Para o cidadão consumidor, eventuais transformações para melhor na matriz energética poderão significar, além da menor poluição do ambiente, menos despesas. Leia uma análise sobre o setor, no Brasil.
Por Washington Novaes –
Nas últimas semanas o jornal O Estado de S. Paulo tem publicado notícias animadoras para o setor sucroalcooleiro, principalmente quanto ao interesse de investidores, até mesmo do exterior, na compra de instalações voltadas para a produção de energia elétrica com bagaço de cana-de-açúcar. É importante, já que de 380 usinas existentes 170 vendem energia (Estado, 18/5), a partir de sua capacidade de 9.331 MW (equivalentes a 70% da energia da usina de Itaipu). Mas o setor sucroenergético está em crise – 80 usinas paradas, 23 em recuperação judicial –, por várias razões. Sua recuperação poderá levar a avanços relevantes no setor de energia em geral: as biomassas só participam com 4% da matriz energética; com a expansão da energia produzida com o bagaço essa participação poderia ser multiplicada por quatro (Agência Estado, 8/5), já que hoje 97% da área de produção de cana está mecanizada.
Entre outras vantagens, além da baixa emissão de poluentes, está a de que o preço médio da energia ali fica em R$ 210/ MWh (18/5), segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), enquanto o País tem pago algumas vezes mais, com preços até acima de R$ 600 (e de R$ 540 no consumo pelas indústrias, por exemplo), por causa do acionamento maciço de termoelétricas, com a queda na geração por hidrelétricas, dada a crise da água. Esse acionamento das térmicas, além da alta poluição, já custou às redes de distribuição mais R$ 25 bilhões (14/5) – tanto quando todo o programa Bolsa Família, segundo o consultor Raul Velloso (Estado, 14/5).
Na Câmara dos Deputados, em Brasília, está em discussão projeto apoiado pela Frente Parlamentar de Valorização do Setor Sucroenergético que propõe revisão de dívidas do setor (R$ 50 bilhões) e apoio à geração energética do bagaço de cana. Mas o panorama ainda está tão favorável às termoelétricas que um grande grupo econômico norte-americano vai instalar uma usina desse tipo no Rio Grande do Sul, com investimento de US$ 2,7 bilhões, para fabricar fertilizantes a partir do carvão gaseificado (Agência Estado, 8/5).
Para o cidadão consumidor, eventuais transformações para melhor na matriz energética poderão significar, além da menor poluição do ambiente, menos despesas. A bandeira tarifária já reflete o custo das termoelétricas, que subiu R$ 2,4 bilhões por causa delas (Estado, 14/5). Mas ainda não se conseguiu a vantagem dada aos condomínios residenciais – 20% a 30% menos. A Aneel exige (14/5), para a redução na conta dos consumidores residenciais, que eles sejam pessoas jurídicas.
Impressiona verificar que o Brasil, com seu enorme potencial para geração de energias renováveis – sol o ano todo, água, território para biomassas, marés, ventos em muitas áreas favoráveis –, ainda venha ocupando apenas o sétimo lugar entre os investidores nessa área. E é exatamente com o aumento da geração de energia eólica que este ano o País deverá voltar à lista dos maiores investidores no mundo (Estado, 1.º/4), de acordo com informações do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). No ano passado o investimento total foi de US$7,6 bilhões, dos quais 84% se destinaram a usinas eólicas.
No mundo, em 2014 foram 17% em energias renováveis, um total de US$ 83,8 bilhões, dos quais quase um terço para eólicas e solares. Aqui, a eólica hoje responde por apenas 4,5% da matriz geral, com 6 GW. Na União Europeia, as renováveis significam 15% da matriz. E se espera que cheguem a 20% em pouco tempo, com destaque para a Suécia (52,1% do total) e para a forte progressão dos investimentos na Alemanha.
Muitos estudos de cientistas e universidades têm alertado para a visão de que 80% das reservas de combustíveis fósseis no mundo não devem ser exploradas, como tem sido mencionado em artigos nesta página. O uso desses combustíveis não é compatível com o veredicto científico de que é indispensável conseguir que o aumento da temperatura planetária não exceda 2 graus Celsius até 2050 – e já subiu 0,8 grau. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (ONU), com as tendências atuais a temperatura poderia elevar-se em mais de 3 graus – com consequências dramáticas.
Nesses cenários, fica difícil entender parte das discussões que ocorrem no Brasil no setor de petróleo, principalmente quanto à exploração na área do pré-sal. Já foi dito aqui que nem sequer se conhece quais são as tecnologias adequadas para essa exploração em águas profundas que se pretende usar – e suas consequências. Deixa-se de lado a visão econômica para o setor, depois que os preços do barril de petróleo caíram mais de 50%. Também – como lembra o economista José Roberto Mendonça de Barros (Estado, 3/5) – a capacidade de investimento da empresa estatal é praticamente nula, após os escândalos que estão nos jornais: “O setor ficará longe de ser o puxador do crescimento que se imaginava”.
E mesmo que não estivessem presentes esses fatores, que pensa o governo brasileiro das restrições ao petróleo, ao carvão, ao gás – no quadro do clima? Que fará, no quadro da crise econômica atual, sabendo que nossa empresa de petróleo, segundo a revista Forbes, caiu no ranking das maiores empresas, do 10.º lugar que ocupava para o 416.º? Países mais ricos continuam subsidiando os preços do petróleo. Por aqui, o quadro de crise certamente põe em questão esse rumo.
E se o panorama das hidrelétricas também parece complicado, principalmente na Amazônia, a esperança maior só pode estar na biomassa, assim como na energia eólica (desde que se resolva o problema da conexão das geradoras à rede de transmissão) e na solar, que terá em agosto um leilão exclusivo para vender sua energia.
É preciso insistir: o Brasil pode ter um caminho muito promissor se fizer uma opção clara pelas energias renováveis – sem perder mais tempo, nesta hora em que tantos países aceleram a marcha. (O Estado de S. Paulo/ #Envolverde)
* Washington Novaes é bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, turma de 1957, e jornalista há 53 anos.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.