Foto: Galeria de gui.tavares/Flickr

Uma brincadeira de infância (não sei se ainda está em voga) era a língua do “pê”. A regra é simples: introduz-se a sílaba “pê” antes de cada sílaba de uma palavra ou frase. Para dizer “frase”, diz-se “pefrapese” (o acento cai na mesma sílaba!). Quando eu era criança, brincávamos de falar esta “língua” ainda antes de ir à escola (como todas as crianças). E éramos falantes de um dialeto italiano, não de português! O que indica uma capacidade “natural” bastante sofisticada de dividir palavras em sílabas.

Estudar sílabas na escola sempre teve duas finalidades básicas: em um caso, tratava-se da extensão do método fônico. Aprendia-se a relação som-letra e, logo em seguida, o princípio se aplicava a uma sílaba: b + a = ba. Só depois é que se passava para a palavra (baba, bata, bala). Com isso, aprendia-se também que os mesmos sons ou grupos de sons aparecem em posições diferentes, e são sempre os mesmos (na verdade, não foneticamente, mas deixa pra lá): ba pode aparecer em baba (duas vezes), em bala, em Calabar (com um som adicional, mas a gente acabava aprendendo a ler novas palavras levando em conta também estas extensões. A sílaba tem a vantagem de ser uma unidade sonora sem compromissos com o sentido.

Antigamente, as escolas mandavam separar listas de palavras. Alunos enchiam cadernos de palavras separadas em sílabas. Aprendiam o quê? Apenas a separar palavras. Que talvez nunca escrevessem em seus textos.

Mas sílabas podem ser bem interessantes. Por exemplo, é com base nelas que se distribuem acentos (os primários e os secundários), que se estabelece um ritmo (crucial para a poesia, mas não só), que se rima, etc.

As sílabas ajudam a descobrir também outros fenômenos curiosos. Menciono dois: palavras eventualmente reorganizam suas sílabas quando são pronunciadas juntas (como sempre o são!). Por exemplo: “latas” tem duas sílabas; a segunda é “tas”. Mas, se digo “latas amarelas”, a sílaba “tas” desaparece. As sílabas se organizam de outra forma, mecanicamente, sem respeitar a unidade lexical: la.ta.za.ma.re.las (o s final de tas se torna a primeira consoante da sílaba seguinte, e se pronuncia como um z, diante da vogal formando a sílaba za).

A escola podia encarar este tipo de trabalho de vez em quando, para que fosse ficando claro, e na prática, lendo textos em voz alta, que esses são fenômenos de interesse. Não para se tornarem objeto de testes ou provas, mas para a curtição pura. (No próximo texto, vou falar do outro fenômeno curioso, a entrada de vogais em certas sílabas; apenas nelas).

Sírio Possenti é professor do Departamento de Linguística da Universidade Estadual de Campinas.

** Publicado originalmente no site Carta Capital.