Bogotá, Colômbia, 19/7/2013 – Para Marta Díaz, o exército da Colômbia matou seu filho Douglas Tavera em 2006. O vestiu com uniforme de combate e o registrou como guerrilheiro das Farc. Ela o procurou até nas prisões, e em 2008 conseguiu identificar seus restos, convertidos em outro caso de “falsos positivos”. Desde então, Díaz ajuda centenas de mães como ela a partir do Movimento de Vítimas de Crimes de Estado. “No ano passado recebi 27 ameaças de morte. E neste já são sete”, contou à IPS.
No dia 17, Díaz esteve no Centro de Memória, Paz e Reconciliação de Bogotá, lugar levantado pela prefeitura para promover o debate e as ações para registrar os fatos da longa guerra colombiana. Sete plataformas de direitos humanos, que somam mais de 400 organizações, se reuniram com Navi Pillay, alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, e com Anders Kompass, seu diretor de operações no terreno e de cooperação técnica. No auditório lotado estavam muitas vítimas como Díaz. Pillay e Kompass ouviram mais de meia centena de intervenções de três minutos.
No dia 16, o presidente Juan Manuel Santos havia anunciado que fechará o Escritório na Colômbia do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ONU-DH). Para Díaz, o anúncio, feito exatamente quando Pillay iniciava sua visita de quatro dias a este país, busca fazer com que “ela se confunda e que todos os defensores de direitos humanos se confundam, e que comecemos a luta para que a ONU-DH não se vá”. Mediante esta estratégia, “todas as denúncias sobre violações ficarão ofuscadas” diante da notícia, e a atenção será desviada, acrescentou.
“Fiquei tão surpresa quanto vocês”, reconheceu Pillay no dia 17, ao se referir ao anúncio do presidente. “Não precisamos mais de escritórios de direitos humanos das Nações Unidas em nosso país”. A mensagem de Santos, em discurso feito em Bogotá, chegou a Pillay em Santander de Quilichao, no Estado do Cauca, onde campeia a guerra. Pillay viajou a Cauca para se reunir por várias horas com líderes de comunidades de afrodescendentes, indígenas e camponeses que têm muito a dizer sobre a necessidade de os órgãos militares continuarem vigiando a situação dos direitos humanos neste país.
A ONU-DH foi criada em 1997, mas cada renovação do mandato foi precedida de um pulso diplomático silencioso. Se alguma vez os governantes quiseram este escritório, foi após o massacre de maio de 2002, na igreja de Bojayá, onde morreram 119 pessoas e 98 ficaram feridas. O então representante na Colômbia, o sueco Kompass viajou em missão a essa aldeia sobre o rio Atrato, no Chocó.
Kompass consignou em um informe que todos os atores armados deveriam responder pela matança: a guerrilha esquerdista Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que atacou a igreja, as paramilitares e ultradireitistas Autodefesas Unidas da Colômbia (hoje dissolvidas), que haviam tomado o povoado, e o próprio Estado. O governo de Andrés Pastrana (1998-2002) questionou o informe e o Comando da IV Brigada do exército afirmou não compartilhar “as versões divulgadas e sem fundamento, que pretendem mostrar possíveis convivências desta arma e da Infantaria da Marinha com grupos de autodefesa ilegais”.
Em Genebra, a alta comissária na época, Mary Robinson, interveio para apoiar Kompass. No dia 14 de junho de 2002, terminou intempestivamente a missão do sueco na Colômbia. Nos fatos, tirar Kompass foi a condição para manter aberta a ONU-DH. Agora Kompass é quem nomeia os diretores de escritório do órgão especializado das Nações Unidas. Assim, designou para Bogotá o norte-americano Todd Howland, que a princípio parecia muito silencioso.
Contudo, no dia 10 de julho, Howland divulgou um duro informe sobre o que acontece no levante camponês de Catatumbo, uma zona fronteiriça com a Venezuela que nos mapas oficiais da mineração do carvão aparece como Distrito Zulia. Os camponeses de Catatumbo, em protesto há mais de um mês, pedem a declaração de uma zona camponesa, uma figura legal que – argumentam – lhes facilitaria abandonar de maneira organizada os cultivos de coca, matéria-prima da cocaína e principal sustento da região, carente de estradas.
A declaração está congelada e, por outro lado, o governo empreendeu em junho a erradicação violenta de cultivos de coca, o que exasperou os camponeses. A repressão do protesto já soma quatro mortos e 15 feridos. Howland informou “uma grave vulneração dos direitos econômicos, sociais e culturais na região de Catatumbo”. Sobretudo, afirmou que “nos protestos camponeses houve disparos de fuzis de alta velocidade, usualmente em uso na força pública e, portanto, indicaria uso excessivo da força contra os manifestantes”.
A ONU-DH foi acusada por altos funcionários de ir além de seu mandato, poucos dias antes da segunda visita de Pillay, que antes de assumir seu cargo atual foi juíza do Tribunal Penal Internacional, que mantém a Colômbia sob observação. Sua primeira visita foi em outubro de 2008, quando explodiu a bomba dos “falsos positivos”: a matança de pelo menos 1.416 pessoas por parte das forças de segurança do Estado para obter promoções, férias e prêmios.
Os cadáveres destas pessoas eram apresentados como sendo de guerrilheiros mortos em combate. Embora sejam cometidas execuções extrajudiciais há mais de 30 anos, a estatística mostra que a modalidade de “falsos positivos” disparou no governo do direitista Álvaro Uribe (2002-2010). Segundo Javier Giraldo, coordenador do Banco de Dados de Direitos Humanos e Violência Política do jesuíta Centro de Pesquisa e Educação Popular, “é muito preocupante” o fato de que, ao fazer a cronologia dos “falsos positivos”, o “pico ter sido entre 2006 e 2008, justamente os anos nos quais o atual presidente foi ministro da Defesa”.
Santos dirigiu o Ministério de julho de 2006 a maio de 2009. E o Banco de Dados verificou 918 “falsos positivos” entre 2006 e 2008. Em 2009 e 2010, a quantidade de vítimas deste tipo de execuções caiu para 18 ao ano, em 2011 foram 85, e no ano passado 52. Segundo Santos, no Ministério ele agiu para acabar com essa trágica prática. “Mudamos a doutrina”, disse no dia 16 de março, reconhecendo que houve uma doutrina que privilegiava matar o inimigo.
As prioridades que estabeleceu foram “primeiro os desmobilizados, segundo os capturados, e terceiro, se necessário, os mortos”, declarou Santos. Segundo o presidente, “as necessidades que tinha o país de ter um Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos estão desaparecendo. Vou dizer a Pillay que estamos discutindo se realmente vale a pena prolongar esse mandato. Ou se for estendido, será por curtíssimo prazo, porque a Colômbia progrediu o suficiente para dizer: não precisamos mais de escritórios de direitos humanos das Nações Unidas em nosso país”.
Fontes da ONU e a especialista em assuntos de chancelaria Laura Gil há três anos falam à IPS sobre o desejo do governo de fechar a ONU-DH. Santos aspira eliminar o rótulo de pior crise humanitária do hemisfério ocidental que a Colômbia carrega, para pedir a entrada na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), que reúne 34 países e que, supostamente, exige altos padrões de direitos humanos de seus membros, afirmam essas fontes. Estar na OCDE e sob o monitoramento da ONU-DH não é compatível, ressaltam. Envolverde/IPS