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Ruanda se atreve a ter doces sonhos, e com sabor de sorvete

Louise Ingabire, de 27 anos, está à frente da Inzozi Nziza (Doces Sonhos), primeira sorveteria de Ruanda, localizada em Butare. Foto: Amy Fallon/IPS
Louise Ingabire, de 27 anos, está à frente da Inzozi Nziza (Doces Sonhos), primeira sorveteria de Ruanda, localizada em Butare. Foto: Amy Fallon/IPS

Butare, Ruanda, 23/4/2014 – De todas as partes de Ruanda, e inclusive do vizinho Burundi, chegam pessoas ao povoado de Butare para conhecer a pequena loja Inzozi Nziza (Doces Sonhos) e saborear algo desconhecido: um sorvete. Aqui, na primeira sorveteria da história deste país do centro da África, que abriu suas portas há quatro anos, os clientes podem pedir sorvete de massa em sabores como creme doce, fruta da paixão, morango e abacaxi. As coberturas incluem frutas frescas, mel e granola artesanal. Também se serve chá negro de Ruanda e café.

O pequeno comércio, cujo slogan é “Sorvete. Café. Sonhos”, explora a curiosidade ruandesa por um doce desconhecido, e está “mudando vidas”, disse a gerente Louise Ingabire, de 27 anos. Sentada à sua mesa de negócios, prestes a devorar um sorvete sabor mel, ela afirmou à IPS que “o sorvete é importante. Gosto porque me dá energia, e também é relaxante. Alguns ruandeses gostam, mas é algo novo. Ainda temos trabalho para que seja conhecido”.

Fiel ao seu slogan, essa sorveteria tornou realidade alguns dos sonhos de Ingabire. “Eu não tinha emprego, apenas ficava em casa. Agora tenho uma visão sobre meu futuro. Estou ganhando dinheiro e posso ajudar minha família”, afirmou.

Butare, que tem 89.600 habitantes e fica a 135 quilômetros da capital Kigali, é sede da Universidade Nacional de Ruanda, e a Inzozi Nziza se tornou um centro social para estudantes cansados que procuram alguma coisa doce, fresca e diferente. “É algo que une as pessoas”, declarou à IPS a estudante de ciências agrícolas Kalisa Migendo, de 24 anos. “Se tem que sair e conversar com um amigo ou amiga, vem tomar um sorvete na Inzozi Nziza”, acrescentou.

A maioria dos ingredientes do sorvete é local, e o leite procede de uma fazenda da localidade próxima de Nyanza. As barrinhas de baunilha e os grãos de cacau são importados. Quem abriu a sorveteria foi a diretora teatral Odile Gakire Katese, conhecida como Kiki. Ela se associou a Alexis Miesen e Jennie Dundas, donas da sorveteria Blue Marble Ice Cream do Brooklyn, em Nova York, para abrir este negócio em 2010. Katese acredita que “uma sorveteria pode ajudar a recompor as peças humanas, reconstruindo espíritos, esperanças e tradições familiares”, contou Miesen à IPS.

No começo, Miesen e Dundas eram as proprietárias em associação com as empregadas, e tinham ações na sorveteria, que é uma cooperativa sem fins lucrativos. Não foram fixados objetivos financeiros, mas esperaram 18 meses para transferir suas ações para as trabalhadoras, que demonstraram suas habilidades empresariais.

O sucesso dessa sorveteria não é uma exceção. Fatuma Ndangiza, vice-presidente do Conselho de Governo de Ruanda, destacou que há muitas pequenas empresas de propriedade feminina. Contudo, “nas grandes empresas, onde se compete por licitações, há muito poucas mulheres. São as recém-chegadas aos grandes negócios”, afirmou. “Temos mais mulheres empresárias. É uma área que está interessando a elas, tanto dentro quanto fora de Kigali”, acrescentou.

Embora o sorvete seja algo novo em Ruanda, ela defende a ideia do negócio. “É genial. Exige muitas habilidades e mudar a mentalidade das pessoas, porque fazer e tomar sorvetes não é parte de nossa cultura. Ser capazes de inovar e introduzir a inovação no mercado, e o processo para conseguir isso, é muito interessante”, ressaltou.

A sorveteria de Butare emprega nove mulheres, e todas passam seu tempo livre no Ingoma Nshya, o primeiro e único grupo feminino de tocadoras de tambor do país, criado por Katese há dez anos. O grupo é formado por mulheres hutus e tutsis, algumas sobreviventes do genocídio de 1994, quando foram assassinados entre 800 mil e um milhão de tutsis e hutus moderados. Algumas integrantes do Ingoma Nshya são viúvas, outras são órfãs. E as demais também foram afetadas de uma maneira ou outra pela matança generalizada.

Em Ruanda, as mulheres eram proibidas de tocar o tambor, e muitos consideravam o instrumento inadequado e muito pesado para uma mulher carregar, contou Ingabire. “É algo que gera unidade”, observou esta mulher que perdeu pai, dois irmãos e muitos primos no genocídio. “Algumas são sobreviventes, outras conhecem alguém que foi assassinado. Tocar o tambor com elas me dá poder, porque ainda estamos vivas”, afirmou.

O período oficial de luto pelo genocídio, que está completando 20 anos, começou no dia 7 deste mês e vai até 4 de julho. Neste prazo, as mulheres da sorveteria de Butare também recordarão outro fato simbólico em suas vidas: o quarto aniversário da Inzozi Nziza, em junho. A sorveteria também protagoniza um documentário dos premiados irmãos cineastas Rob e Lisa Fruchtman.

Sweet Dreams (Doces Sonhos) conta a história de mulheres ruandesas que tentaram forjar um futuro para si após o genocídio, e também mostra as tocadoras de tambores. O filme foi exibido em mais de uma dezena de países da América, Europa e África, incluindo Estados Unidos e Grã-Bretanha. Em Ruanda estreará este ano. “O filme é sobre a resiliência, a esperança, a valentia, os recursos e a capacidade de mudar o curso de nossas vidas”, enfatizou à IPS Lisa Fruchtman, que em 1984 ganhou um Oscar de melhor montagem. Envolverde/IPS