Rio+20: uma arena sobre os desafios da sustentabilidade no século XXI

Vinte anos depois de sacudir o planeta com a Eco-92, mais uma vez as atenções do mundo se voltam ao Brasil. Assim como naquele ano, o Rio de Janeiro recebe, em junho, líderes e ativistas do mundo todo para a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Ao todo, representantes de 193 nações, sendo pelo menos 116 chefes de Estado (confirmados até 11 de maio),e dos Majour Groups considerados pela ONU [1] vão discutir os eixos principais da economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, além da governança internacional da sustentabilidade. “A Rio+20 é mais do que uma reunião sobre o clima. É sobre como vamos viver em cidades sustentáveis nos próximos 20 anos. Como vamos produzir comida sustentável nos próximos 20 anos”, define Brice Lalonde, coordenador executivo da conferência.

[1]- Major groups – grupos representantes das áreas de agricultura/autoridades locais/comunidade científica e tecnológica/crianças e jovens/negócios e indústria/mulheres/negócios e indústria/ONGs/povos nativos/Trabalhadores e Sindicatos.

Trata-se de um evento grandioso. O Rio de Janeiro vai praticamente viver em função desse acontecimento, com cerca de 50 mil pessoas – há quem diga que serão 100 mil – movimentando-se por lá somente por conta disso. Por essas e outras razões o entendimento da Rio+20, algumas vezes, pode ser um pouco confuso. Para começar, quando se fala nela, a referência não é somente às atividades oficiais organizadas pela ONU. Na verdade, pode-se dizer que são três eventos paralelos ocorrendo simultaneamente na mesma cidade. Isso porque, além do encontro com os chefes de governo, que é onde as coisas serão decididas de fato, haverá também uma forte movimentação da sociedade civil organizada, que vai procurar fazer pressão nos tomadores de decisão por meio de manifestações na Cúpula dos Povos. Além disso, outras atividades paralelas, como palestras, workshops e atrações culturais, também farão parte dos acontecimentos.

É uma espécie de tudo-ao-mesmo-tempo-agora. E é para que você entenda melhor sobre o que é a Rio+20, quem são seus participantes e como as decisões ali podem afetar a sua vida, que o Mercado Ético preparou este hotsite especial. Esperamos que ele seja de bastante utilidade.
Debates

É verdade que em junho, o Rio de Janeiro viverá o mês todo em função da Rio+20, mas a programação oficial, que será realizada no Rio Centro, na Barra da Tijuca, ficará concentrada “somente” entre os dias 13 e 24 (saiba mais em nosso Calendário de Atividades):

De 13 a 15/06 – reunião do comitê preparatório (PrepCom3) da ONU
De 16 a 19/06 – negociações informais, entre elas, os Diálogos sobre Desenvolvimento Sustentável, promovido pelo governo brasileiro, que só terá a participação da sociedade civil
De 20 a 22/06 – Conferência (oficial) das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, com chefes de Estado e de Governos
De 23 a 24/06 – balanço para os próximos passos pós-Rio+20

Com uma programação bastante variada, alguns críticos acham que existe o risco do olhar sobre a conferência oficial ser desviado, colocando em xeque as expectativas sobre seus resultados efetivos. O temor se fundamenta principalmente no fato de que o encontro não tem o objetivo de apresentar documentos vinculantes, como tratados e convenções, que exigem consensos multilaterais e devem ser ratificados pelos países signatários (por meio de legislações nacionais). Ou seja, ninguém é obrigado a definir nada. E mesmo que defina, não haverá uma obrigação legal para se cumprir o que foi decidido ali.

A verdade é que várias agendas estão sendo tratadas no âmbito da Rio+20. Além da economia verde e governança da sustentabilidade, aparecem na pauta, por exemplo, a água, o clima e a biodiversidade, os oceanos e mares, a energia, a segurança nutricional e a erradicação da pobreza. “Por isso a Rio+20 não tem que se preocupar em tomar ações específicas. Nem tem mandato para isso”, explica Aron Belinky,consultor do Instituto Vitae Civilis, uma das organizações mais ativas no que se refere à Rio+20. Ele diz que o que se espera mesmo da conferência é que dela resulte um novo compromisso político por partes dos países no que se refere ao desenvolvimento sustentável.

Esse é um aspecto importante que diferencia a Rio+20 da ECO 92, cujo processo resultou nas Declarações do Rio de Janeiro, nas Convenções sobre Mudança do Clima e sobre a Diversidade Biológica, na Declaração de Princípios sobre as Florestas e na Agenda 21, como também no lançamento da negociação para a Convenção da Desertificação, aprovada posteriormente.
Governanças ambiental e global

Um capítulo estratégico nessa discussão sobre como se implementar a economia verde são as chamadas governança ambiental e global do desenvolvimento sustentável.

No centro dos debates da governança ambiental, estão propostas como o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), para que tenha poder de agência deliberativa e com recursos, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), já que hoje o seu papel é restrito. Ou a criação de uma organização mundial do Meio Ambiente de alto nível, que tenha participação paritária de países e da sociedade civil. “Essa é uma discussão que se estende há pelo menos uma década”, explica Belinky.

