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Seguro para gado melhora a vida de pastores quenianos

Cerca de quatro mil pastores se beneficiam do novo seguro no norte do Quênia. Foto: Miriam Gathigah/IPS
Cerca de quatro mil pastores se beneficiam do novo seguro no norte do Quênia. Foto: Miriam Gathigah/IPS

 

Nairóbi, Quênia, 12/11/2013 – “É o som que mais amo no mundo”, disse Hussein Ahmed, se referindo à espécie de sinos que suas vacas e cabras levam no pescoço. Esse pastor do semiárido distrito de Marsabit, no norte do Quênia, havia perdido todos os seus animais em 2011, devido a uma das piores secas que sofreu a região em mais de 60 anos. Na época, Ahmed tinha que viajar à vizinha Etiópia para obter água para seu gado.

“Eu estava fugindo dos ladrões de gado que vinham roubar os animais, dispersos por causa da seca. Durante a viagem de 250 quilômetros entre Marsabit e a Etiópia, morreram todos meus animais por falta de pastagens e água”, contou Ahmed à IPS. Regressou a Marsabit um mês depois, abatido e com as mãos vazias. Então, um homem de seu clã, que participava de um programa-piloto de seguro do gado, deu a Ahmed cinco cabras e uma vaca para que recomeçasse.

Agora sua vida é diferente. Ahmed recuperou seu rebanho e tem segurança, apesar da seca e do constante roubo de gado. Há um ano ele aderiu ao programa de seguro pecuário, o primeiro a cobrir os pastores no Quênia, criado pelo Instituto Internacional de Pesquisas Agropecuárias (ILRI). “Entrei em 2012, e já me pagaram duas vezes por perda de gado. A última foi em março deste ano”, contou.

O programa do ILRI tem apoio do Departamento para o Desenvolvimento Internacional da Grã-Bretanha, da União Europeia e da Agência Australiana para o Desenvolvimento Internacional. No início o seguro só oferecia cobertura aos pastores de Marsabit, mas em agosto foi ampliado para os distritos de Isiolo e Wajir, no norte. Graças ao seu êxito neste país da África oriental, foi adotado um programa-piloto semelhante na limítrofe zona etíope de Borana, ao sul.

Segundo o ILRI, o seguro já beneficia cerca de quatro mil pastores no norte do Quênia, que representam metade dos que habitam a região. Contudo, é difícil comprovar o número exato de pastores no norte queniano. A ambientalista Teresia Njeri explicou à IPS que isso ocorre porque estes “não ficam em um lugar por muito tempo, se movendo constantemente”.

Os pastores têm um importante papel na região. Segundo o Ministério de Agricultura, Pecuária e Pesca do Quênia, o valor estimado do setor é de US$ 800 milhões. O Banco Mundial calcula que o produto interno deste país chega a US$ 37 bilhões. A Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento da África Oriental estima que mais de 90% da carne consumida na região é fornecida pelas comunidades de pastores. Mas a vida destes sempre foi difícil.

Issa Salesa, pastor de Isiolo, explicou à IPS que são muito vulneráveis. “A seca, em geral, afeta muitas partes do norte do Quênia entre junho e dezembro, e se agrava entre janeiro e abril, assim, basicamente os pastores e seus animais correm risco de passar fome e serem atacados por ladrões o ano todo”, afirmou. Porém, agora, Ahmed e Salesa, como milhares de outros pastores, estão tranquilos porque sabem que terão uma compensação se seus animais morrerem ou forem roubados. Para Ahmed, isso significa que sua família terá alimento o ano todo e que seus filhos poderão ir à escola.

Yusuf Aden, pastor em Marsabit que também participa do programa, disse à IPS que os beneficiários precisam segurar pelo menos dez de seus animais e que os prêmios variam segundo o tipo de gado. “Por exemplo, por dez cabras ou mais paga-se prêmio de US$ 20 por ano. Isso é acessível, porque só temos que vender uma cabra para obter o dinheiro necessário para assegurar pelo menos dez”, detalhou Aden.

Ao contrário dos seguros tradicionais, que compensam os afetados após uma avaliação das perdas em cada caso, este se baseia em uma estimativa feita com informação obtida via satélite sobre disponibilidade de terras, explicou à IPS Andrew Mude, encarregado do programa do ILRI. O seguro paga seus clientes quando se detecta escassez de pastagens devido à seca, o que causa a morte dos animais. Os pastores são compensados por mais de 15% do gado perdido. No entanto, os benefícios para suas vidas são muito maiores. As famílias têm mais segurança alimentar e são menos dependentes da ajuda, destacou Mude.

Por outro lado, é difícil que o programa seja levado para o resto do país. “Fazer seguro de gado não é comercialmente viável”, admitiu a corretora de seguros Beatrice Wambui. “É um risco assegurar contra a natureza, não se tem controle sobre o clima. Mas nas áreas onde o seguro do gado funciona, e se as empresas encontrarem uma forma que beneficie a todos, esse produto pode mudar vidas”, afirmou à IPS.

Wambui destacou a importância de as companhias trabalharem estreitamente com as organizações da sociedade civil para apresentar ofertas aos pastores. A corretora explicou que, embora várias empresas comecem a adotar produtos semelhantes, ainda o fazem “em uma escala muito pequena e não as divulgam. Algumas trabalham com apenas 50 clientes para ver como funciona no período de um ano”.

Njeri reconhece que o seguro do ILRI melhora a substância e a segurança alimentar de muitos, mas insiste que deveria alcançar mais criadores. Pastores dos distritos de Samburu, Turkana, Pokot e Marakwet, ao norte, ainda correm o risco de perderem sua forma de sustento devido ao roubo de gado. O seguro ainda não está disponível nessas áreas.

Moses Lentoimaga é pastor em Samburu e vive com temor da ação dos ladrões. Estes atacaram sua aldeia em 18 de outubro, mataram cinco de seus vizinhos e roubaram mil animais. Ele também quer a segurança que têm Ahmed, Salesa e Aden. “Antes de ir aos nossos vizinhos na Etiópia, devem vir em nosso resgate”, enfatizou à IPS. Envolverde/IPS