Doha, Catar, 18/7/2012 – A Rússia ameaçou bloquear no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) as tentativas de estender uma missão de controle na Síria, se as potências ocidentais não deixarem de recorrer à “chantagem”, ameaçando com sanções contra Damasco. O chanceler russo, Sergei Lavrov, colocou essa posição firme ontem, antes das negociações em Moscou com o enviado da ONU, Kofi Annan, resistindo à pressão internacional sobre Moscou e a China para que deixem de apoiar o presidente Bashar al-Assad.
É provável que seus comentários acabem com as esperanças dos diplomatas ocidentais de que a Rússia buscaria uma maneira elegante de retirar seu apoio a Assad e de aceitar que o mandatário não deve ter nenhum papel em uma transição. “Com grande pesar vemos elementos de chantagem”, declarou Lavrov em uma entrevista coletiva antes de Annan iniciar visita de dois dias, que inclui conversações com o presidente Vladimir Putin. “Este é um enfoque contraproducente e perigoso”, acrescentou.
Por outro lado, o Marrocos solicitou ao embaixador da Síria em Rabat que deixe o país, informou no dia 16 o Ministério das Relações Exteriores. Em represália, o governo sírio declarou “persona non grata” o enviado marroquino a Damasco, a quem também pediu que abandone o país.
A violência na Síria não diminuiu, e partes da capital estiveram sob fogo cruzado pelo segundo dia consecutivo, segundo ativistas, enquanto as forças do governo bloqueiam ruas dentro e fora da cidade. “Os disparos de morteiro recomeçaram no começo da manhã”, divulgaram no dia 16 os Comitês de Coordenação Local, uma rede da sociedade civil. A agência de notícias Reuters informa que o barulho de armas de fogo pequenas é ouvido por todas as ruas de Damasco.
Soldados sírios apoiados por veículos blindados avançaram rumo ao centro da cidade, expulsando os rebeldes que haviam se entrincheirado nessa área, a pouca distância dos principais órgãos estatais. A ofensiva militar do dia 16 continuou afetando diversos bairros da capital, entre eles Midan, Tadamon – onde se informou que havia franco-atiradores nos terraços dos prédios –, Kfar Souseh, Nahr Aisha e Sidi Qadad.
Segundo os Comitês, soldados e combatentes rebeldes do Exército Sírio Livre também se enfrentaram no distrito de Kfar Souseh, na capital. O Observatório para os Direitos Humanos na Síria, com sede na Grã-Bretanha, informou sobre “batalhas ao amanhecer na estrada ao sul de Kfar Souseh, entre rebeldes e soldados que seguiam em um comboio” que atravessava a área. “Não dormi a noite toda. Era uma zona de guerra real”, disse à agência France-Presse um morador de Jaramana, que fica próximo.
O povoado de Qatana, a 20 quilômetros de Damasco, também foi bombardeado no dia 16. Em outras partes, as forças do governo dispararam contra os sitiados distritos de Khaldiyeh, Jourat al-Shiah e Qarabees, em Homs. No norte, as forças oficiais tomaram de assalto a cidade de Hama, palco de ferozes combates e de uma série de explosões, segundo o Observatório. O governo continua desafiado, e insiste em dizer que defende seu povo e sua soberania.
Enquanto os ataques contra áreas residenciais de Damasco continuam, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha informou que agora considera o conflito sírio uma guerra civil. A avaliação dessa entidade com sede em Genebra pode ter implicações para os julgamentos por crimes de guerra e significa que o direito humanitário internacional se aplica em todo o país, embora tenha pouco efeito no terreno. Também conhecidas como as regras da guerra, as leis humanitárias concedem a todas as partes de um conflito o direito de usar uma força adequada para conseguir seus objetivos.
“Agora falamos de um conflito armado não internacional no país”, declarou no dia 15 o porta-voz da Cruz Vermelha, Hicham Hassan. Antes, seu Comitê havia restringido sua avaliação do alcance do conflito aos pontos álgidos de Idlib, Homs e Hama. Entretanto, Hassan disse que a organização concluiu que a violência estava se espalhando. “As hostilidades se propagam a outras áreas do país. O direito humanitário internacional se aplica a todas as áreas onde há hostilidades”, ressaltou Hassan.
Josh Lockman, professor de direito internacional na University of Southern California, destacou que a avaliação não representa nenhuma diferença significativa no terreno, mas é de “tremenda” importância no longo prazo. “Com esta aplicação do direito humanitário internacional ao conflito, altos funcionários governamentais podem ser responsabilizados tanto por massacres contra civis como pelo tratamento dado aos combatentes capturados, nos graus de serem abusados, feridos ou assassinados”, explicou à rede de televisão Al Jazeera.
Embora o levante armado na Síria tenha começado há mais de um ano, o Comitê vacilava entre chamar ou não o conflito de guerra civil, embora outros, entre eles funcionários da ONU, já o tivessem feito. Isto acontece porque as regras da guerra passam por cima e, em certa medida, suspendem as leis aplicadas em tempos de paz, o que inclui o direito universal à vida, o direito à livre expressão e o direito a se reunir pacificamente. Envolverde/IPS