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Rússia recebe petróleo venezuelano a centavos por barril

Atividade em um dos campos da Faixa Petrolífera do Orenoco. Foto: Ministério de Petróleo e Mineração

Caracas, Venezuela, 19/3/2013 – As empresas estatais Rosneft, da Rússia, e PDVSA, da Venezuela, se associaram para explorar um campo de petróleo com reservas estimadas em 40 bilhões de barris, em um reforço da aliança entre os dois países. A parte russa entrará com 40% do projeto, no valor de US$ 1,5 bilhão, de um poço venezuelano que em cinco anos produzirá 400 mil barris por dia, segundo dirigentes das duas empresas.

“Para a Rosneft é um atraente negócio comprar o acesso a reservas a preço muito baixo. Com esses 40% ‘adquire’ 16 bilhões de barris ao custo unitário de US$ 0,10 o barril”, disse à IPS Víctor Poleo, docente de pós-graduação em economia petroleira da Universidade Central da Venezuela (pública). O barril (159 litros) é cotado entre US$ 90 e US$ 100 no mercado mundial.

O petróleo objeto do acordo se encontra na Faixa Petrolífera do Orenoco, uma área de 55 mil quilômetros quadrados no sudoeste da Venezuela que conteria 1,2 trilhão de barris, dos quais cerca de 240 mil são reservas recuperáveis, segundo o Ministério de Petróleo e Mineração. O governo de Hugo Chávez (1999-2013), falecido no dia 5 deste mês, batizou os lotes da Faixa com nomes de batalhas da Guerra da Independência (1810-1824) e concedeu áreas a empresas mistas, com uma participação acionária mínima da PDVSA (Petróleos da Venezuela) de 60%.

Com esse esquema, a Lei de Hidrocarbonos de 2006 substituiu os contratos de serviço que antes se estendiam a operadoras estrangeiras, as quais tiveram que se transformar em sócias. Legalmente, o petróleo dos poços pertence à nação. A Rosneft pagará à PDVSA um bônus de US$ 1,1 bilhão por seu direito à nova associação no lote Carabobo, já aprovada pelo parlamento venezuelano. Em abril, as duas empresas afinarão detalhes da constituição da nova companhia mista, a PetroVictoria.

Além disso, os russos passaram a donos de 40% da empresa mista que opera o vizinho campo de Junín, quando adquiriu em outubro o consórcio russo-britânico TNK-BP. As reservas de Junín são estimadas em 53 bilhões de barris, dos quais 40% superam os 18 bilhões de barris que a Rosneft possui na Rússia. Com a operação em Carabobo, “valoriza suas ações a um custo muito baixo”, apontou Poleo, crítico das empresas mistas, por considerá-las “uma cessão de nossos direitos sobre as reservas”.

Para Poleo, que foi vice-ministro de Energia nos três primeiros anos do governo de chaves, “no fim do dia significa que cada cem barris produzidos por seus lotes em Junín e Carabobo, 40 serão da Rosneft, além de 40% da renda com o petróleo”. José Suárez Núñez, da publicação especializada Petrofinanzas, destacou à IPS o avanço russo na Faixa, embora “em volumes no momento irrisórios e de um petróleo muito pesado, de refino caro”. Isso contrasta “com os depósitos de petróleo leve e uma produção líder, de dez milhões de barris/dia na Rússia”, recordou.

A maior parte do petróleo da Faixa é extrapesado, de menos de dez graus API (classificação do American Petroleum Institute), diante dos de mais de 30 graus no do Oriente Médio, Rússia ou Mar do Norte. Por isso, antes de ser refinado, precisa ser melhorado, em um processo equivalente a um refino parcial. “Os acordos da Rosneft com a PDVSA fazem parte da projeção da Rússia para a América Latina, uma região de tradicional influência dos Estados Unidos”, lembrou Kenneth Ramírez, especialista em geopolítica petroleira e presidente do privado Conselho Venezuelano de Relações Internacionais.

Essa projeção integra “a grande estratégia da Rússia para ressurgir como potência global e replicar o avanço de Washington sobre o que já foi sua zona de influência, na Ásia central e do sul, no Cáucaso, nos Bálcãs e no Mar Negro”, disse o especialista à IPS. “Entre suas linhas está fortalecer vínculos com o Brasil, integrante do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), e avançar para a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, com oito países) que a Venezuela lidera”, acrescentou.

Para os funerais de Chávez, no dia 8, o mandatário russo, Vladimir Putin, enviou como seu representante o presidente da Rosneft, Igor Sechin. O executivo aproveitou para manter uma reunião com Nicolás Maduro, presidente interino e candidato a suceder Chávez nas eleições de 14 de abril, para discutir obstáculos que teriam surgido em relação à petroleira binacional.

A imprensa local mencionou problemas na capacidade da PDVSA para atender seus compromissos financeiros, como evidenciam atrasos em suas obrigações com a Petrobras na construção da refinaria Abreu e Lima. Contudo, o ministro do Petróleo e presidente da PDVSA, Rafael Ramírez, ratificou “o compromisso de continuar com a política energética empreendida desde 1999” por Hugo Chávez.

“A relação estratégica com China e Rússia continuará se aprofundando, em concordância com o esquema de multipolaridade, que tem sido fundamental na política internacional da revolução”, afirmou o ministro. Quando os projetos se desenvolverem, a aliança russo-venezuelana implicará investir US$ 46 bilhões na Faixa, dos quais Moscou entregará US$ 17 bilhões, assegurou.

Kenneth Ramírez destacou que a Rosneft também trabalha em campos maduros (velhos) em áreas distintas da Faixa e assinou acordos para participar de futuras explorações de gás e fornecimento de brocas para a extração de petróleo. “Moscou não vem buscar fornecimento, pois tem reservas de 88 bilhões de barris, mas faz negócios que alavanquem uma aliança estratégica”, ressaltou o especialista em geopolítica. Poleo afirmou que, “também para a nova nomenclatura venezuelana, é um bom negócio comprar alianças com Putin e seus ‘silovikis’, hierarcas de inteligência que integraram a KGB (polícia política da extinta União Soviética) e assumiram a condução de grandes empresas após a queda do antigo regime”.

Dentro dessa nova aliança se situariam as compras militares da Venezuela na Rússia. Desde 2006, Caracas comprou dos russos pelo menos US$ 9 bilhões em aviões, helicópteros, lança-foguetes, tanques, blindados e fuzis de assalto, segundo a organização não governamental Controle Cidadão para a Segurança, a Defesa e a Força Armada. Envolverde/IPS