Roma, Itália, agosto/2011 – A capital italiana sufoca o visitante, não apenas pelo extremo calor dos meses de verão, mas pelo acúmulo das mostras arquitetônicas de diferentes épocas e estilos. A oscilação pela máquina do tempo assemelha-se por momentos a uma operação de “zapping” televisivo: Barroco, Renascimento, muralhas medievais, modernidade, aquedutos e anfiteatros romanos. Devido a esta mescla esmagadora, atrai a atenção a singularidade de construções que evidentemente oferecem um ar clássico e imperial, como se fossem uma pincelada contemporânea de cenas antigas.
O extraordinário dessa impressão é que se trata de imitações de arquitetura da Roma Antiga, produto de uma moda que dominou a capital italiana nas décadas de 1920 e 1930. Porém, mais extraordinário é comprovar que algumas dessas construções terminaram nos anos 1950, e que não foi feito o menor esforço para ocultar sua evidente origem mussoliniana e fascista. É mais uma prova do impacto da Roma Eterna, acima de épocas e regimes.
A marca arquitetônica do fascismo está presente em diversos bairros de Roma (a urbanização planejada de EUR). Porém, provavelmente, a mostra mais notável desse compromisso histórico-político é o complexo do Fórum Itálico, às margens do Rio Tiber, que é cruzado pelas pontes Milvio e do Duque de Aosta.
Enquanto esta foi erguida em plena era fascista de 1936-1939, a primeira reclama ser a mais antiga de Roma. Sua obra original se deve ao cônsul Caio Claudio Nerón no ano 206 AC, para certificar o triunfo sobre os cartagineses na batalha de Metaurus. No ano 115 da nova era, outro cônsul, Marco Emilio Escauro, construiu uma nova e, em 312, Constantino I derrotou Majencio na conhecida batalha da Ponte Milvio. Na primeira década do novo milênio, a ponte começou a atrair casais de namorados, que começaram uma cerimônia de colocar cadeado em suas lâmpadas como sinal de amor eterno, segundo uma tradição iniciada por Federico Moccia em sua novela e filme “Três metros sobre o céu”.
Por sua vez, a Ponte do Duque de Aosta se abre a um panorama insólito, o Fórum Itálico, também ainda conhecido por seu nome original como Fórum Mussolini, em homenagem ao “duce”. Projetada por Enrico Del Debbio e Luigi Moretti, foi inspirada nos fóruns imperiais romanos e é a mostra mais genuína da arquitetura de perfil fascista. Foi projetada e construída no contexto do projeto de criação de uma autêntica cidade dos esportes.
Compreende numerosas sedes, entre elas o Estádio Olímpico, o Estádio dos Mármores e o Estádio da Natação. Foi palco de diversos acontecimentos esportivos como os Jogos Olímpicos de 1960, e periodicamente recebe o torneio internacional de tênis em sua quadra principal com capacidade para 12.500 espectadores. Sua abertura única é o obelisco em honra de Mussolini, uma peça única de Carrara, de 37 metros de comprimento e 770 toneladas, colocado sobre um monolito de 300 toneladas, que foi transportado durante um longo périplo de quatro anos e chegou em barcaça.
Por uma curta avenida se chega a uma praça após a qual se ergue o Estádio Olímpico. Os telespectadores que periodicamente acompanham os jogos da Roma e da Lazio, os dois clubes da primeira divisão da capital italiana, não se incomodam de entrar no templo esportivo pisando mosaicos de perfil genuinamente fascista, conservados sem evasivas. Igualmente puderam dizer os presentes à Olimpíada de 1960, à Copa do Mundo de 1990, ou à vitoria do FC Barcelona sobre o Manchester United na final da “Champions” europeia em 2009, já com o estádio fundamentalmente renovado, para citar apenas alguns acontecimentos.
Porém, mais difícil é não sofrer o impacto do Estádio dos Mármores, inaugurado em 1932. Ornamentado por 59 estátuas do mais genuíno estilo mussoliniano que faria inveja a Hitler. Ao lado está o prédio que foi sede da Escola Física de Educação Física, renovada para treinar as juventudes fascistas, e hoje sede do Comitê Olímpico Italiano. Os sinais olímpicos apenas maquiam o estilo original.
Por fim, a oeste se ergue uma construção retangular, polida, imaculada. Com nove andares, entre 169 metros de largura e 50 de altura, possui 1.300 salas, para abrigar o Ministério das Relações Exteriores, o Palácio de la Farnesina. Contudo, repassando a história, não se oculta que foi um projeto de Mussolini para sede do Partido Fascista. Projetado em 1935 pelos arquitetos Enrico Del Debbio, Arnaldo Foschini e Vittorio Morpurgo Ballio, a fachada é de mármore travertino. Sua construção foi congelada em 1943 com o colapso do regime. Porém, curiosamente, foi terminada em 1959 com ligeiras variações que não conseguem ocultar recatadamente o perfil monumental original. Além de seu uso burocrático, tem uma excelente coleção de arte do Século 20.
Este cenário da história, antiga e nova, pesa. Ladrilho, mármore e granito tornam difícil apagar o passado, por mais incômodo que seja. O curioso de Roma é que no caso dos símbolos mussolinianos (o obelisco é seu exemplo mais emblemático), governos e cidadãos não se esforçam para maquiar o legado. Dessa forma, o viajante pode repassar a história deste país complexo e inimitável. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).