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O Sinai sob misteriosos ataques

A península do Sinai, no nordeste do Egito, é palco de ataques quase diários a policiais e militares desde a derrubada de Mohammad Morsi. Foto: Adam Morrow/IPS
A península do Sinai, no nordeste do Egito, é palco de ataques quase diários a policiais e militares desde a derrubada de Mohammad Morsi. Foto: Adam Morrow/IPS

 

Cairo, Egito, 17/10/2013 – O tempo transcorrido desde a derrubada de Mohammad Morsi no Egito está pautado por ações quase diárias contra pessoal de segurança, especialmente na tensa península do Sinai. A identidade dos atacantes é um mistério. “Os grupos armados no Sinai não recrutam seus membros entre famílias ou tribos locais”, disse à IPS o jornalista Hatem al Bulk, radicado ali. “Costumam estar mascarados, atacam seus objetivos e desaparecem nas montanhas. A população local não tem ideia de quem são”, acrescentou.

No dia 7 deste mês, três policiais foram mortos e dezenas ficaram feridos quando um carro-bomba explodiu perto da sede de segurança regional do sul do Sinai. Seis soldados morreram no mesmo dia por disparos feitos a partir de um veículo próximo ao Canal de Suez, enquanto um lança-granadas atingiu um grande transmissor via satélite no sul do Cairo. Foi o primeiro atentado desse tipo cometido na capital. Essa violência aparece em um cenário de polarização sem precedentes após a derrubada de Morsi, em 3 de julho.

Um dia antes dos ataques do dia 7, mais de 50 manifestantes favoráveis a Morsi foram assassinados por forças de segurança em diferentes partes do país. Após um ano no poder, Morsi – primeiro chefe de Estado eleito livremente no Egito – foi tirado da Presidência e preso pelas forças armadas após manifestações maciças contra seu governo. Os novos governantes, apoiados pelos militares, mantêm detido o ex-presidente em local não revelado.

Os opositores de Morsi dizem que sua derrubada foi a “segunda revolução”, depois do levante de janeiro de 2011, que acabou com 30 anos de poder do presidente autocrático Hosni Mubarak. Por outro lado, quem apoia Morsi se refere a um “golpe militar” contra um presidente democraticamente eleito. Em pouco mais de três meses desde sua derrubada há manifestações diárias em todo o país, a grande maioria pacífica, pedindo a volta de Morsi ao poder. Mas também são cada vez mais frequentes os ataques contra policiais e militares.

Em meados de agosto, 25 policiais morreram em um único ataque no norte do Sinai. O incidente aconteceu cinco dias depois do massacre de centenas de manifestantes pacíficos favoráveis a Morsi. Até agora, a violência no Sinai está confinada ao nordeste da península, perto das fronteiras do Egito com Israel e a Faixa de Gaza. O ataque do dia 7 contra a direção de segurança foi o primeiro realizado no sul. As forças armadas decidiram lançar uma operação em toda a península para erradicar a “insurgência”. Os meios de comunicação estatais e privados promovem a campanha do exército, retratando-a como uma “guerra contra o terrorismo”, ao estilo dos Estados Unidos.

Nas últimas semanas as forças armadas demoliram casas no nordeste do Sinai, argumentando que pertenciam a líderes da insurgência. Também destruíram quase completamente a rede de túneis que ligavam Egito com a sitiada Faixa de Gaza, e mataram dezenas de “insurgentes e elementos criminosos”. Segundo porta-vozes do exército, na operação morreram mais de cem soldados.

Nenhuma organização assumiu a responsabilidade pelos ataques, com umas poucas exceções recentes, como o do sul do Sinai, reivindicado pela pouco conhecida organização Ansar Beit al-Maqdis, que opera na península. As autoridades dizem que os atentados são obra de “terroristas” ligados à Irmandade Muçulmana, a organização de Morsi. Centenas de integrantes da Irmandade Muçulmana de alto e médio escalão foram detidos por “incitar à violência”.

A Irmandade, por sua vez, nega toda ligação com a violência no Sinai, e diz estar comprometida com o protesto pacífico para restabelecer a “legitimidade constitucional”. Segundo o jornalista Al Bulk, que trabalha na cidade de Al Arish, norte do Sinai, os insurgentes não passam de dois mil no total. “Não têm uma direção unificada, nem uma denominação comum”, afirmou.

Durante seu governo, Morsi tentou “chegar a acordos” com alguns desses grupos, acrescentou. “Em troca de não atacarem as forças de segurança nem os gasodutos, deram relativa liberdade de movimento a eles”, ressaltou. No entanto, Al Bulk despreza as acusações de apoio ou financiamento da Irmandade Muçulmana. Por outro lado, não descarta que “pelo menos alguns destes grupos sejam controlados, ou influenciados, por agências de inteligência estrangeiras com interesses no Sinai”.

A península é habitada por tribos beduínas com uma relação tradicionalmente difícil com o governo do Egito. A última década da era Mubarak foi marcada por ataques ocasionais na área, também de “elementos não identificados”, aos quais sempre se seguiam prisões indiscriminadas de milhares de moradores. Seif Abdel-Fattah, professor de ciência política na Universidade do Cairo e ex-assessor de Morsi (renunciou ao cargo em novembro de 2012), apontou que há “várias partes” interessadas em uma escalada da violência no Sinai.

“Além dos grupos islâmicos rebeldes existem os que se interessam por manter a histórica posição do Sinai como rota importante do contrabando de armas e drogas, sem mencionar outras ações criminosas”, explicou Fattah à IPS. Todas essas organizações estão preparadas para usar a violência e atacar as forças de segurança “quando se ajustar aos seus propósitos”, acrescentou. Fattah também descarta vínculos diretos entre a Irmandade Muçulmana e a violência no Sinai.

“É um assunto de ação, reação e contrarreação. Cada vez que as forças de segurança buscam sufocar essas organizações insurgentes no Sinai, elas respondem desferindo um golpe”, afirmou Fattah. No dia 9 deste mês, um alto comandante do exército e três soldados ficaram feridos em um ataque no centro da península. No mesmo dia, houve outros atentados. O professor atribui o caos no Sinai ao “vazio de segurança regional” criado pelos termos do acordo de paz de Camp David, que o Egito assinou com Israel em 1978.

Pelo tratado, o Egito não pode fazer nenhum movimento militar importante no Sinai sem autorização de Israel. Assim, até a última operação (à qual o Estado judeu deu seu apoio tácito), a península carecia de uma efetiva presença de forças de segurança. Em agosto, um aparente ataque de Israel com “drones” (aviões teledirigidos) no norte do Sinai incentivou intensas especulações de uma maior coordenação de segurança entre os dois países. O acordo de “Camp David estipula certo grau de cooperação de segurança no Sinai. A coordenação se manteve sob o governo de Mubarak, continuou durante o de Morsi e também agora”, afirmou Al Bulk. Envolverde/IPS