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Sanções dos Estados Unidos a Venezuela podem agravar sua crise interna

Familiares e estudantes carregam cartazes com os nomes de alguns dos mortos nos protestos na Venezuela, durante uma manifestação em Caracas. Foto: Estrella Gutiérrez/IPS
Familiares e estudantes carregam cartazes com os nomes de alguns dos mortos nos protestos na Venezuela, durante uma manifestação em Caracas. Foto: Estrella Gutiérrez/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 23/5/2014 – A crise na Venezuela não se resolverá, e até poderá se agravar, se o Congresso dos Estados Unidos aprovar um projeto de lei que exige do presidente Barack Obama a imposição de sanções contra altos funcionários venezuelanos, segundo especialistas independentes e fontes oficiais nesta capital.

O projeto de lei que o Comitê de Relações Exteriores do Senado aprovou por esmagadora maioria no dia 20 autoriza Obama a cancelar os vistos e congelar os ativos financeiros em bancos dos Estados Unidos, correspondentes a uma lista de funcionários venezuelanos. As sanções seriam contra os que são considerados responsáveis por “dirigir atos significativos de violência ou abusos graves contra os direitos humanos das pessoas associadas aos protestos antigovernamentais na Venezuela”.

O projeto também autoriza sanções contra qualquer pessoa que tenha prestado assistência às forças de segurança do governo e garante US$ 15 milhões em apoio aos grupos “pró-democráticos” e aos meios de comunicação independentes da Venezuela. O Comitê de Relações Exteriores da Câmara de Representantes aprovou uma versão semelhante da iniciativa no começo deste mês.

“Hoje demos um passo importante para castigar os violadores de direitos humanos no regime” do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, afirmou o senador Marco Rubio, do opositor e direitista Partido Republicano, que patrocinou o projeto de lei junto com o presidente do Comitê, o senador democrata Robert Menéndez. “Agora que milhares de venezuelanos inocentes protestaram com valentia e em paz contra o fracasso que é esse governo chavista, não podemos permitir que a repressão, a violência e os assassinatos do governo fiquem impunes”, afirmou Rubio, depois que o projeto foi referendado por 13 votos contra dois.

Maduro foi designado pelo falecido Hugo Chávez, presidente do país entre 1999 e sua morte em março de 2013, como seu sucessor à frente da chamada revolução bolivariana.

Durante uma visita ao México no dia 21, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, destacou o apoio legislativo às sanções e deu a entender que Washington pode se sentir obrigada a impô-las. “Nossa esperança é que os líderes, que o presidente Maduro e outros, tomem as decisões para que tornem desnecessárias sua implementação. Mas todas as opções estão na mesa nesse momento, com a esperança de que possamos avançar no processo” de diálogo, afirmou.

Porém, vários especialistas e altos funcionários de Washington alertaram que a legislação, por mais bem intencionada que seja, poderia piorar as coisas na Venezuela, rica em petróleo e profundamente polarizada política e socialmente. “Creio que as pessoas estão realmente frustradas com o que ocorre na Venezuela”, afirmou Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano, um centro de estudos hemisféricos com sede em Washington.

Segundo Shifter, “os Estados Unidos não têm muita capacidade de influir e, embora as sanções façam as pessoas se sentirem bem, não posso imaginar que consigam muito, a não ser dar a Maduro outra razão para atacar Washington”. Além disso, acrescentou, “corre-se o risco de alienar os governos da América Latina”, que junto com o Vaticano e o patrocínio da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), tomaram a iniciativa de mediar as divisões da Venezuela mediante o diálogo entre Maduro e as forças moderadas da oposição. “Simplesmente, não posso imaginar que um governo latino-americano veja isso como uma boa ideia ou útil nas circunstâncias atuais”, ressaltou Shifter à IPS.

“Os Estados Unidos se esforçaram para não serem o centro do debate, ao se darem conta, corretamente em minha opinião, que só ajudaria para que o governo de Maduro apontasse Washington como a fonte dos protestos e para desviar a atenção das queixas genuínas e legítimas que deram lugar às mesmas”, afirmou John Walsh, especialista em Venezuela do Escritório em Washington para Assuntos Latino-Americanos (Wola), uma organização independente que promove os direitos humanos.

Uma das estratégias de Maduro para “evitar o diálogo e os principais compromissos que este lhe obrigaria a assumir é a capacidade de reformular o movimento de protesto e a oposição como pessoas submissas ou que, na realidade, estão recebendo ordens do ‘império’, como parte de uma conspiração internacional para desestabilizar o governo e expulsar o chavismo do poder”, destacou.

