Segundo José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde, reforço financeiro dos sistemas públicos está em debate no mundo todo. Avanço tecnológico e de expectativa de vida impõe alta de custos e exige novos recursos. Em entrevista à Carta Maior, Temporão defende subir taxação de cigarros e bebidas, condena “aberração” brasileira de abater cirurgias plásticas do imposto de renda e critica subsídio federal a convênio de servidor.
BRASÍLIA – O ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, embarca no dia 12 para a China, onde vai se juntar a três outros especialistas (inglês, australiano e tailandês) para fazer uma avaliação independente do modelo de saúde chinês, a pedido do governo local. Depois de estimular a medicina privada e reduzir o peso do investimento público, o país tenta reverter o que para Temporão foi um “equívoco grave” que produziu uma “crise”, e agora quer saber se as medidas estão funcionando.
“A saúde é um debate que está presente hoje na China, nos países europeus, nos Estados Unidos com a reforma Obama. Todos os países enfrentam problemas de financiamento de seus sistemas, de qualidade, de gestão, e no Brasil não será diferente”, afirma Temporão em entrevista exclusiva à Carta Maior.
Diretor-executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags), órgão com sede no Rio de Janeiro que promove troca de experiências no setor entre países do continente, Temporão diz estar “feliz” por ver “forte consenso dentro do governo e na sociedade” de que a saúde precisa de mais dinheiro.
Segundo o médico sanitarista, os sistemas de saúde estão em debate pelo mundo por três motivos principais, todos aplicáveis ao Brasil. Crescente envelhecimento das pessoas (mais gente idosa requer mais tratamento), acelerada incorporação tecnológica à medicina (eleva custos), e gestão. “Para melhorar a gestão, vamos ter de aumentar o gasto. Como garantir a implantação do cartão SUS para todos os brasileiros sem investir em gestão, na formação de gerentes?”, diz.
Para ele, o Brasil tem um elemento complicador. O atual modelo de saúde foi concebido quando o país era mais pobre. À medida que se desenvolve, algumas doenças tornam-se coisa do passado, como sarampo, enquanto outras se disseminam. Em uma ou duas décadas, o perfil epidemiológico da sociedade brasileira será totalmente diferente.
“Isso vai mudar profundamente o sistema de saúde, e o Brasil não está preparado para isso. Um dos principais motivos é a fragilidade da base financeira. É um sofisma dizer que o problema é de gestão”, afirma.
Temporão defende que, em dez anos, o Brasil empurre o investimento em saúde para 10% do produto interno bruto (PIB). Hoje, são mais ou menos 8%. A maior parte (56%) é despesa privada (planos, consultas particulares). Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que, só em um terço dos 192 países filiados, o gasto governamental perde para o privado, como no Brasil.
As despesas federais com saúde no ano que vem serão de R$ 71 bilhões, de acordo com a proposta de orçamento enviada ao Congresso. Dentre as alternativas surgidas nas últimas semanas como potenciais fontes de recursos novos para reforçar aquela cifra, o ex-ministro no segundo governo Lula diz ter “simpatia” pelo aumento da taxação de cigarros e bebidas.
Com uma bala, acertam-se dois alvos. Por um lado, consegue-se mais dinheiro. Por outro, desestimula-se o consumo de produtos que reconhecidamente fazem mal à saúde. Com cinco bilhões de maços de cigarro vendidos por ano, o aumento de R$ 2 no preço já renderia R$ 10 bilhões ao governo.
“Cigarro, cerveja e bebida no Brasil são dos mais baratos do mundo. Só que ninguém gosta de falar sobre isso porque é politicamente impopular”, afirma.
O ex-ministro aponta ainda um outro “problema delicado que ninguém ousa discutir” mas que, para ele, se enfrentado, ajudaria a fortalecer o orçamento público destinado à saúde. É a autorização da Receita Federal para pessoas e empresas descontarem do imposto de renda despesas particulares com saúde, o que tira alguns bilhões do erário. O gasto particular com saúde é, em média, duas vezes maior do que o gasto público, quando se faz a conta de forma per capita.
O problema, diz Temporão, é que, embora pagar planos de saúde ou cirurgias seja gasto com saúde, não obedece a uma lógica pública ou a uma política pública. “Significa que se alguém quiser fazer uma cirurgia estética porque não está satisfeito com o perfil do seu nariz ou tamanho das suas orelhas ou dos seus seios, pode abater integralmente do imposto de renda. Um disparate total, uma aberração bem brasileira”, diz.
O ex-ministro mexe ainda em um outro vespeiro que poderia ser enfrentado, na opinião dele, para garantir mais recursos à saúde. Ele critica o subsídio que o Estado dá aos funcionários públicos dos três poderes (governo, Congresso e Judiciário) ao bancar parte do convênio deles. São mais ou menos R$ 15 bilhões por ano, algo entre 20% e 25% dos investimentos federais em saúde pública.
“O governo percebeu que se não colocar recursos adicionais na saúde, teremos problemas graves no curto e médio prazos”, afirma Temporão. “E é importante a sociedade ter clareza que, ao investir no SUS, estamos investindo num patrimônio que a sociedade construiu nos últimos 22 anos.”
Criado pela Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi regulamentado por uma lei (8.080, de 1990) que vai fazer aniversário no dia 19.
* Publicado originalmente no site da Agência Carta Maior.