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Sérvio-kosovares não conseguem proteção de Moscou

“Morte aos sérvios”, diz um grafite na catedral de San Jorge, em Kosovo. Foto: Jovan Stojan/CC BY 2.0

Belgrado, Sérvia, 15/12/2011 – Moscou rejeitou o pedido de cidadania russa a cerca de 22 mil sérvio-kosovares, os quais afirmam que suas vidas em Kosovo, como minoria étnica, é “insuportável’. Os sérvios em Kosovo consideraram a rejeição ao seu pedido como outra vergonha por parte de um país que nos meios de comunicação geralmente é apresentado como seu “aliado” ou “grande irmão”, mas que nos fatos ainda não expressou nenhum sinal de fraternidade com esta minoria.

Dos habitantes de Kosovo, 80% são albaneses. Os sérvios constituem apenas 8% da população, isto é, pouco menos de cem mil habitantes. O restante é formado por outras minorias. Funcionários do governo russo responderam que conceder a cidadania era “impossível”, devido às rígidas regulamentações da Constituição da Rússia.

“As leis russas não nos permitem este tipo de medida, mas encontraremos outras formas de apoiar essa minoria oprimida”, disse no dia 1º o porta-voz da chancelaria em Moscou, Aleksandr Lukashevich. Ele destacou que o governo russo compreende que os sérvio-kosovares “sofrem constante opressão”, e disse que o presidente Dmitry Medvedev concordou em impulsionar “outras formas” de apoio, como por exemplo ajuda humanitária.

No entanto, a decisão de Moscou foi um duro golpe para os sérvio-kosovares. Zlatibor Djordjevic, chefe da associação Stara Srbija (Antiga Sérvia), responsável pelo trâmite do pedido de cidadania, disse à televisão nacional de Belgrado que esperava leis especiais na Rússia para resolver a questão. “É fácil para os nacionalistas islâmicos (albaneses) atacarem os sérvio-kosovares com total impunidade, mas pensariam duas vezes antes de atacar um cidadão russo”, acrescentou.

Dos mais de mil sérvios assassinados em Kosovo desde 1999, apenas uns poucos receberam justiça póstuma da Missão da União Europeia pelo Império da Lei em Kosovo (Eulex) e da Organização das Nações Unidas (ONU). Vários dos casos mais graves, como os assassinatos de 14 camponeses sérvios em 1999, ou a explosão de um ônibus que matou outros 12 em 2003, finalmente chegaram à justiça, mas os acusados foram rapidamente libertados por “falta de evidência”.

Em março de 2004, distúrbios causados por milhares de albaneses étnicos terminaram com 19 sérvios mortos e quatro mil refugiados, bem como 935 casas sérvias incendiadas e 35 igrejas ortodoxas destruídas. A maioria destes casos de violência é atribuída a um desejo de represália dos albano-kosovares, que foram reprimidos e massacrados pelas forças armadas da Sérvia no final da década de 1990.

Kosovo tem uma longa história de conflitos entre sérvios cristãos e albaneses étnicos muçulmanos. Cada grupo dá um significado religioso e cultural próprio a essa terra. No início dos anos 1990, os albaneses que queriam ficar independentes da antiga Iugoslávia pegaram em armas contra o ditador Slobodan Milosevic, mas foram sufocados em uma brutal ofensiva militar, liderada por forças sérvias, que deixou mais de dez mil mortos.

Para deter essa repressão e enviar uma dura mensagem a Belgrado, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) fez uma série de ataques aéreos sobre a antiga Iugoslávia, entre março e junho de 1999. Em meados de junho daquele mesmo ano, as forças armadas e policiais sérvias saíram de Kosovo, deixando a ONU como administradora da região, até que a maioria albano-kosovar declarou unilateralmente a independência em 2008.

Os sérvios cristãos ortodoxos que ficaram nas regiões do norte de Kosovo, na fronteira com a Sérvia, vivem em proximidade geográfica com a maioria muçulmana, alinhados cultural e politicamente. Até agora, 85 dos 193 Estados-membros da ONU reconheceram a independência de Kosovo, mas a Sérvia se nega a fazê-lo.

Presos em meio a esta disputa política, os sérvio-kosovares optam por reconhecer a autoridade de Belgrado e não as leis de Prístina, capital administrativa de Kosovo. As tensões continuam. Os esforços de Prístina para controlar os sérvios que moram no norte de Kosovo desataram no começo deste ano uma onda de violência contra a Força de Kosovo (KFOR), contingente liderado pela Otan encarregado de manter a paz e a segurança.

Segundo o porta-voz do governo sérvio, Milivoje Mihajlovic, a solicitação de cidadania russa era uma “pressão política” desnecessária para Moscou, já que Belgrado estava fazendo todo o possível para salvaguardar os direitos dos sérvio-kosovares, assegurou. Outros apoiaram o pedido. Nebojsa Popovic, dirigente do Partido Democrático da Sérvia, disse à IPS que “o pedido foi feito com voz de desespero e medo. Foi um apelo não só à Rússia, mas também à Sérvia e a toda a comunidade internacional. Outros estão decidindo o destino dos sérvios em Kosovo”, acrescentou.

É óbvio que os sérvio-kosovares não confiam em mais ninguém”, explicou à IPS o historiador Predrag Popovic. “Perderam a fé em Belgrado, na Eulex e nos remanescentes da administração da ONU. Querem ajuda política concreta em uma situação em que foram abandonados por todos. Pensam que somente a Rússia pode lhes dar segurança”, acrescentou.

O representante russo na Otan, Dmitry Rogozin, disse em Belgrado, em novembro, que os sérvio-kosovares podiam ser reassentados em “áreas ao leste dos montes Urais, para preencher esse vazio demográfico na Rússia”. Essa região apresenta as mais baixas taxas de natalidade. Segundo Rogozin, os sérvio-kosovares poderiam adaptar-se facilmente a essa região e não teriam problemas para encontrar empregos.

Porém, historiadores criticaram a ideia, citando como exemplo o que ocorreu em 1752, quando mais de duas mil famílias sérvias fugiram para o que era o Império Otomano nos Bálcãs, e se instalaram em áreas então conhecidas como Nova Sérvia e Sérvia Eslava, onde agora é a Ucrânia. Em menos de cem anos, essas famílias foram completamente assimiladas e absorvidas pela população local, resultado visto hoje com vergonha pelos sérvio-kosovares, desesperados em preservar suas raízes étnicas e religiosas. Envolverde/IPS