De fato, essa é a posição adotada pelo governo de Obama durante a crise mais recente, que começou no final de fevereiro quando manifestantes estudantis exigiram a renúncia de Maduro.

A secretária-adjunta de Estado para o Hemisfério Ocidental, Roberta Jacobson, ressaltou ao Comitê de Relações Exteriores, no começo deste mês, o apoio de Washington à iniciativa liderada pela Unasul. “Esse não é um assunto dos Estados Unidos e da Venezuela, é um assunto interno da Venezuela”, afirmou aos senadores. “Resistimos com energia às tentativas de sermos utilizados como uma distração para os problemas reais” da Venezuela, acrescentou.

O projeto do Senado, cuja aprovação é quase certa se o líder da maioria, Harry Reid, permitir sua discussão nessa casa legislativa, ocorre depois da suspensão, no dia 13 de maio, do diálogo entre Caracas e a oposição, na qual os chanceleres de Brasil, Colômbia e Equador atuaram como representantes da Unasul. Entre outros motivos, a suspensão aconteceu porque os líderes opositores exigiram a libertação dos estudantes presos nos protestos e também de presos políticos.

No informe Venezuela: Ponto de Quebra, divulgado no dia 21, a organização independente International Crisis Group (ICG) alertou que o fracasso do diálogo poderia afundar o país em mais violência, “deixando-o incapaz de enfrentar a crescente criminalidade e o declive econômico e expondo a incapacidade dos órgãos intergovernamentais regionais para gerir os conflitos no continente”.

Ao menos 42 pessoas morreram desde fevereiro em enfrentamentos entre as forças de segurança e grupos pró-governamentais conhecidos como “coletivos”, por um lado, e estudantes e setores da oposição, de outro. Embora alguns setores da oposição tenham recorrido à violência, grupos independentes de direitos humanos acusaram o governo e seus aliados de serem responsáveis pela maioria das vítimas.

Em um duro documento publicado no começo deste mês, a Human Rights Watch (HRW), organização de direitos humanos com sede em Nova York, acusou as forças de segurança de graves golpes, de disparar a queima-roupa contra manifestantes pacíficos, submeter os detidos a abusos graves, que em ocasiões foram torturas, e, em alguns casos, de colaborar com os “coletivos” em seus ataques contra os manifestantes e transeuntes.

O recrudescimento da repressão, bem como a paralisação do diálogo, redobrou a preocupação de Washington sobre a probabilidade de uma polarização maior que fortaleceria a linha dura dos dois lados. Em seu informe, o ICG exorta todas as partes a considerarem a escolha de um facilitador internacional, possivelmente do sistema da Organização das Nações Unidas, para que se some ao esforço da Unasul e do Vaticano, bem como o envio de uma missão técnica da ONU que o apoie.

Enquanto Washington se opõe às sanções nesse momento, um alto funcionário do Departamento de Estado disse que espera redobrar as conversações com os governos regionais, começando com a visita de Kerry ao México, sobre o que se pode fazer para que o diálogo seja retomado.

“A questão real é que eles devem trocar impressões sobre o que ouvem da Venezuela, se pensamos que os esforços da Unasul e do Vaticano estão funcionando, e o que mais podemos fazer de fora do processo, seja como ajuda ou para estarmos prontos para fazer algo mais”, afirmou o funcionário. “A última coisa que desejamos fazer é sabotar qualquer diálogo que possa conduzir à ação, mas estamos tão frustrados como o Senado por ainda nada ter ocorrido”, acrescentou.

Kerry refletiu essa frustração no México, quando acusou Caracas de “incapacidade total para demonstrar ações de boa fé na aplicação do que acordaram fazer há aproximadamente um mês”. “Creio que poderiam ser de mais utilidade consultas de alto nível com outros governos sobre como veem a situação e trabalhar com eles”, disse Shifter.

“Mas o país mais importante é o Brasil e, infelizmente, as relações” de Washington com Brasília “não são boas devido ao assunto Snowden, que levou ao adiamento da visita de Estado da presidente Dilma Rousseff que ocorreria no final de 2013”, pontuou Shifter. O ex-analista de inteligência norte-americana Edward Snowden vazou uma grande quantidade de informação secreta revelando operações de espionagem dos Estados Unidos em outros países, entre eles o Brasil. Envolverde/IPS