Trago sete histórias paulistanas. A maioria delas é de casos que fui colhendo ao longo do tempo – aliás ficariam surpresos como basta parar por cinco minutos e olhar sobre os ombros do cotidiano para perceber uma outra cidade. As histórias foram escritas para uma pessoa querida, mulher forte, grande repórter e fotógrafa, e a ela são dedicadas.
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“Dança comigo?” Mas ele ignorava. Não porque era descompassado, mas estava tocando suas prioridades. Viagens a trabalho, cerveja com amigos, fechamento até tarde… Para espantar a tristeza, ela sambava alto, sozinha. O que chamou a atenção do vizinho. Juntos, dançavam a solidão. Ele nunca soube. Quando anos mais tarde, com um leve remorso, convidou-a para dançar, ela esnobou: “Cansei de samba nessa vida”.
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Um desmaio. Depois, os cabelos. Enjôos. Ela foi sumindo tão rápido quanto aparecera em sua vida 15 anos antes. E, numa tarde de outono, disse algo em seu ouvido e dormiu. Seguiu ateu. Mas seus filhos e netos o flagravam em divertidas conversas como se ela estivesse lá. Um dia, o mais velho o ouviu dizer: “Fiz o que me pediu”. Na manhã seguinte, havia ido. Em suas mãos, jazia um papel desbotado, com o nome dela e um telefone.
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“O senhor quer uma casinha?” Catador, abrigava-se em casa-imaginária de papelão. Um dia, ganhou um lar – em que cabia apenas seu melhor (e único) amigo. Mas cachorro de rua também tem lá seus caprichos e, à noite, nele se aninhava. Tentou doá-la no bairro rico em que pousava sua carroça, subvertendo a ordem. Não sei que fim levou. Mas numa praça aqui perto, mora outra vira-lata em casinha igual. Pobre, livre e feliz.
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Escolheu um banco afastado da algazarra da praça e pôs-se a olhar o envelope branco de exame que veio do hospital. Naquele dia, não deu milho aos pombos, cutucou o vira-lata caramelo ou acenou ao casal de maritacas, que o saudava sempre. No anular esquerdo, duas alianças e muita saudade. Ficou brincando com elas horas, lembrando de outro tempo, outra vida. Chorou. Sorriu. Enfim, jogou o envelope lacrado no lixo. E se foi. Assobiando.
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Seu mundo cabia em um carrinho de feira – e ainda sobrava espaço, talvez uma reserva de esperança para os dias que virão. Um casaco o protegia do clima de um dígito que fazia em São Paulo. Ao passar por um montinho de pano que, ao que tudo indica, era uma mulher encolhida pelo frio, tirou seu casaco e a cobriu. Ela sorriu e voltou a dormir. Ele seguiu andando, mais aquecido que antes.
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Não sabia jogar, tocar ou conversar sem cuspir por conta do aparelho. E essa lástima deu azar de se apaixonar pela mais bonita. Confidenciou a um, que espalhou a dois e, no intervalo, o mundo ouviu ela dizer que não ficaria com ele nem por cinco minutos. O tempo cresceu. Dia desses, ao procurar trabalho, o presidente de uma empresa quis recebê-la. Mal a ouviu, olhou o relógio e a dispensou. Deu a ela cinco minutos.
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Ele colocou sua melhor camisa, perfumou-se com a flor que havia colhido no quintal da vizinha e pôs-se a pedalar, vencendo a ansiedade. Chegando lá, uma caminhoneta – dessas autorizadas a trafegar em dia de rodízio – descarregava dúzias de rosas diante do olhar emocionado dela. Em silêncio, voltou para casa e colocou a florzinha em um copo de requeijão. Solidária, ela se abriu. E está lá até hoje.
* Publicado originalmente no Blog do Sakamoto.