Para arrancar Paragominas do mapa da violência e da ilegalidade ambiental na Amazônia, empresas, produtores rurais e a prefeitura se estruturam em um projeto para tornar a cidade um “município verde”.
Ao completar 50 anos, em janeiro de 2011, Paragominas, no nordeste do Pará, também estava comemorando a retirada da cidade do mapa do desmatamento e apostando em um futuro onde se reconcilia com seu fundador, o mineiro, o mineiro Célio de Miranda, que em 1958 seguiu os passos de seu conterrâneo famoso, Juscelino Kubitschek, e resolveu fundar uma cidade. Foi o próprio Juscelino que presenteou Célio com uma apresentação ao então governador do Pará, Jarbas Passarinho, para que conseguisse as terras para a construção da cidade, e também apoiou a utilização de uma das plantas que concorreu para a construção de Brasília, um projeto do arquiteto Lucio Costa que havia ficado em quarto lugar. O fundador havia imaginado uma cidade moderna, dinâmica e capaz de desenvolver a região, então completamente despovoada. Em 1959 Juscelino assinou o decreto que criaria a rodovia Belém-Brasília, que a partir dos anos 1970 levaria mais gente e investimentos à região.
No entanto, durante quase 40 anos a cidade ficou conhecida como uma “terra sem lei”, onde proliferaram os assassinatos por terra, o desmatamento ilegal e uma economia predatória, tanto no que se refere à floresta, como em relação à pecuária, feita de forma extensiva e sem tecnologia. Isso culminou com a entrada de Paragominas, em 2008, na lista negra de municípios que mais desmatam na Amazônia, o que resultou no embargo da cidade e de suas fazenda para operações de crédito e dificultou em muito a comercialização dos produtos da região. “A cidade era conhecida como a síntese da destruição da Amazônia”, diz Adnan Demachki, prefeito de Paragominas. Para ele, alguns dados eram gritantes, como a a insegurança jurídica, a falta de um bom ambiente para os negócios e a pouca oferta de crédito para a propriedades no município. Mas o que realmente chamava a atenção era um indicador incontestável: “Paragominas tinha, em 2008, um PIB per capita de R$ 8.923,00, enquanto Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, chegava a quase R$ 52 mil”, conta.
Uma parceria envolvendo a prefeitura, o Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas, duas organizações ambientalistas, o Imazon e a TNC começou a dar uma nova cara para o município. O primeiro passo devia ser uma regularização das propriedades, ou, ao menos, ter um quadro claro que qual era a situação ambiental de cada fazenda. Para isso o sindicato e a prefeitura começaram a implantar o CAR – Cadastro Ambiental Rural, que mapeia através de satélites e de visitas às fazendas, a situação de cada uma em termos de preservação de suas Reservas Legais, que no município tem de ser de 50% da área das propriedades, e das áreas de preservação permanentes, como matas ciliares e proteção a nascentes. “A primeira constatação foi de que o município ainda mantém mais de 60% de suas áreas florestais, e que as propriedades com problemas não eram tantas e os problemas poderiam ser resolvidos, com planejamento e tecnologia”, explica Mauro Lucio Costa, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais. Ele conta que, de 2008 até o início de 2011 93% de todas as propriedades fizeram o CAR e registraram o estado de suas reservas legais e áreas de preservação permanente (APP). Desta forma puderam começar a recuperação das áreas degradadas e a planejar a recomposição das área baseadas em critérios técnicos, como a vocação de cada área, de forma a deixar para a agricultura e para as pastagens as melhores áreas já desmatadas e recuperar aquelas que não apresentavam potencial produtivo. Boa parte desse trabalho foi apoiado pelo Fundo Vale, um fundo de apoio a desenvolvimento local e preservação da biodiversidade. “A maior parte dos municípios com problemas de gestão social e ambiental tem, também, problemas econômicos. Por isso é importante o apoio de organizações comprometidas com a sustentabilidade, que podem aportar recursos e conhecimento”, explica Mirela Sandrini, gerante do Fundo Vale.
Outro passo importante foi banir da cidade as atividades consideradas ilegais ou que não se enquadram nos critérios de um município que quer trabalhar com justiça social, respeito ambiental e práticas econômicas modernas. “Entre 2008 e 2009 houve a perda de mais de 2.200 postos de trabalho na cidade”, explica o prefeito. “A maioria ligados ao desmatamento, serrarias e produção de carvão, empregos sem garantias e sem carteira assinada, na sua maioria”, conta. “Foi um momento de crise, onde a decisão de mudar teve de ser forte”, lembra. Em contrapartida, entre 2010 e junho de 2011 a cidade viu crescer as ofertas de emprego em 3.830 vagas com carteira assinada, segundo dados da prefeitura.
No sindicato dos produtores ainda é comum a queixa de que trabalhar de forma legal e sustentável não trás vantagens. No entanto, o presidente Mauro Lucio Costa explica que a mudança na reputação do município já deu resultados, como o retorno do crédito para os pecuaristas da região e ter uma relação mais amigável com o Ibama, o órgão ambiental federal. “A única maneira de pagar a conta da recuperação ambiental é com a produção”, explica Costa. E melhorar essa produção é o foco do trabalho para transformar a pecuária no município com a adoção de práticas mais sustentáveis, que vão do respeito à legislação florestal, melhoria do manejo de pastagens e o cuidado com o bem-estar dos animais. O professor Mateus Paranhos, pesquisador da Unesp, está realizando um trabalho de capacitação nas fazendas da região melhorando o manejo do gado, de forma a evitar o stress dos animais, diminuir os riscos a que estão expostos os peões, e aumentar o desempenho de ganho de peso. “É preciso ter uma relação de respeito com os animais, não adotar práticas que os machuquem e que causem hematomas e dor”, explica.
Com as melhorias propostas por pesquisadores da Esalq e Unesp, duas universidades do interior de São Paulo, é possível aumentar a produtividade da pecuária na região. Segundo o professor Moacyr Corsi, que também está trabalhando na região, o bom manejo de pastagens permite aumentar a produtividade média de 0,8 boi por hectare, para até 10 cabeças por hectare. “Para isso basta o manejo adequado e a atuação mais profissional dos pecuaristas”, explica. Esse ganho de produtividade pode ampliar não apenas a produção de gado da região, mas também liberar áreas de pastagem para o uso da agricultura. “Paragominas tem áreas úteis para a agricultura e a pecuária quase três vezes maior do que Lucas do Rio Verde”, explica o prefeito Adnan Demachki, que sonha em ver sua cidade como modelo para uma Amazônia capaz de produzir, respeitar os limites ambientais e gerar renda e riqueza para sua população, além de servir como exemplo para toda a região.
* Publicado originalmente no site do Instituto Ethos.