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Sérvia afunda na depressão

Belgrado, Sérvia, 7/11/2012 – Renato Grbic é um pescador de Belgrado que cresceu às margens do Rio Danúbio, mas realiza um trabalho adicional pelo qual ninguém lhe paga: salva vidas. Nos últimos 14 anos impediu o suicídio de 25 pessoas que estavam prestes a saltar no rio da ponte de Pancevo. “Quando pergunto por que querem acabar com suas vidas, respondem que estão deprimidos ou que já não aguentam mais. Os tempos atuais são realmente duros para as pessoas”, disse à IPS este homem de 50 anos.

A ministra da Saúde, Slavica Djukic Dejanovic, fez eco às palavras de Grbic ao afirmar em seu discurso inaugural em um congresso de especialistas em saúde mental, em Belgrado, que “até 2020 a depressão será a segunda causa de faltas no trabalho. A quantidade atual de psicoterapeutas e psiquiatras não basta para abordar o problema, e estamos fazendo um esforço para melhorar a situação”.

Estatísticas do Ministério indicam que esta nação da Europa oriental, com 7,4 milhões de habitantes, tem apenas 350 psicoterapeutas e 900 psiquiatras certificados. A Associação de Sociedades de Psicoterapia da Sérvia situa a necessidade de psicoterapeutas entre seis mil e oito mil. Cerca de 1.500 especialistas se capacitam atualmente, e logo estarão qualificados para ingressar no sistema.

“Aproximadamente um terço da população experimenta desordens mentais devido à atual crise econômica, que fez vítimas sob a forma de desemprego e de uma crescente pobreza”, disse aos jornalistas Nadja Maric Bojovic, diretora da Clínica de Psiquiatria de Belgrado.

O problema ficou mais complexo devido aos traumas que se arrastam desde as guerras que devastaram a região nos anos 1990, junto com as lembranças do bombardeio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de 1999 contra a Sérvia. E também às prolongadas penúrias devido à paralisação econômica experimentada durante um período de sanções internacionais (1992-2000).

“As estatísticas europeias situam a proporção de desordens mentais em 27% em 27 países-membros da União Europeia, com problemas como ansiedade, insônia e depressão ocupando o topo da lista”, acrescentou Bojovic. Coincidindo com dados amplamente aceitos por outros especialistas na área, disse que uma em cada dez pessoas com problemas de saúde mental busca ajuda profissional.

“Uma grande quantidade de pessoas tem problemas mentais, mas não sabe como solucioná-los”, disse à IPS o diretor da Associação de Sociedades de Psicoterapia da Sérvia, Zoaran Milivojevic. Na falta de serviços profissionais adequados, “tomam tranquilizantes”, o que leva a um “grande abuso destas substâncias”, afirmou.

Estatísticas do Ministério da Saúde indicam que o tranquilizante bromazepam (conhecido na Sérvia como Bensedine) foi em 2011 o remédio prescrito com maior frequência no país. Os médicos receitaram 4,3 milhões de caixas do produto, e três milhões foram vendidas no mercado negro nesse mesmo ano, apesar de uma lei que o proíbe desde 2002.

O sedativo lorazepam foi o quinto medicamento mais prescrito no ano passado, vendendo legalmente 1,6 milhão de caixas. “Pensam que simplesmente é mais fácil tomar um medicamento do que tentar resolver os problemas com ajuda de terapeutas”, disse à IPS o psicólogo Nebojsa Jovanovic. “Isto exige maior envolvimento pessoal”, destacou.

As instituições sérvias não têm dados suficientes sobre problemas de saúde mental, com exceção de estatísticas precisas sobre suicídios. Neste aspecto, a Sérvia ocupa o 13º lugar no mundo, com 14 suicídios para cada cem mil pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Traduzindo isto para estatísticas atuais, significa que em 2011 foram 1.400 suicídios na Sérvia, quase quatro por dia.

Apesar disso, o único centro especializado na prevenção de suicídios (uma linha telefônica de emergência que operava a partir Belgrado) deixou de existir em setembro, devido à falta de financiamento. “Entre fevereiro de 2011 e setembro deste ano recebemos mais de 2.300 chamadas”, disse à IPS a psicóloga Branka Kordic, que era encarregada do projeto.

“Não temos estatísticas de quantos suicídios prevenimos, mas a maioria dos que telefonaram era de homens de aproximadamente 50 anos que haviam perdido seus empregos, os quais eu chamaria de as maiores vítimas da transição, pois perderam a autoestima, o apoio familiar e o meio básico de subsistência”, afirmou Kordic.

Desde 2000, a Sérvia faz uma dolorosa transição para a economia de mercado, que acompanhada pela última crise mundial levou ao desemprego recorde de 25,5%. As penúrias econômicas e os esforços pessoais têm sido excessivamente prolongados e “demasiados para muitos”, afirmou Jovanovic à IPS. Envolverde/IPS