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Rússia inventa um inimigo imigrante

Russia

Moscou, Rússia, 25/10/2013 – A crescente rejeição aos imigrantes na Rússia, que no começo deste mês derivou em violentos distúrbios em Moscou, é útil a um governo ansioso por promover a imagem de um “inimigo público” diante de uma população descontente, afirmam organizações de direitos humanos. No dia 13 deste mês, mais de mil pessoas foram às ruas do distrito de Biryulyovo, no sul de Moscou, após o assassinato de um jovem, supostamente por imigrantes. Os manifestantes destruíram carros e lojas e enfrentaram a polícia.

O Kremlin respondeu prendendo mais de mil supostos imigrantes ilegais, enquanto os políticos começaram a elaborar leis para limitar a afluência de estrangeiros. A vasta maioria das quase 400 pessoas detidas durante os distúrbios foi libertada sem acusações. Organizações de direitos humanos disseram que esse incidente deu às autoridades uma oportunidade de melhorar sua imagem diante de um público cada vez mais descontente.

“O Kremlin tenta manipular a opinião pública usando um ‘inimigo’ como meio para que o povo deixe de centrar seu descontentamento no governo”, disse à IPS a ativista Tanya Lokshina, da organização Human Rights Watch. “Estão explorando a imagem dos imigrantes com essa finalidade”, acrescentou. A rejeição aos imigrantes aumentou na Rússia nos últimos anos, especialmente em suas principais cidades, conforme cada vez mais cidadãos de ex-Estados soviéticos, desde o Cáucaso até a Ásia central, chegavam em busca de trabalho.

Esses estrangeiros se integram pouco à sociedade russa e a maioria vive em comunidades fechadas. Há uma ideia generalizada de que a delinquência é desproporcionalmente alta nessas comunidades. Segundo dados da Promotoria de Moscou, estrangeiros foram responsáveis por cerca de um quinto de todos os delitos cometidos na cidade. O órgão também informou que a quantidade de crimes cometidos por imigrantes durante o verão boreal aumentou 60%.

Os políticos capitalizam essa situação. O prefeito da capital, Sergey Sobyanin, membro do governante partido Rússia Unida, foi eleito no mês passado graças a uma campanha abertamente contrária aos imigrantes, e neste verão boreal ordenou uma enorme operação e prisões de estrangeiros ilegais em Moscou. Após os distúrbios, o líder opositor Alexei Navalny também se expressou contra a delinquência entre os imigrantes.

A aberta xenofobia dos políticos marca uma virada na agenda política local. Até relativamente pouco tempo, o Kremlin via as tensões raciais como uma ameaça à segurança nacional, que não devia ser incentivada. O próprio presidente, Vladimir Putin, alertou reiteradamente para os perigos do nacionalismo extremo. Porém, diante da crescente insatisfação pública pela corrupção no aparelho estatal e pela falta de atenção para os problemas dos cidadãos, o governo agora opta por atacar grupos minoritários, os quais retrata como ameaças comuns.

Os críticos afirmam que o governo busca se mostrar lutando contra essas supostas ameaças para agradar o eleitorado. Na verdade, a televisão dedicou uma grande quantidade de tempo à transmissão de imagens do suspeito imigrante do Azerbaijão no assassinato que causou os distúrbios, que aparentemente apanhou da polícia enquanto era levado preso.

Fora os imigrantes, há outras minorias escolhidas como objetivos. Lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT) sofrem discriminação e perseguição, e este ano foi introduzida uma controvertida legislação que proíbe “promover” a homossexualidade, apesar dos violentos protestos da comunidade internacional. Além disso, se prevê que, no começo de 2014, será aprovada uma lei dando às autoridades o direito de tirar os filhos de casais formados por pessoas do mesmo sexo.

Entretanto, não são apenas as minorias que sofrem. O Kremlin também busca reprimir grupos da sociedade civil, especialmente os que têm ligações com organizações estrangeiras. Uma lei aprovada no final do ano passado obrigou algumas organizações não governamentais financiadas desde o exterior a se registrar como “agentes estrangeiros” (termo que na Rússia tem conotação de espionagem ou traição) ou pagar enormes multas e, potencialmente, cumprir pena de prisão.

“As autoridades estimulam intencionalmente a hostilidade contra vários grupos”, pontuou Dmitry Oreshkin, analista político e pesquisador da Academia Russa de Ciências, à imprensa local depois dos distúrbios. A cobrança pública de controle mais rígido sobre os estrangeiros (estudo do instituto independente Levada mostra que 84% dos russos querem um regime de vistos para os imigrantes do Cáucaso e da Ásia central) podem incentivar o Kremlin a impor uma lei autoritária e medidas de ordem.

Por sua vez, isso poderia ser usado contra outras minorias, pois o governo continua atacando toda potencial oposição ao seu mandato. É improvável que o descontentamento popular com os imigrantes seja aplacado de imediato, especialmente considerando que, segundo especialistas, é enorme a corrupção no registro de estrangeiros e na polícia.

Depois dos distúrbios houve cidadãos exigindo medidas mais severas contra os imigrantes que cometem crimes, pois “quase nunca são punidos por seus crimes”. Pouco depois dos incidentes, Navalny escreveu em seu blog que, “quanto mais pesadelos criam os guetos de imigrantes, mais podem ganhar os funcionários encarregados de fazer cumprir a lei e as autoridades locais, que saem impunes após cometerem delitos porque subornam as autoridades”. Envolverde/IPS