Saindo da primeira infância

Seja na comunicação associada à imagem seja na divulgação de produtos considerados sustentáveis, cada vez mais empresas têm usado o conceito da sustentabilidade em suas mensagens. E, com o crescente interesse pelo tema, o setor de Comunicação passou a enfrentar questionamentos sobre qual a melhor forma para transmitir uma mensagem consciente e quais responsabilidades devem ser associadas a áreas como marketing e propaganda nesse processo.

“Muitas vezes, é difícil conceituar se um produto é sustentável ou não. Cabe a uma agência, por exemplo, ter todo esse nível de informação e transmiti-la? Talvez seja uma discussão que ainda não conseguimos representar adequadamente”, avalia Maurício Turra, docente de Marketing e Responsabilidade Social Empresarial na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e representante da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap).

Em alguns países, a intervenção governamental ganha espaço para estabelecer regras sobre o tema. Leis como a francesa Grenelle têm o objetivo, entre outras medidas, de regular a comunicação para evitar casos de greenwashing – quando uma mensagem ressalta benefícios socioambientais que não condizem com a realidade. No Brasil, a autorregulamentação tem se mostrado um caminho eficiente para o setor.

“Já existe uma grande quantidade de leis e, quando se fala em sustentabilidade, há questões muito específicas para serem tratadas de forma generalizada. É difícil criar uma lei que seja eficiente em todos os casos”, destaca Guilherme de Almeida Prado, presidente da Associação de Marketing Promocional (Ampro).

“Começar a entender a sustentabilidade significa mudar um modelo mental. Esta mudança é progressiva, não é de uma hora para outra que se instala uma compreensão de que as ações tomadas no curto prazo devem ter um olhar para o longo prazo. Não são só as empresas que não entenderam o que é sustentabilidade. Nós todos ainda não conseguimos atingir a compreensão de um novo modelo mental para saber o que devemos fazer”, avalia Percival Caropreso, fundador da agência Setor 2 e Meio, Conselheiro do Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e diretor da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA).

Xô greenwashing!

Por desconhecimento sobre o assunto ou mesmo por má fé, os casos de greenwashing na propaganda têm se tornado comuns – porém identificados cada vez mais com mais rapidez.

Para Caropreso, essa comunicação errada muitas vezes decorre de uma certa inocência de quem comunica. Um único aspecto sustentável às vezes é divulgado como a sustentabilidade do produto ou da empresa em si, algo que, na maioria dos casos, está muito longe de corresponder à realidade.

“O maior desafio é compreender que uma ação não representa o todo da sustentabilidade. E esta noção não se dá necessariamente por uma construção enganosa de mensagem, mas muitas vezes por falta de informação e formação dos profissionais que trabalham nas empresas e agências de comunicação. A sustentabilidade não é algo que se atinge, é um processo que se percorre permanentemente. Por não se ter a compreensão disso, tanto empresas quanto agências atropelam a informação”, avalia.

A discussão sobre quais aspectos devem ou não ser entendidos como propaganda enganosa já vem de muito tempo. Segundo o estudo Greenwash, da Futerra, em 1992 a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e a Comissão Federal de Comércio publicaram conjuntamente o Guidelines for Environmental Marketing Claims (Orientações para Ações de Marketing Ambiental) que, apesar de definir regras iniciais para a comunicação relacionada a meio ambiente, continha erros clássicos de greenwashing, como a liberação do uso de “imagens verdes” nas propagandas sem grandes justificativas.

Com o passar do tempo, as legislações se tornaram mais rígidas quanto à propaganda de cunho socioambiental. A carta australiana Green Marketing and Trade Practices Act (Práticas de Marketing Verde e Lei do Comércio) é muito mais incisiva sobre a comunicação de atributos verdes pelas empresas, deixando claro que as tentativas de ludibriar os consumidores podem resultar em altas multas.

Na Noruega, uma onda de publicidade verde proveniente da indústria automobilística levou o Norwegian Consumer Ombudsman’s Office (Ouvidoria do Consumidor da Noruega) a emitir um aviso sobre propagandas de veículos verdes, devido à corrida entre os fabricantes para obtenção do título de “veículo mais ecológico” ou “motor mais limpo” do segmento.

Nesse contexto, a questão da sustentabilidade na relação agência e cliente é mais complexa. Ainda de acordo com o levantamento da Futerra, das dez maiores agências inglesas, quatro concordaram em comentar sobre seu produto e apenas uma tinha planos para estender a sua atual política verde para os clientes, ou seja, seus anunciantes.

As outras três agências prontamente reconheceram o problema, mas afirmaram ser impossível não vender algo com base em seu “fator de diferenciação”, mesmo que isso signifique ressaltar o atributo verde de um produto que pode não ser sustentável no todo.

Para Turra, não se deve esquecer que as agências atuam como intermediárias no processo, e não como produtoras da mensagem. “A agência não cria a propaganda enganosa, mas vai refletir algum tipo de informação que lhe foi atribuída e comunicá-la”, destaca.

Quem não se comunica…

Segundo recente estudo da agência de comunicação europeia Havas Media, realizado com 30 mil consumidores de nove países (incluindo o Brasil), existe uma forte correlação entre a importância dada a uma marca e a percepção de seu desempenho sustentável.

O documento, intitulado Brand Sustainable Futures 2010 (Futuro das Marcas Sustentáveis 2010), sugere que quanto mais sustentável a marca é percebida, mais significativa torna-se para os consumidores. Isso explica a tendência de cada vez mais empresas investirem na comunicação do conceito. Porém, ainda segundo o estudo, existem aspectos como confusão e falta de clareza que, juntamente com o fator preço elevado, fazem com que mais da metade dos consumidores questionados acabe não consumindo de forma consciente.

“O que temos percebido é que o mercado precisa ser aculturado sobre a temática como parte estratégica fundamental, mas não única de uma gestão sustentável. Por desconhecimento ou excesso de boa fé ingênua, são comunicadas ações de responsabilidade social como sendo provas cabais e definitivas de que uma empresa é sustentável, o que não procede necessariamente”, avalia Caropreso.

Na comunicação de um conceito relativamente novo, que tem sido divulgado na mesma medida em que evolui dentro da sociedade, seria praticamente impossível não haver algum “ruído” entre mensagem e destinatário – nesse caso, empresa e consumidor. O intermediário desse processo, ou os meios que desenvolvem essa mensagem, estão diante de um novo quadro para o qual precisam encontrar novas respostas.

“A agência consegue, ao mesmo tempo, ser eficiente no conceito publicitário e atribuir uma mensagem que mostre o impacto do consumo de um produto? Até que ponto o que está sendo apresentado repercute em valores éticos e morais, adequados a essa sociedade? Esses dois pontos talvez sejam os mais importantes ligados aos impactos gerados pelas atividades de comunicação das agências”, ressalta Turra, da Abap.

Apesar desse processo de discussão estar avançando, segundo Prado, da Ampro, as ações promocionais transformadoras ainda são muito pontuais. O desafio está em enfrentar o medo do novo e saber lidar com as críticas. “A grande dificuldade é a existência de risco. Então você pode errar também, ser criticado. Faz parte do jogo. Deve-se saber assumir as incertezas do pioneiorismo para colher os frutos de um novo posicionamento”, conclui.

*Reportagem publicada originalmente na Ideia Sustentável.