As prateleiras de “neurociência” das livrarias estão em polvorosa, mas o trabalho de autores como Malcom Gladwell e Jonah Lehrer são apenas livros de autoajuda que usam jalecos?
Uma pestilência intelectual se abate sobre nós. As prateleiras das livrarias estão entupidas de livros que prometem explicar, por meio de estudos de imageamento cerebral bonitinhos, não apenas como o pensamento e as emoções funcionam, mas os mecanismos da política e da religião, bem como respostas a controvérsias filosóficas milenares. As exuberantes conquistas das pesquisas do cérebro são rotineiramente obrigadas a responder perguntas para as quais não foram criadas para responder. Trata-se da praga do neurocientificismo – também conhecido como neurobaboseira, neurobobagem ou neurolixo – e ela está em todos os lugares.
É possível literalmente tropeçar sobre volumes que prometem “que os mistérios mais profundos do que nos torna quem nós somos está gradualmente sendo elucidado” pela neurociência e psicologia cognitiva. (Até cientistas praticantes às vezes fazem afirmações grandiosas para o seu público, talvez atendendo à pressão de seus editores). Em geral, a explicação “neural” se tornou o padrão áureo para a exegese de não ficção, adicionando a sua própria marca composta por um coletivo de elementos de jaleco e estudos auxiliados por computadores a todo um novo setor de charlatanismo intelectual que pretende desvendar até mesmo fenômenos socioculturais complexos.
Um novo ramo do gênero neurociência-explica-tudo pode ser criado a qualquer momento pelo simples expediente de adicionar o prefixo “neuro” a qualquer assunto sobre o qual você esteja falando. Assim, a “neuroeconomia” é a mais recente de uma longa lista de tentativas retóricas de vender ciência incompetente como ciência de verdade; a “gastronomia molecular” foi agora superada pelos princípios da cientificação da gula conhecida como “neurogastronomia”; os estudantes estão fazendo “neuropolítica”; acadêmicos de literatura praticam a “neurocrítica”. Há também a “neuroteologia”, “neuromagia” e até o “neuromarketing”.
A iluminação é prometida em um nível tanto pessoal como político pelo iluminismo de araque do setor da neurologia popular. Como eu posso me tornar mais criativo? Como eu posso tomar decisões melhores? Como eu posso ser mais feliz? Mais magro? Não tema: as pesquisas do cérebro têm as respostas. Trata-se de autoajuda revestida de ciência séria. Os conselhos são o gancho para quase todos livros desse tipo. Em uma época autocongratulatória e igualitária, não é mais possível dizer às pessoas que se aprimorem moralmente, de modo que o autoaperfeiçoamento é ensinado em termos instrumentais e cientificamente aprovados.
Diz-se que o cérebro humano é o objeto mais complexo do universo conhecido. O fato de que parte dele “acende” em uma imagem de fMRI não quer dizer que o resto está inativo; nem é óbvio o que exatamente é indicado pelo acendimento dessas partes; assim como também não é simples inferir lições de vida a partir de experimentos conduzidos sob condições altamente artificiais. Também não temos a mínima ideia a respeito do maior mistério de todos – como pode um bolo de massa cinzenta produzir a experiência consciente que você está tendo agora mesmo ao ler esse parágrafo? Como pode o cérebro engendrar a mente? Ninguém sabe.
Sob esse ponto de vista, é possível fazer um humilde diagnóstico preliminar a respeito do erro intelectual crônico dos picaretas pop do cérebro: estes equivocadamente presumem que nós sempre sabemos como interpretar tais informações “ocultas”. Os mascates do neurocientificismo são os teóricos da conspiração do animal homem.
* Publicado originalmente na revista NewStatesman e retirado do site Opinião e Notícia.