Sem tempo para adaptação
A peruana Cordilheira Blanca, que concentra a maior quantidade de geleiras tropicais do mundo, sofre um retrocesso sem retorno. Uxbridge, Canadá, 2 de janeiro de 2011 (Terramérica).- A água fornecida pelas geleiras da Cordilheira Blanca, vital para uma extensa região do noroeste do Peru, está diminuindo 20 anos antes do esperado, afirma uma nova pesquisa.
A peruana Cordilheira Blanca, que concentra a maior quantidade de geleiras tropicais do mundo, sofre um retrocesso sem retorno.
Uxbridge, Canadá, 2 de janeiro de 2011 (Terramérica).- A água fornecida pelas geleiras da Cordilheira Blanca, vital para uma extensa região do noroeste do Peru, está diminuindo 20 anos antes do esperado, afirma uma nova pesquisa. O fluxo de água do derretimento das geleiras da região já chegou à sua cota máxima e agora está em queda, disse ao Terramérica o especialista em geleiras Michel Baraer, da canadense McGill University. O fenômeno acontece entre 20 e 30 anos antes do previsto.
“Nosso estudo revela que as geleiras que alimentam a bacia do Rio Santa já são muito pequenas para manter os fluxos hídricos anteriores. Na temporada seca haverá até 30% menos água”, advertiu Michel, principal autor do estudo Glacier Recession and Water Resources in Peru’s Cordillera Blanca (Retrocesso de Geleiras e Recursos Hídricos na Cordilheira Blanca do Peru), publicado no dia 22 deste mês na revista britânica Journal of Glaciology.
Quando o tamanho das geleiras começa a diminuir, é gerado “um aumento transitório da corrente de água na medida em que perdem massa”, afirma a pesquisa. “A água do derretimento acaba chegando a uma meseta, e a partir dali é registrada uma redução da descarga procedente do degelo glacial. A diminuição é permanente. Sem volta”, explicou Michel.
Parte da grande cadeia montanhosa americana dos Andes, a Cordilheira Blanca é uma sucessão de picos nevados, de norte a sul, paralela à Cordilheira Negra, situada mais a oeste. Entre as duas se forma o Callejón de Huaylas, por onde corre o Rio Santa, cujo último trecho, em direção sudoeste, desemboca no Oceano Pacífico. As geleiras tropicais andinas sofrem rápida redução. Nos últimos 30 anos, perderam entre 30% e 50% de seus gelos, segundo o francês Institut de Recherche pour le Délevoppement (IRD – Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento).
Boa parte dessa perda é registrada desde 1976, segundo o IRD, e é atribuível ao aumento das temperaturas da região, devido à mudança climática. Na Bolívia, a geleira Chacaltaya desapareceu em 2009. Mesmo as áreas mais frias das geleiras andinas estão em retrocesso. O Centro de Estudos Científicos do Chile informou este mês que a geleira Jorge Montt, no vasto Campo de Gelo Sul, diminuiu um quilômetro em apenas um ano. Segundo o registro histórico, as geleiras diminuem lentamente, à razão de um ou dois quilômetros por século.
O degelo das massas geladas continentais em diferentes partes do mundo é uma das evidências mais firmes de que a mudança climática está em marcha, afirmou o destacado especialista em geleiras Lonnie Thompson, da Ohio State University. Lonnie alerta que, se não for drasticamente limitado o uso de combustíveis fósseis, os impactos poderão chegar mais rapidamente e ir além das possibilidades de adaptação da espécie humana.
As temperaturas mais quentes não só derretem o gelo como também têm importantes efeitos nas nevadas. Na medida em que se esquentam as estações frias e a neve se torna chuva, o tamanho e a extensão da capa nevada diminui e o limite das neves eternas se encontra cada vez mais montanha acima, segundo o Instituto Interamericano para Pesquisas em Mudanças Globais (IAI), uma organização intergovernamental com sede na cidade de São José dos Campos, no Estado de São Paulo, no Brasil.
Essas mudanças têm efeitos notórios na estacionalidade da corrente de água quando esta procede principalmente do derretimento de neves e gelos, aumentando as correntes no inverno, enquanto no verão os rios e riachos têm menos água. Em muitos vales dos Andes tropicais e subtropicais o derretimento de geleiras na primavera e no verão é crucial para os cultivos, o gado e o consumo humano. Várias cidades importantes dependem dessas águas, como La Paz e Lima, cuja demanda supera cada vez mais o fornecimento, segundo comunicado de 2010 do IAI.
A peruana Cordilheira Blanca tem a maior quantidade de geleiras de todas as cadeias montanhosas tropicais do mundo. Na década de 1930, esses gelos cobriam até 850 quilômetros quadrados, mas já no final do Século 20 ocupavam uma superfície abaixo dos 600 quilômetros quadrados, segundo Michel e outros oito investigadores da The Ohio State University, University of California, IRD, Unidade de Glaciologia e Recursos Hídricos da Autoridade Nacional da Água do Peru.
A maior parte das águas do degelo glacial se verte na bacia do Rio Santa. Os pesquisadores compararam medições do fluxo hídrico, tomadas entre 1950 e 1990, e concluíram que, das nove sub-bacias do Santa estudadas, sete “já passaram seu ponto de inflexão e agora exibem uma decrescente descarga hídrica na estação seca”. Também avaliaram as mudanças nas precipitações e nos efeitos dos fenômenos climático-atmosféricos de La Niña e El Niño, e concluíram que estes não são responsáveis pela redução da corrente de água, esclareceu Michel.
Até agora acreditava-se que esta redução ocorreria em 20 ou 30 anos, dando tempo para uma adaptação a um futuro com menos água. Contudo, “esses anos não existem”, ressaltou Michel. A região é extremamente seca e o Callejón de Huaylas e a província agrícola de Carhuaz dependem completamente da bacia do Santa para irrigar suas extensas plantações de frutas e verduras, afirmou. O Santa também é a principal fonte de água potável das cidades da região, como acontece com boa parte dos rios da região andina.
É o caso de Lima, a segunda cidade desértica mais povoada do mundo depois do Cairo, que depende da bacia andina do Rio Rímac. “Os Andes do norte (do Peru) estão perto de se converterem em um deserto. Foi a água das geleiras que permitiu à população sobreviver ali”, contou Michel. No último verão austral, os pesquisadores mediram o volume hídrico do Santa desde sua desembocadura, em um estuário no Pacífico, até suas nascentes nas alturas andinas. Concluíram que menos de 20% chegam atualmente ao oceano. “Da água do Santa, 80% já está sendo usada”, explicou.
Algumas projeções indicam que nas próximas décadas várias sub-bacias do Santa terão 30% menos água, o que representa um sério desafio para toda a região. “A diminuição da água está garantida; a única pergunta é quanto se perderá e a que velocidade”, alertou Michel. Na atmosfera há tanto dióxido de carbono pela queima de combustíveis fósseis que “já é muito tarde para a maioria das geleiras andinas”, concluiu.
* O autor é correspondente da IPS.
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McGill University, em inglês e francês
Escritório peruano dp Institut de Recherche pour le Développement
Centro de Estudos Científicos, em espanhol e inglês
Ohio State University, em inglês
Instituto Interamericano para Pesquisas em Mudanças Globais, em espanhol
Glacier Recession and Water Resources in Peru’s Cordillera Blanca, pdf em inglês
Autoridade Nacional da Água de Peru, em espanhol
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.




