campo do terceiro setor. Existe uma tendência de profissionalização das ONGs, que passam a ser cobradas por resultados, aferidos por indicadores sólidos e verificados por auditorias e certificação independente. Não basta apenas trabalhar por uma causa nobre. É cada vez mais necessário comprovar os impactos e resultados alcançados. Existe uma tendência de busca por mais eficácia e eficiência no uso dos recursos destinados aos programas socioambientais implementados por ONGs. Por isso, existe um crescente pragmatismo e profissionalismo na gestão de organizações não governamentais.
A dúvida principal é: as mudanças estão ocorrendo na escala e velocidade necessárias? Infelizmente não. A gravidade das crises ecológica, econômica e social exige que as mudanças sejam profundas e rápidas. Infelizmente o quadro atual não estimula o otimismo. Ao contrário: dos 34 objetivos e metas, divididos 6 grupos, analisados pelo relatório GEO-5 do PNUMA, apenas 3 tiveram progressos significativos. 13 tiveram alguma melhoria e 18 tiveram piora ou não há dados conclusivos . O quadro é preocupante. Apesar dos avanços das empresas, ONGs e governos nacionais e subnacionais, a velocidade e a magnitude das mudanças ainda está muito abaixo do necessário. Entretanto, não devem passar despercebidos os 692 compromissos, totalizando cerca de 513 bilhões de dólares que constam do anexo da declaração da Rio+20. Isso é significativo!
A questão central é: como aumentar a velocidade e escala das mudanças rumo à sustentabilidade? Esta é a agenda que deve ocupar a prioridade dos lideres globais, tanto na esfera internacional, quanto nacional e subnacional. Tanto para governos quanto para atores não governamentais. É necessário um plano que envolva e inclua todos, sem exceção. A seguir proponho ações estratégicas nessa linha de raciocínio.
1. Educação e sensibilização. É essencial disseminar, de forma simples, o conhecimento científico sobre os limites ecológicos do Planeta e as soluções para a pobreza. Isso tem que ser colocado de forma estruturada nas escolas e de maneira massificada na mídia. A consciência acerca dos problemas e soluções para a pobreza e a crise ecológica é essencial para influenciar o posicionamento dos lideres políticos e empresariais. Empresas e governos só mudarão suas políticas e estratégias se forem pressionados por consumidores e eleitores, respectivamente. Mais de 50 milhões de pessoas foram envolvidas nas discussões em todo o mundo, principalmente pela internet e mídias sociais. Nesse sentido a Rio+20, com seus mais de três mil eventos foi um sucesso!
2. Capacidade de implementação. Uma vez construída uma visão estratégia e criada a motivação política, a questão é como transformar isso em realizações. São necessários vários ingredientes como tecnologia e inovação, eficiência no uso de recursos, eficácia no alcance de resultados etc. Para isso são necessárias instituições capazes de lidar com novos desafios e paradigmas. Modelos de gestão inovadores e lideranças empreendedoras são essenciais. Infraestrutura, governança, competência, talento, ética e transparência completam os requisitos básicos para o sucesso na implementação de politicas e projetos voltados para a sustentabilidade.
3. Recursos para investimento em mudanças. A partir de instituições capazes de formular e empreender projetos transformadores é essencial mobilizar os recursos financeiros necessários. O desafio principal é mobilizar recursos na escala necessária. Esses recursos devem ser direcionados para mudar a economia atual, no caminho da sustentabilidade. Devem ser criados mecanismos para incentivar inovações que, pela sua natureza, são de maior risco. Incentivos fiscais para empreendimentos verdes e taxas crescentes para empreendimentos poluidores devem ser praticados. Mecanismos inovadores capazes de mobilizar grandes volumes de recursos são necessários como, por exemplo, a taxação sobre transações financeiras, como proposto pela França. O acesso aos recursos financeiros deve ser facilitado, aproveitando as inúmeras experiências exitosas de microcrédito.
4. Métricas e indicadores. É essencial avaliar, de forma objetiva, o caminho rumo à sustentabilidade. A Rio+20 marcou o fim da maquiagem verde de governos e empresas. É necessário medir o progresso verde com base em indicadores novos e inteligentes, capazes de medir o que realmente importa: qualidade de vida e pegada ecológica. Nesse sentido, o processo de construção dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, iniciado na Rio+20, é de grande importância.
5. Diálogo e avaliação coletiva. Com base em métricas e indicadores claros, precisamos avaliar periodicamente nossa trajetória rumo à sustentabilidade. Nosso principal desafio é conciliar as necessidades de curto prazo com os imperativos de longo prazo. É o tema central da sustentabilidade: conciliar as aspirações das gerações atuais com os direitos das gerações futuras. Esse é um dilema complexo e de difícil solução, pois uma parte dos atores ainda sequer nasceu – as gerações futuras. Incorporar jovens no processo de diálogo e construção coletiva de uma visão de futuro comum é essencial.
Essas cinco estratégias não representam uma lista exaustiva, mas são pilares essenciais. A pretensão aqui é mostrar o óbvio: trata-se de um longo caminho rumo à sustentabilidade. Não há chance de, nos dias de hoje, uma assembleia da ONU tomar uma decisão revolucionária para os desafios da sustentabilidade. Infelizmente. Nosso único caminho é um movimento que envolva toda a sociedade civil e governos; líderes políticos, empresariais e ambientalistas; cientistas e pajés. Só isso criará as bases para uma mudança de políticas, públicas e privadas; individuais e coletivas. As decisões dos governos e empresas dependerão disso. Quando todos tiverem convencidos de que temos soluções verdes viáveis e atraentes para todos haverá espaço para otimismo. Teremos então as circunstâncias necessárias para a ONU decidir, por consenso, que é hora de acelerar o ritmo das mudanças essenciais para o futuro que queremos.
* Virgílio Viana é engenheiro florestal, Ph.D. Harvard, ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e atual superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS).