Washington, Estados Unidos, 15/6/2011 – Cerca de seis milhões de meninos e meninas podem morrer nos próximos dois anos de doenças evitáveis em todo o mundo, apesar do avanço das vacinações graças a planos governamentais e à ajuda privada. Em meio a esta luta, aparece questionada a indústria farmacêutica e sua suposta conivência com doadores. Uma criança da camada mais pobre da sociedade tem três vezes menos possibilidades de ser vacinada do que uma da camada mais rica, e enfrenta o duplo risco de morrer antes dos cinco anos, segundo um informe divulgado este mês pela organização não governamental Save the Children.
A quantidade de vacinações alcançou um máximo histórico, quatro em cada cinco crianças foram imunizadas no mundo contra difteria, coqueluche e tétano. Mas, um em cada cinco menores, cerca de 24 milhões, não recebe nem as doses mais básicas. A perda de produtividade que essa situação traz consigo chega a mais de US$ 231 bilhões, segundo o estudo “The Priceless Payoff” (O Pagamento Inestimável), encomendado pela Faculdade de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg e publicado no começo deste mês na revista médica Health Affairs.
A pergunta se os doadores e governos tomaram consciência da enorme quantidade de pessoas mortas e de dólares em jogo no “debate” sobre a vacinação parece ter encontrado resposta na conferência da iniciativa público-privada Aliança Global para a Vacinação e Imunização (Gavi), que terminou no dia 13, em Londres. O encontro foi positivo e superou o objetivo de US$ 3,7 bilhões com US$ 1 bilhão entregue por Bill Gates, fundador da Gavi e da Microsoft. Foi uma “generosidade humana em sua máxima expressão”, afirmou.
O anfitrião do encontro, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, anunciou uma contribuição de US$ 1,3 bilhão, de acordo com a promessa de destinar 0,7% do produto interno bruto à ajuda internacional até 2013. O administrador da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), Rajiv Shah, prometeu injetar US$ 450 milhões no fundo, embora ainda seja necessária a aprovação do Congresso norte-americano.
Tendo salvo cinco milhões de vidas, a Gavi está convencida de que, com o novo orçamento, poderá comprar 250 milhões de doses para crianças de países pobres até 2015. Entretanto, as pesquisas revelam que até as contribuições prometidas por Londres podem ser insuficientes para combater a mortalidade evitável.
“Definitivamente, creio que os US$ 231 bilhões de produtividade perdida podem ser muito mais”, afirmou Orin Levine, diretor-executivo do Centro Internacional de Acesso a Vacinas, da Faculdade Johns Hopkins Bloomberg. “Quando fizemos o estudo avaliamos o custo de uma vida nos países pobres após ajustar as rendas mais baixas e a possibilidade de as pessoas sofrerem mais riscos porque, para começar, são pobres”, explicou. “É uma estimativa moderada e, nos baseando no fato de que todas as vidas são iguais, uma análise conservadora”, afirmou à IPS.
O trabalho da Gavi recebeu elogios de todas as partes, mas alguns observadores de iniquidades sistêmicas e cíclicas têm outra opinião, apresentam um panorama holístico do problema das mortes evitáveis e oferecem uma solução alternativa ao aumento das doações.
O laboratório farmacêutico holandês Crucell propôs substituir a GlaxoSmithKline como novo representante da indústria na junta de diretores da Gavi, segundo informou há algumas semanas o jornal Financial Times. O Crucell destinou no ano passado US$ 875 milhões para a Gavi, para programas de vacinação em países de baixa renda, enquanto 60% das entradas do ano passado, US$ 888 milhões, corresponderam à venda da vacina pediátrica Quinvaxem, contra difteria, coqueluche, tétano, Hib e hepatite, para a Aliança Global.
O Crucell, que há pouco foi comprado pela Johnson e Johnson, prevê receber US$ 1,1 bilhão em 2012 com as vendas para a Gavi. “Alguns conflitos são muito grandes para se lidar com eles”, lamentou Daniel Berman, subdiretor da Campanha para o Acesso a Medicamentos Essenciais da organização Médicos Sem Fronteiras. “Se olharmos a agenda das reuniões da junta de diretores da Gavi, veremos que quase todos os temas têm impacto no balanço do Crucell”, acrescentou.
Em uma tentativa de promover a transparência e fomentar a competição, para baixar os preços e aumentar o fluxo de vacinas para os países pobres, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), principal comprador da Gavi, publicou em maio uma lista com o que paga pelas vacinas compradas dos laboratórios. A iniciativa revelou que algumas dessas companhias venderam vacinas a preço 180% mais altos, segundo um informe publicado pela Médicos Sem Fronteiras, o que explica o motivo de o Crucell e a GSK resistirem a publicar a informação.
Pfzier e GSL venderam à Gavi vacinas contra pneumonia por meio do Advance Market Commitment, um esquema que Andrew Witty, diretor-executivo da GSK, chamou de “mecanismo de financiamento inovador” “O que descobriremos como uma iniciativa de bem-estar corporativa escandalosamente cara para doadores e contribuintes”, afirmou Berman.
As organizações Oxfam Internacional e Médicos Sem Fronteiras pediram que a Gavi promova a competição para baixar os preços e solicite aos laboratórios que se retirem da junta de diretores para evitar conflitos de interesses e ser totalmente transparente com relação às compras e aos preços. Envolverde/IPS