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A saúde escorrega em óleo de amendoim

Jovens se exercitam em uma academia privada do bairro de La Víbora, no município Diez de Outubro, em Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Jovens se exercitam em uma academia privada do bairro de La Víbora, no município Diez de Outubro, em Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 7/10/2013 – Ninguém pode comprá-lo em uma loja nem aplicá-lo nas clínicas estatais de Cuba. Mas os jovens que frequentem as academias sabem quem vende e aplica clandestinamente o “óleo de amendoim”, como é chamado neste país o synthol e outros produtos que aumentam o volume muscular. A moda de injetar diferentes substâncias para ter uma musculatura descomunal quase instantaneamente parece ter chegado para ficar neste país. E apresenta vítimas.

“A primeira vez que usei synthol tive febre, arrepios e vômitos. Não pude dormir naquela noite. No dia seguinte, a circunferência do meu braço tinha crescido um centímetro”, contou à IPS o professor Yosván Méndez, que injetou óleo de forma intramuscular durante três meses em 2011. “Nunca mais farei isso. É um disparate”, afirmou.

Méndez perdeu mobilidade e força enquanto teve essa substância encapsulada nas fibras musculares de seus braços, pois o organismo demora para absorvê-la completamente. “Fiz algo muito doloroso sem resultados. Quanto deixei de usar, desapareceram os enormes bíceps que havia ganho”, ressaltou. Ele se considera com sorte, pois não tem sequelas.

Depois de quatro meses de tratamento em seu braço direito, Damián Rodríguez (nome fictício) pôde voltar a levantar pesos. “Estava no nono frasco de óleo de amendoim quando tive problemas depois de uma injeção”, explicou esse trabalhador de 21 anos, morador em Havana. O braço enrijeceu e inchou, e pela pele saia gordura com fragmentos de tecido necrosado.

Rodríguez é um dos muitos jovens que acabam em salas de cirurgia por abscessos, trombose, quistos e outros problemas causados pelo uso excessivo de óleos desse tipo, produtos falsificados, injeções mal aplicadas ou sem esterilização.

Trata-se de compostos à base de ácidos graxos e alguns podem conter esteroides, hormônios e anestésicos. O mais conhecido é o synthol, criado em 1982 pelo fisiculturista alemão Chris Clark, segundo um estudo publicado este ano por uma equipe do Hospital Pediátrico Universitário de Matanzas, oeste de Cuba. O synthol, aprovado para uso externo por autoridades sanitárias de países com os Estados Unidos, contém 85% de ácidos graxos e 7,5% de álcool benzeno.

Clark experimentou em seu próprio corpo em pequenas doses. Descobriu que  podia corrigir defeitos de alguns músculos e estirar temporariamente a membrana que os recobre, com menos riscos de abscessos do que os óleos de soja ou gergelim. De boca em boca e pela internet, essa prática sem aval médico foi invadindo o fisiculturismo nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, depois se expandiu pelo resto da Europa e chegou à América Latina.

Nessa ilha de regime socialista e economia centralizada, que também sofre um bloqueio de meio século do vizinho Estados Unidos, esses produtos não são fabricados nem vendidos em lojas estatais, mas entram e circulam em um mercado negro que resiste há décadas aos controles policiais e à penalização do contrabando com até três anos de prisão.

Quando o governo decidiu abrir espaços para o trabalho por conta própria, em 2010, muitas academias que operavam sem permissão se legalizaram e aparecem em número cada vez maior na paisagem urbana desta ilha. Os encarregados dessas instalações, privadas ou estatais, podem sofrer sanções se promovem ou permitem a aplicação dessas substâncias em seus clientes. É um fenômeno que faz parte de outro maior, a crescente preocupação pelo aspecto físico por parte de muitos rapazes no país.

Ao mesmo tempo foi crescendo a oposição à musculatura antinatural e fácil do synthol por questões de saúde, éticas e estéticas. Ativistas, pessoal médico e fisiculturistas divulgam este problema que, afirmam, é muito pouco abordado pela imprensa local. “É preciso esclarecer a juventude”, disse à IPS o estudante de medicina Eduardo Zubizarreta. “Muitos o usam cada vez mais porque veem que nada acontece com outro que também utiliza. Contudo, também devem ser explicados os efeitos de longo prazo”, como artrose prematura.

Os jovens e adolescentes que lotam as academias são o alvo preferido dos vendedores dessas substâncias. Por isso, a maioria dos proprietários desses estabelecimentos tenta espantar os distribuidores que rondam o lugar. “Só serve para untar a pele”, disse à IPS o integrante da Associação Cubana de Fisiculturismo, Asuan Díaz. “Nossa organização está contra injetar essas substâncias”, acrescentou.

Díaz, que desde 2001 dirige uma academia no município El Cerro, em Havana, dá conselho aos jovens que chegam apresentando músculos gigantescos, claramente inflados com essas substâncias. “Têm um pé no hospital e outro no túmulo”, diz a eles este veterano do fisiculturismo, partidário de “falar mais sobre o assunto na imprensa e em outros espaços’. As consequências se agravam porque “são muitas as alterações com misturas de óleo de soja”, afirmou.

A receita caseira de synthol esta à disposição na internet, e são distribuídas falsificações. O produto original em embalagem de cem mililitros pode custar entre US$ 200 e US$ 300 no mercado internacional. Segundo várias fontes consultadas pela IPS, no mercado informal cubano a mesma quantidade vale entre 12 e 20 CUC (moeda forte equivalente ao dólar), uma fortuna considerando que o salário médio mensal em 2012 foi de aproximadamente US$ 19.

Por ignorância ou por falta de dinheiro, alguns jovens injetam outros óleos. Em Matanzas, dois adolescentes passaram por entre 12 e 28 cirurgias por autoaplicarem diariamente dez mililitros (uma seringa completa) de óleo de soja nos braços, segundo o estudo mencionado a cima.

“É um fenômeno novo, muito difícil de enfrentar porque os jovens o escondem”, disse à IPS a médica Anileme Valdivieso. Só um paciente em sua área de saúde reconheceu que injetava óleos quando resistiu a receber no ano passado um medicamento preventivo do cólera. Ele “temia pelos efeitos adversos”, afirmou. Envolverde/IPS