Enquanto os alertas dos cientistas sobre a estiagem em São Paulo está cada vez mais longe de sensibilizar o discurso político dos governantes, as pesquisas mostram que a crise hídrica na capital paulista é um efeito, em menor escala, das mudanças climáticas provocadas pela ação do homem. Entre elas a invasão da malha urbana em áreas de mananciais, como da Serra da Cantareira, e do desmatamento local. As chuvas se deslocaram da região norte da capital para o centro da cidade.
Os estudos feitos pelo cientista Pedro Dias, da Universidade de São Paulo (USP), mostra que o índice pluviométrico, em seu registro histórico entre 1960 e 2010, foi apresentando uma redução gradual no total de chuvas na Serra da Cantareira. O local era um dos principais produtores de água da grande São Paulo e está praticamente esgotado. Nestes 50 anos a região perdeu 70% de suas matas originais e também sua capacidade de gerar um maior fluxo hídrico.
Com a imensa ilha de calor gerada no centro da cidade, as chuvas mudaram seu curso, deixaram a Cantareira seguiram para uma região mais quente, onde passaram a ser mais recorrentes e extremadas. A diferença térmica entre a Cantareira e o centro da cidade, medida no começo dos anos 2000 pela USP, era de incríveis 14 graus centígrados.
Essa alteração no microclima é muito mais notada em períodos frios. O que equivale dizer que num dia de inverno, enquanto a zona norte da capital se encontra na faixa dos 15 graus, no centro da cidade os termômetros marcam 29 graus, temperatura equivalente as previstas para o verão.
As pesquisas que hoje apoiam parte de estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram o efeito desastroso da influência das ilhas de calor combinadas com o alto nível de desmatamento das áreas de mananciais. Algo semelhante está ocorrendo em Guarapiranga, outro ponto produto de água da região metropolitana.
“Pode ser que tenhamos um efeito concatenado dos mecanismos do desmatamento amazônico e do desmatamento seletivo da Mata Atlântica”, afirma o cientista, Paulo Nobre, que é coordenador do sistema brasileiro de previsão e do modelo brasileiro do sistema terrestre, ambos de responsabilidade do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), órgão do Inpe de São José dos Campos.
Nobre explica que o grande acúmulo de água nos reservatórios são as chuvas de verão, essas caracterizadas por serem volumosas e abrangeram grandes áreas. Já as precipitações que ocorrem ao longo do ano, como nos meses de meia estação e de inverno, não tem grande impacto nas reservas hídricas. A distribuição dessas chuvas ao longo do período, além de não serem tão regulares como as do verão, são sempre de menor volume hídrico.
“A floresta faz parte do ciclo hidrológico e por isso sua supressão impacta tanto. Esse é o caso da Cantareira e de outros lugares que tiveram suas matas cortadas, principalmente em locais produtores de água, como as nascentes de rios”, destacou o pesquisador.
Um mês atrás, a Fundação SOS Mata Atlântica lançou edital para seleção de áreas prioritárias para a restauração florestal, com propostas que colaborem para conservar e proteger os recursos hídricos do Sistema Cantareira. A chamada pública, com recursos do Bradesco Cartões e Bradesco Seguros, prevê a doação de até 1 milhão de mudas de espécies florestais nativas da Mata Atlântica.
O objetivo é recuperar até 400 hectares de mata e desta maneira repotencializar a conservação de 4 milhões de litros de água por ano na área de abrangência do Sistema Cantareira, atualmente com mais de 75% de suas matas originais devastadas.
Para o cientista do Centro de Ciências do Sistema Terrestre, Antonio Donato Nobre, órgão também pertencente ao Inpe, São Paulo não tem mais florestas nativas que geravam as chuvas. Segundo ele, as soluções para a formação das precipitações sofreram um sério desarranjo.
“A compreensão simples da complexidade de uma árvore foi perdido pela sociedade tecnológica. Temos que agir imediatamente e não esperar mais nada de ninguém, é preciso ter e exercer uma consciência ambiental e de cidadão. O sistema formado pela natureza tem uma capacidade limitada para absorver abusos e agora ele saturou, a única saída é plantarmos árvores em todas as partes e pararmos imediatamente com a devastação da Amazônia. Tudo tem um ponto de saturação e de não retorno, não sei dizer se passamos ou não dele. Se ainda não, com certeza estamos muito perto disto”, alertou.
* Júlio Ottoboni é jornalista diploma e pós graduado em jornalismo científico.