Bangcoc, Tailândia, 7/10/2013 – O primeiro censo a ser realizado na Birmânia em 30 anos pode fazer desaparecer “toda referência” à minoria muçulmana rohingya, perseguida pelo regime, o que equivaleria a um etnocídio, alerta de Londres um líder exilado dessa comunidade. Nurul Islam, presidente da Organização Nacional Rohingya Arakana, disse em entrevista à IPS que sua campanha objetiva chamar a atenção da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos governos europeus.
“Queremos pressionar o governo da Birmânia para que conte os rohingyas no censo, de modo a revelar os números reais de sua população”, disse Islam. A organização Human Rights Watch (HRW) expressou preocupação similar sobre este grupo étnico sem Estado, que vive ao longo da fronteira ocidental da Birmânia.
O censo, que será realizado durante 12 dias em março de 2014, custará US$ 58,5 milhões, confirmou o ministro de Imigração e População, Jin Yi, em entrevista coletiva concedida em setembro em Naypidaw, a capital administrativa da Birmânia, que prometeu colocar US$ 15 milhões, enquanto espera que a ajuda da ONU cubra outros US$ 5 milhões. Se prevê que os governos do Ocidente entrem com o restante: US$ 16 milhões da Grã-Bretanha, e US$ 2,8 milhões da Austrália, enquanto Noruega e Suíça também assumiram compromissos.
Os rohingyas há décadas são vítimas de políticas discriminatórias. Algumas, como os trabalhos forçados, constituem violações dos direitos humanos, e também atingem outras minorias. Outras políticas afetam apenas os rohingyas: a muitos é negada uma adequada atenção quanto a saúde e educação, são impedidos de sair de suas aldeias e até de se casar, porque as autoridades locais não dão sua aprovação. Os líderes locais dizem que dezenas de milhares de bebês da etnia não foram registrados.
Os rohingyas não são oficialmente identificados como um dos 135 grupos étnicos reconhecidos do país. A última contagem, de 1983, situou a população nacional em 35,4 milhões, enquanto a população registrada no censo anterior, de 1973, era de 28,9 milhões. Esses dois censos, feitos quando o país estava sob um opressivo regime militar, não reconheceram os rohingyas como parte de sua população. As declarações oficiais e os meios de comunicação costumam se referir aos 800 mil rohingyas que se estima existem no país como “bengalis” (quem nasce em Bangladesh).
Por fim, considera-se que os membros da comunidade são “forasteiros” procedentes da vizinha Bangladesh. “O termo bengali tem conotação de estrangeiro”, observou Chris Lewa, diretor do Projeto Arakana, uma organização independente que se dedica a investigar a situação dos rohingyas. “Portanto, institucionalizar o termo bengali vai muito além de simplesmente rejeitar o termo rohingya, e é uma negação de seus direitos como cidadãos” da Birmânia, acrescentou.
Janet Jackson, diretora do escritório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) na Birmânia, disse à IPS que “o censo não afetará o status de cidadania dos rohingyas. Não se deve permitir que a controvérsia que cerca esse assunto seja obstáculo para uma contagem completa da população, e a realização do censo não deveria agravar as tensões relacionadas ao tema”.
O governo garantiu ao UNFPA que o censo acontecerá “em linha com os padrões internacionais” nessa área e segundo os quais “cada pessoa será contada, independente de sua cidadania ou condição étnica”. Jackson espera que o perfil da população do país, estimada em 60 milhões de habitantes, abrace a “inclusão”. Essas palavras destoam da realidade no terreno, pois no ano passado estourou na Birmânia a violência sectária entre os budistas arakaneses e os rohingyas.
Em outubro de 2012 e junho deste ano, ataques contra rohingyas que mataram quase 200 pessoas e deixaram 140 mil refugiados despertaram certa empatia pelos membros dessa etnia. A HRW os descreveu como vítimas de “limpeza étnica” em um informe divulgado em abril deste ano. Essa funesta situação piorou. O Projeto Sentinela para a Prevenção do Genocídio descreve a Birmânia como “um caso de manual”.
“A máquina do genocídio – o processo complexo e sistemático projetado para eliminar os rohingyas – já opera na Birmânia e levou a limpeza étnica e o isolamento ao seu ponto atual”, diz o informe intitulado Alto Risco de Genocídio na Birmânia, que a organização divulgou no começo de setembro.
“Cada vez mais evidências apoiam as denúncias de que atualmente ocorre um genocídio na Birmânia, e pode ser meramente questão de escala”, afirma o documento. “Entre os principais indicadores de tentativa genocida está o registro forçado de rohingyas sob uma identidade étnica ‘estrangeira’, tentando apresentar uma negação documental da existência do grupo”, acrescenta. Envolverde/IPS