Jerusalém, Israel, 28/6/2011 – Em meio aos últimos preparativos para a Segunda Flotilha da Liberdade, que tentará romper esta semana o bloqueio marítimo imposto à Faixa de Gaza, prosseguem as tensões entre Israel e Turquia. Na semana passada, o jornal israelense Haaretz revelou que o ministro de Assuntos Estratégicos de Israel, Moshe Ya’alon, realizava conversações secretas em Genebra com o diretor-geral da chancelaria turca, Feridun Sinirlioglu.
Mas o véu do secretismo foi levantado e o processo de reconciliação parecia mais um exercício de diplomacia pública do que uma verdadeira aproximação. Durante entrevista a um grupo de jornalistas turcos, o vice-chanceler de Israel, Danny Ayalon, afirmou: “Necessitamos pôr um fim agora a este jogo mútuo de acusações”. Ao dizer “agora” Ayalon se referiu às últimas eleições gerais turcas. “As tensões políticas na Turquia ficaram para trás após as eleições”, garantiu.
Diplomatas israelenses de fato previram que a vitória do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, e de seu partido, Justiça e Desenvolvimento (AKP), teria um impacto “pragmático” nas tormentosas relações entre os dois países. A Turquia congelou seus vínculos com Israel depois da devastadora ofensiva desse país contra o Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) em Gaza (2008-2009).
Após a popular série “Ayrilik”, transmitida pelo canal turco TRT no ano passado e que mostrava as forças de Israel como sangrentas opressoras dos palestinos, Ayalon mandou chamar o embaixador turco e, em uma flagrante violação do protocolo diplomático, o sentou em uma cadeira mais baixa e sem colocar a bandeira do país convidado. A humilhante cena foi registrada por uma equipe de televisão israelense especialmente convocada.
As relações estiveram perto do rompimento em maio do ano passado, após o incidente com a primeira Flotilha da Liberdade, quando comandos navais israelenses atacaram o navio M. V. Marmara. Nove ativistas turcos da Fundação de Ajuda Humanitária Islâmica (IHH) morreram em águas internacionais durante a operação.
Desde então a reconciliação tropeça na demanda de Ancara para Israel formalmente “pedir desculpas” pelo assassinato dos ativistas, mas este país só aceita expressar seu “pesar” pelo ocorrido. Após o incidente, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, iniciou uma política de fortalecimento dos laços de segurança com a Grécia, rival regional da Turquia. Mas o volume do comércio bilateral com esse país europeu, agora na bancarrota, dificilmente atingirá o nível que tinha o intercâmbio entre Israel e Turquia.
Portanto, Netanyahu rapidamente tentou aproveitar a oportunidade surgida com a vitória de Erdogan, a quem felicitou pelo triunfo eleitoral, expressando o desejo de superar as diferenças. Diplomatas israelenses veem a crise síria como outra oportunidade de descongelar as relações. Todo o edifício geopolítico que inclui Ancara em um eixo estratégico com Irã, Iraque e Síria está se desmoronando, afirmaram.
Em particular, o enfraquecimento da Síria é visto como bom presságio, pois pode transformar a frente oriental de Israel (Irã, Síria e o movimento xiita libanês Hezbolá). Em contraste com o tradicional temor israelense de que se forme uma irmandade muçulmana entre seus vizinhos, o ex-chefe de inteligência militar Amos Yadlin declarou na semana passada que a Primavera Árabe é “boa para Israel”. Para ele, “o fato de os árabes estarem atacando seus próprios regimes e não Israel é algo histórico”.
Chegam informações, da localidade turca de Guvecci, de que as tropas sírias poderiam estar por trás da instabilidade na fronteira. Ancara teme que essas operações possam causar maior êxodo de refugiados, desta vez curdos, para seu território. Tanto a Síria quanto a Turquia têm importantes minorias curdas. A preocupação por um confronto limítrofe com graves consequências regionais também foi expressada pela secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton.
“A menos que as forças sírias ponham fim imediato aos seus ataques e às suas provocações, que não afetam apenas seus próprios cidadãos, como também elevam o potencial de choques fronteiriços, então veremos um agravamento do conflito na região”, alertou Hillary.
Sob pressão dos Estados Unidos e após o “conselho” da Turquia, a IHH cancelou sua participação na Segunda Flotilha, e explicou que a decisão tinha como principal objetivo evitar que essa iniciativa contra o bloqueio israelense de Gaza distraia a atenção de organizações não governamentais da região que trabalham pelos refugiados sírios. “O fato de o M. V. Marmara (propriedade da IHH) não participar desta flotilha é uma boa oportunidade para renovarmos nossos laços”, disse Ayalon ao jornal turco Hurriyet.
Coincidentemente, ou não, o que parece ser a razão mais imediata para as atuais tentativas de aproximação entre os dois países é o informe de um comitê investigativo da Organização das Nações Unidas sobre o ocorrido com a primeira Flotilha. O trabalho estará pronto dentro de duas semanas. Um alto funcionário do governo israelense disse ao Hareetz no dia 26 que a Turquia solicitara a Israel que aceitasse uma “versão em tom menor” do informe. Os dois países queriam resolver a questão de forma bilateral.
Enquanto isso, os responsáveis pela Segunda Flotilha da Liberdade realizam os últimos preparativos. E em águas territoriais israelenses comandos navais praticam operações de abordagem, desta vez de forma a evitar um confronto direto. Envolverde/IPS