Outra questão apontada na composição dessa governança é o destino da enfraquecida Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CDS), criada na ECO 92 com o propósito de tratar das questões ambientais, econômicas e sociais. “Ela começou a ter dificuldades para fazer as suas deliberações sobre Consumo Sustentável. Há, inclusive, uma proposta para validá-la durante a Rio+20”, explica o consultor.

Para completar essa conjunção complexa, existe mais uma proposta sendo cogitada: a de que o Conselho Econômico e Social (Ecosoc), no âmbito da ONU, incorpore o tema de desenvolvimento sustentável em sua pauta.
Rascunho Zero

“Fruto de sugestões e contribuições de países, grupos regionais, organizações internacionais e da sociedade civil, a fim de elaborar o documento base para a Rio+20, que será analisado e, se tudo der certo, aprovado pelos Estados-Membros da ONU, durante o encontro.” É assim que a secretaria executiva da Rio+20 define o Rascunho (Draft) Zero.

O processo para sua formulação começou em março de 2011. Em janeiro deste ano, foi publicado e recebeu o nome de “O Futuro que Queremos”.

O material recebeu inicialmente 643 propostas enviadas por países e instituições dentro do sistema ONU e a partir de então, está sendo trabalhado e reduzido. A mais recente modificação ocorreu após reunião preparatória na sede da organização, em Nova York, entre os dias 30 de abril e 4 de maio. Ficou decidido que haverá mais uma rodada de negociações, entre os dias 29 de maio e 2 de junho, também em Nova York, para se chegar à versão final a ser discutida em junho.

O documento chegou a ficar com 19 páginas e, devido à inserções de comentários, atualmente tem 278 (http://vitaecivilis.org/home/images/stories/Docs/Documento_de_negociacao_com_texto_dos_co_presidentes%20_17_de_abril.pdf), e está dividido em cinco grandes seções, como explica o consultor Aron Belinky:

 Reafirmação dos princípios firmados nos últimos 20 anos;
Contexto mundial;
Economia verde;
Governança;
26 temas principais e
Meios de implementação.

Os 26 eixos principais que são abordados no rascunho, que agora é chamado de “um” estão divididos em:

Água;
África
Biodiversidade;
Cidades;
Desastres naturais;
Educação;
Energia;
Erradicação da pobreza;
Florestas;
Harmonia com a natureza
Montanhas;
Mudanças climáticas;
Inclusão social;
Oceanos e mares;
Países insulares
Países menos desenvolvidos
Outros grupos e regiões com dificuldades para implementar o desenvolvimento sustentável.
Químicos;
Saúde;
Segurança alimentar;
Transporte Sustentável;
Turismo Sustentável;

Segundo Belinky, diante desse contexto, uma das propostas que estão sendo cogitadas é que o documento resulte nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que seriam a continuidade dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) [2], cujo prazo de implementação expira em 2015. “A partir desse período, os países se comprometeriam com essas novas diretrizes. Entretanto, muitas nações ainda defendem que as propostas sejam voluntárias, enquanto outras consideram importantes que haja acordos vinculantes”, analisa ele.

[2] ODMs – No ano 2000, 191 estados-membros da ONU se comprometeram a reduções e enfrentamento de problemas em oito eixos principais, desde o campo da erradicação da extrema pobreza e fome até tratar globalmente o problema da dívida dos países em desenvolvimento, mediante medidas nacionais e internacionais, de modo a tornar a sua dívida sustentável a longo prazo.

Outros pontos interessantes que fazem parte das propostas são a criação futura de Convenções sobre a Responsabilidade Empresarial e sobre o Acesso à Informação e Justiça Ambiental, como também dos Oceanos, que entra como forma de alerta na agenda. No tocante às mudanças climáticas e à diversidade biológica (que já têm suas convenções), o que está sendo colocado é que a Rio+20 não interferirá nos processos já existentes das Conferências das Partes (CoPs) sobre as mesmas, que já acontecem de forma regular: anualmente e a cada dois anos, respectivamente.
Economia verde

Um dos pontos que tem tornado as negociações ainda mais polarizadas é a dificuldade de consenso quanto à definição do termo economia verde. Existem interpretações diferenciadas, o que causa dificuldade para negociações tanto entre países, como na relação com movimentos socioambientais, que consideram que seria um tipo de “maquiagem verde” ou greenwashing.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) lançou a proposta Green Economy (http://www.unep.org/greeneconomy/), em 2008, e desde então vem publicando materiais a esse respeito periodicamente. De forma resumida, a entidade define economia verde como: “…economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica. Em outras palavras, uma economia verde pode ser considerada como tendo baixa emissão de carbono, é eficiente em seu uso de recursos e socialmente inclusiva, que seja impulsionada por investimentos públicos e privados…, mas que não substitui desenvolvimento sustentável”.

Entre os documentos posteriores, está o relatório “Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza” (http://www.unep.org/greeneconomy/Portals/88/documents/ger/GER_synthesis_pt.pdf). De acordo com o texto, para que seja possível estabelecê-la, seria necessário um investimento de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) global – cerca de US$ 1,3 trilhão – em dez setores: agricultura, edificações, energia, pesca, silvicultura, indústria, turismo, transporte, água e gestão de resíduos.

* Publicado originalmente no site do Mercado Ético.