“Espera aí! Tem alguma coisa diferente nessas atrações. Um balé de bailarinas com deficiência visual? Fardos de lixo formando um labirinto gigante?”
“Acho que tem a ver com essa coisa de sustentabilidade. Essa mostra de cinema, por exemplo, só tem filme que fala de mudanças climáticas. E o nome da exposição de grafite, então: ´Sustentabilidade: o Olhar do Grafite´.”
“E o melhor é que as coisas são bacanas. Sempre achei essa coisa de sustentabilidade meio chata, meio tediosa, mas não é que esses robôs feitos de lixo eletrônico são de tirar o chapéu?”
“É verdade. Não dá para acreditar que tudo aquilo é tirado do próprio lixo. Adorei os bichos d’água também.”
Será que o tema da sustentabilidade pode ser algo alegre e inspirador? Mensagens catastróficas sobre a inevitável extinção da raça humana, ordens de “faça isso” ou “faça aquilo” senão o mundo vai acabar, ou ainda a confusão gerada mais recentemente pela publicidade em torno do tema, num ambiente em que todos repentinamente se tornaram “sustentáveis” ou “socialmente responsáveis”, sugerem que a resposta é negativa.
Além de até de certa forma prostituir o vocábulo e o que ele representa, o uso constante dessa palavra – e por vezes como discurso adjetivo, mais que como realidade ancorada em atitudes e ações substantivas – creio que até afasta as pessoas do conceito e de sua importância, evocando chatice, obrigação e bom-mocismo.
Então, como tornar essa mensagem menos carregada ou confusa para os cidadãos comuns e, portanto, mais eficaz para conseguir que ele ou ela mude sua própria maneira de agir? Foi pensando nessa resposta que um grupo de comunicadores e articuladores paulistas criou um conjunto de eventos chamado Virada Sustentável, uma grande ação educativa sobre sustentabilidade, que utilizará como principais ferramentas a cultura e as atividades lúdicas.
Inspirada na Virada Cultural paulistana, que todos os anos atrai milhões de pessoas ao centro da cidade para shows, apresentações teatrais e instalações das mais variadas vertentes artísticas, a Virada Sustentável será possivelmente a maior reunião de atrações já realizada no mundo, tendo a sustentabilidade como conteúdo principal.
Algumas das atrações previstas para o evento, que acontecerá nos dias 4 e 5 de junho, sendo este o Dia Mundial do Meio Ambiente, são bastante ilustrativas: piscinas de água limpa instaladas no meio do leito do Rio Pinheiros, em plena Avenida Marginal, com água tratada e filtrada do próprio rio (um dos mais poluídos do Brasil); shows de música tendo água e lixo como temas; árvores gigantes feitas com madeira reutilizada encontrada em caçambas de obras; exposições de fotos revelando uma nova classe de refugiados na Terra: os refugiados climáticos; e por aí vai.
Serão mais de 180 atrações, gratuitas, espalhadas em sete parques públicos e diversos espaços e centros culturais da cidade, trazidas tanto pela organização do evento como por entidades ambientalistas e sociais reconhecidas em suas áreas de atuação. Uma grande ocupação, que relembra um pouco o esquecido papel de engajamento social que a arte cumpriu em várias ocasiões históricas.
Sempre em conjunto com o poder público local, parceiros estratégicos, organizações da sociedade civil, artistas e empresas patrocinadoras, a Virada Sustentável será a própria síntese do desafio da sustentabilidade: uma grande aglutinação de interesses e poderes, que somente juntos podem fazer alguma diferença para enfrentar e sobrepujar os desafios que se colocam pelo caminho.
A iniciativa vai procurar esclarecer que sustentabilidade não é apenas meio ambiente ou algum tema associado de maior relevância midiática, como as mudanças climáticas ou o lixo das grandes cidades, mas também envolve diretamente assuntos como direitos humanos, inclusão, justiça social, diversidade, saúde e mobilidade urbana. O aspecto econômico também será lembrado, como suporte essencial do tripé econômico-ambiental-social que caracteriza a sustentabilidade.
A Virada funcionará ainda como um laboratório de práticas sustentáveis nas cidades por onde passará, estimulando governos e pessoas a adotarem soluções sustentáveis em temas como uso de bicicletas e do transporte público como meio de locomoção, inclusão de pessoas com deficiência (acessibilidade, necessidades especiais) e empoderamento do espaço público, entre outros.
Afinal, não podemos enxergar a sustentabilidade como algo distante ou etéreo, que não diga respeito ao nosso dia-a-dia. Pelo contrário. Este tema deve ser visto, como bem define o professor José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo, como um novo valor na sociedade. Assim como a Justiça, termo para o qual sobram conceituações, mas que pouca gente define de maneira apropriada ou imparcial. No entanto, quase todo o mundo sabe o que é justo ou injusto. A ideia é fazer com que as pessoas também consigam diferenciar claramente o que é sustentável e o que não é.
E, para as empresas e estruturas de produção em geral, a Virada Sustentável será também uma excelente oportunidade para demonstrarem que, ainda que todos nós vivamos na dependência da exploração dos recursos naturais e de sua transformação em todos os produtos que utilizamos, é possível, viável – e cada vez mais indispensável – que a atividade produtiva seja efetuada de maneira sustentável, ou seja, destinando recursos tecnológicos e humanos, bem como parte dos resultados financeiros gerados por suas operações, à melhoria da qualidade de vida ambiental e social da população do planeta.
Porque empresa nenhuma poderá sobreviver num ambiente degradado e cercada por uma população de miseráveis.
* Nemércio Nogueira é consultor.