Sou o homem mais rico do mundo.
Tenho família. Tenho filhos. Tenho amigos. Tenho livros e leitores.
Tenho amores. Tenho uma pessoa, em especial, com quem me fiz uma só carne. Uma só luta no corpo a corpo a favor da vida.
Tenho uma casa para onde ir. Uma cama onde dormir. Um escritório onde ficar… para pensar. Tenho um pouco de calma… para pensar. Uma calva nascente… de tanto pensar!
Tenho água para beber. Um prato para comer. Uma música para ouvir. Uma capela onde rezar.
Tenho uma causa perdida na qual apostar.
Tenho um site. Tenho um blog. Mais de um, por sinal. Se bobear, escrevo até para um portal! Tenho um lugar (virtual) na Idade Mídia.
Tenho algumas idéias a divulgar. Tenho alguns argumentos para defendê-las. Tenho algumas certezas… e até posso perdê-las. Tenho algumas verdades. Tenho alguma experiência. Tenho uma lista de erros que um dia cometi e me ensinaram a não confiar apenas em minhas forças.
Tenho a sorte de conviver com a beleza. De vislumbrar ao meu redor sinais de grandeza. Sinais de inteireza. Sinais de alegria mais do que de tristeza.
Contudo, devo confessar: sou também o homem mais pobre do mundo.
Porque fugi quando deveria estar ali, e fiquei lá quando era tarde demais.
Porque sou lento na hora da urgência, e precipitado na hora da paciência.
Porque fui intolerante com quem sofria, e conivente com aquele que fazia o outro sofrer.
Estou mergulhado em dívidas que jamais poderei saldar. A quantidade de oxigênio que já respirei ao longo de meio século. A quantidade de alimentos que já engoli, ou desperdicei. A quantidade de horas que já consumi, ou dissipei. A quantidade de palavras que joguei pela boca fora. A quantidade de papel, de tinta, a quantidade de produtos e bens que malbaratei.
Carrego minha pobreza e minha riqueza aonde quer que eu vá. Orgulhoso de ser rico.
Humilhado na miséria. Mendigo e bilionário, cheio de prestígio e sem amparo, lúcido e alienado, tenho uma fortuna em minha mão direita, e, com a esquerda, suplico um pedaço de pão.
Sou o homem mais pobre do mundo. E também o mais rico.
É que eu escrevo dia e noite, entregando tudo o que possuo, e, ao mesmo tempo, recebendo dos outros o bem mais precioso para um escritor: a leitura.
* Gabriel Perissé é doutor em Educação pela Universidade de São Paulo e escritor. Website www.perisse.com.br.
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.