São Petersburgo, 23/9/2013 – “Na Rússia, não há problema ser gay em uma cidade grande como São Petersburgo ou Moscou, estudar na universidade ou trabalhar em uma empresa liberal, mas, mesmo assim, não pode se sentir absolutamente seguro”, afirmou Nikita Mironov, descrevendo o clima de temor que impera em seu país. Mironov é editor do site Queerculture.ru e vive nesta cidade, a segunda do país.
“Se alguém é abertamente gay nestas cidades, de todo modo tem medo de beijar seu paceiro em público ou simplesmente ficar de mãos dadas”, contou Mironov em uma entrevista à IPS sobre os problemas que atingem lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT) em suas vidas cotidianas. “Mas se você vive em uma localidade pequena ou áreas rurais, precisa manter sua sexualidade em segredo. Do contrário, baterão em você ou até matarão”, acrescentou.
Esta é a realidade cotidiana para as pessoas LGBT em toda Rússia, que enfrentam simultaneamente uma crescente estigmatização e ataques de grupos neonazistas homofóbicos, enquanto os políticos intensificam a retórica contra a população homossexual e aprovam leis que penalizam os estilos de vida não heterossexuais.
“Os LGBT sempre enfrentaram preconceitos, ignorância e discriminação na Rússia, mas agora o governo os formalizou no âmbito legal”, explicou à IPS Natalia Tsymbalova, coordenadora da Aliança de Heterossexuais pela Igualdade dos LGBT em São Petersburgo. “As minorias sexuais são ‘socialmente desiguais’ segundo a lei, e há pessoas que são demitidas do emprego por sua orientação sexual, outras apanham ou são assassinadas”, acrescentou.
Embora a homossexualidade tenha sido legalizada pouco depois da queda do comunismo, nunca foi aceita na sociedade russa. Em uma pesquisa feita em abril, 80% dos entrevistados disseram acreditar que a homossexualidade é uma doença que pode ser tratada, enquanto outro estudo, realizado em junho, mostra que 42% dos consultados disseram que deveria ser considerado um crime.
A Igreja Ortodoxa tem uma influência importante nas atitudes sociais. É considerada a autoridade moral suprema do país e seus líderes denunciam, aberta e regularmente, orientações não heterossexuais, rotulando-as de perversão ou doença. No entanto, nos últimos anos, os políticos adotaram uma posição anti-homossexual cada vez mais virulenta. Eles também rotulam a homossexualidade como perversão e propagam a ideia de que está vinculada à pedofilia.
Muitos analistas afirmam que, embora os legisladores invoquem suas próprias crenças para formularem suas políticas e declarações, perseguem uma agenda oculta. O Kremlin tenta desviar o descontentamento social crescente, retratando como “o inimigo” grupos particularmente vulneráveis e já impopulares, como os LGBT e os imigrantes. Esta política também integra a estratégia do governo russo de colocar freio à liberdade de expressão, com o pretexto de promover “valores tradicionais” e sustentar uma ideologia antiocidental.
A forma de vida dos LGBT costuma ser exposta como uma degradação social importada do Ocidente. Uma polêmica lei, aprovada neste verão boreal, determina que a “promoção de estilos de vida sexuais não tradicionais” para menores é um delito penal. Segundo pesquisas, a lei teve apoio popular de quase 90%. “O grau de ignorância da sociedade russa sobre as pessoas LGBT é muito alto, e é fácil incitar o ódio. Todo governo totalitário necessita de um inimigo. O presidente Vladimir Putin está construindo uma nova ideologia, estatista, conservadora e antiocidental”, advertiu Tsymbalova.
Antes e depois da aprovação da lei aumentaram os ataques físicos de grupos vigilantes homofóbicos contra pessoas LGBT, alguns particularmente violentos. As imagens logo chegaram à internet. A comunidade internacional condenou a lei e houve apelos de boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno do próximo ano, em Sochi. Putin respondeu que “não se discrimina as pessoas de orientação sexual não tradicional”, que não há nenhum problema com elas, que gosta de se reunir com organizações LGBT.
Entretanto, entidades de direitos humanos duvidam de suas intenções, e até agora não houve nenhuma reunião. Por sua vez, os legisladores apresentaram um projeto de lei para proibir a paternidade dos casais homossexuais. “Esta lei permitirá que tirem dos homossexuais seus filhos. Na Rússia há famílias do mesmo sexo, embora a lei não as reconheça. Para elas, sair do armário agora representa colocar seus filhos em perigo”, pontuou Tsymbalova.
Há poucas esperanças de o Kremlin incorporar mudanças à lei ou de ocorrer uma mudança nas atitudes da sociedade russa. Mas a pressão internacional pode obrigar a algumas mudanças, segundo organizações de direitos humanos. “Os aliados internacionais da Rússia deveriam deixar claro a Vladimir Putin e ao seu governo que deve tomar medidas concretas para revogar a lei e proteger as pessoas LGBT da discriminação e da violência”, disse à IPS a diretora de programa para a Rússia da Human Rights Watch, Tanya Lokshina.
Esses países “deveriam unir suas vozes e pressionar as autoridades russas para que revoguem a lei. Os Jogos Olímpicos de Sochi são uma grande oportunidade para fazê-lo”, acrescentou Loshina. Entretanto, é improvável que melhore a situação das pessoas LGBT na Rússia, pelo menos até então. “A homofobia e a estigmatização já eram altas antes da lei contra a ‘propaganda’, e muitas pessoas LGBT tinham suas razões para não manifestarem abertamente sua orientação sexual. A lei está desenhada para manter as pessoas no armário”, ressaltou.
Tsymbalova descreve um panorama ainda mais funesto. “A vasta maioria das pessoas LGBT na Rússia não sai do armário, e uma porcentagem muito pequena da população conhece alguma pessoa homossexual. As pessoas têm medo de se abrir, às vezes até mesmo com seus entes queridos”. E acrescentou que “a Rússia tem a maior quantidade de suicídios de adolescentes na Europa, e uma grande parte deles é LGBT. O ambiente de ódio homofóbico converte suas vidas em um inferno, paralisa suas mentes e, às vezes, até os mata”. Envolverde/IPS