Salário Mínimo corre sério risco na batalha ideológica da política econômica

As pressões inflacionárias de origem externa – commodities agrícolas e agora também o petróleo – rearticulam de outra forma a banda da música conservadora, para um retorno mais duro à política fiscal e monetária contencionista – leia-se corte de gastos correntes do Orçamento e elevação de juros. Na esteira dessas pressões, o salário mínimo de 2012, já definido em Lei pelo critério do incremento real do PIB de 2009 e 2010 mais a inflação de 2011, passa a ser visado como bola da vez a ser abatida, por vias políticas ou judiciárias.

O governo Dilma conseguiu aparentemente conter a ânsia dos juros altos que caracterizou o Banco Central dos dois mandatos do governo Lula, exceto apenas o ano eleitoral de 2010. Isso teria sido substituído por política monetária clássica – do tipo elevação dos depósitos compulsórios dos bancos e outras restrições ao crédito, hoje meio pomposamente denominadas medidas macroprudenciais. Do lado fiscal, o governo aviou alguns cortes no custeio orçamentário, mas foi certamente o não incremento de cerca de dois pontos percentuais do salário mínimo (PIB de 2008 a 2009) o fator isolado mais relevante de contenção orçamentária. Mas aqui está exatamente o perigo de retrocesso na vertente distributiva do conjunto da política social.

O vínculo de salário mínimo a benefícios sociais monetários é hoje muito potente para mover quase 5% do PIB (Previdência, assistência, seguro-desemprego e folhas salariais de Estados e Municípios) e cerca 25 milhões de beneficiários – famílias de consumidores e produtores de bens-salário, diretamente afetados por esta política. Isso tudo sem falar no mercado de trabalho, hoje fortemente afetado por essa política de piso salarial. Observe-se que o tamanho econômico, apenas no setor público, da política do salário mínimo, vinculada a benefícios sociais, é no mínimo 12 vezes maior que o Programa Bolsa Família.

O fato de o campo conservador ter escolhido a política do salário mínimo como “bola da vez” a ser descartada, sob o pretexto da política anti-inflacionária, é mais ou menos aquilo que se poderia esperar desse perfil ideológico, que, diga-se de passagem, não tem nenhum compromisso com igualdade social.

Por outro lado, os compromissos de crescimento econômico e o estilo de acumulação de capital que o governo Dilma herdou do governo Lula contêm um componente distributivo, pela via do consumo, para a qual a política social cumpre um papel virtuoso.

A batalha ideológica em torno da política econômica do governo Dilma compreende e continua uma disputa ideológica com três vertentes: 1) o retorno à política pura e simples das metas de inflação, sem compromisso necessário com crescimento econômico e sem nenhum compromisso com melhorias distributivas; 2) a política de condução do crescimento econômico apoiada em investimentos protagonizados pelo setor público; 3) o compromisso de repartição da parcela de excedente econômico, preferencialmente com crescimento, que o sistema de direitos sociais institucionalizou depois de 1988.

As políticas conjunturais de caráter monetário e fiscal não são neutras do ponto de vista distributivo. Também não o são do ponto de vista do crescimento. É difícil para o governo se situar no embate das três correntes que o dividem, daí certa paralisia de ações estratégicas para afirmar o compromisso das vertentes 2 e 3 (crescimento e distribuição). Mas a ortodoxia do conservadorismo seria fatal às metas de crescimento que a presidente Dilma tem pela frente.

O grande risco que temos pela frente não é propriamente uma recaída pura e dura ao receituário conservador, que hoje não tem mais o prestígio de outrora nos chamados mercados organizados. Mas sim uma aliança ao estilo modernizante e conservador, que a pretexto das questões conjunturais abandone de vez a vertente distributiva, para o que a política do salário mínimo é crucial. A velha teoria do bolo – primeiro crescer e somente depois distribuir – continua vigente em salas estratégicas do Palácio do Planalto.

* Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela Unicamp e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.