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Sírios lutam contra as penúrias em zonas rebeldes

Civis perto de Ma’arrat an-Nu’man. Foto: Shelly Kittleson/IPS
Civis perto de Ma’arrat an-Nu’man. Foto: Shelly Kittleson/IPS

 

Províncias de Idlib e Aleppo, Síria, 11/10/2013 – Combatentes do Exército Livre Sírio (ELS) montam guarda em um prédio da companhia estatal de serviços a cabo para evitar saques, no distrito de Jan al Assal, 14 quilômetros a oeste de Aleppo. O resto do lugar parece um povoado fantasma. Perto desta localidade, que as forças rebeldes tomaram em julho, fica Al Rashideen, a primeira linha dos franco-atiradores, nos subúrbios de Aleppo, a maior cidade da Síria, que antes do conflito era um importante centro industrial.

A base de operações dos rebeldes fica no andar de baixo de um prédio abandonado e praticamente destruído. Fora, há cerca de 20 pares de sapatos, e dentro estão os homens sentados e descansando, com seus rifles Kalashnikov ao lado, exceto quando a sala é usada para rezar. Então as armas são colocadas junto a um mosquiteiro sob o qual costumam dormir.

Antes da guerra quase todos eram civis. Agora, nenhum pode se considerar como tal. Os rebeldes bloquearam com escombros a estrada que leva a Aleppo, para impedir que civis em seus veículos “se percam e acabem na linha de fogo de um franco-atirador”, explicou à IPS um soldado do ELS. O mesmo tipo de bloqueio rodoviário “temporário” se vê em outros lugares.

Entre as principais cidades ainda circulam alguns ônibus, que, em geral, usam estradas secundárias para evitar ataques. Para atravessar os pontos de controle do regime de Bashar al Assad e do ELS, os civis devem demonstrar que estão “limpos” para as duas partes, ou usar identidades falsas, que podem ser facilmente adquiridas em troca da quantia correta.

Quanto ao combustível, se consegue no Iraque, de refinarias improvisadas nas áreas rebeldes ou pelo contrabando vindo de zonas sob controle do governo. Os três diferem em qualidade e preço, mas todos custam muito mais do que antes da guerra civil, e isso afeta o preço de outros produtos.

A escassez de pão, combustível e atendimento médico faz sofrer a população em áreas ocupadas pela insurgência. As padarias, escolas e hospitais são alvos habituais das tropas governamentais. Além disso, o governo nega acesso a organizações humanitárias, como a Médicos Sem Fronteiras (MSF) que, no entanto, administra várias clínicas em lugares não revelados de zonas rebeldes.

A IPS visitou um hospital de campanha em Ma’arrat an-Nu’man, sul da província de Idlib, perto da estrada que liga Hama, 200 quilômetros ao norte de Damasco, e Aleppo, a 150 quilômetros. “Os combatentes não pagam, mas os civis pagam metade do custo do tratamento”, disse um médico que trabalha no lugar. No começo, moradores de Damasco enviavam dinheiro clandestinamente para manter este hospital, mas como isto ficou muito perigoso, seu funcionamento agora se mantém com fundos de doadores individuais dos Emirados Árabes Unidos.

Aqui chegam entre 30 e 40 pacientes por dia. O centro de saúde usava seu próprio veículo para transportar os feridos graves para outros hospitais. Entretanto, desde que este quebrou, há um mês e meio, se lança mão de uma combinação de “carros, bicicletas ou o que for de outras pessoas” para levar pacientes até a fronteira com a Turquia, cruzando-a quando necessário, contou o médico.

A incidência de doenças transmitidas por mosquitos, como leishmaniose, cresceu drasticamente desde que começou a rebelião contra Assad, em janeiro de 2011, pela falta de água, energia e serviços públicos, e pelas más condições sanitárias. E só se encontra mosquiteiros em famílias que podem pagar por eles. Em algumas áreas controladas pelos rebeldes há eletricidade, mas não em Ma’arrat an-Nu’man. O zumbido dos contaminantes geradores movidos a diesel alivia os poucos que os têm.

Uma casa, à qual esta correspondente foi convidada, a poucos quilômetros do aeroporto militar Wadi Al Daif, exibe em suas paredes as marcas das balas dos franco-atiradores. Uma janela quebrou. Aqui vivem quatro crianças pequenas com seus pais e o irmão mais novo do pai. Ex-estudante de literatura inglesa na Universidade de Aleppo, esse irmão, de 20 anos, foi obrigado a abandonar sua carreira, pois sua zona de origem – estampada nos cartões de identificação dos estudantes sírios – era conhecida pelos rebeldes. Ele também acabou pegando em armas.

Nos dias em que esta repórter da IPS passou neste país, ouviu histórias semelhantes com frequência. Outro homem de vinte e poucos anos, que vivia em Dubai, foi proibido pelo regime de viajar para o exterior após regressar à Síria no começo do levante. Agora combate com uma pequena brigada rebelde com base operacional junto à casa de sua família, e busca alguma forma de chegar à Europa.

No começo de setembro, a Organização das Nações Unidas (ONU) informou que a quantidade de refugiados sírios aumentara para mais de dois milhões. Muitos fugiram para Líbano, Turquia, Jordânia e norte do Iraque. Para esta última região, cruzaram mais de 40 mil em apenas dez dias de agosto. Outros foram mais longe: em um só dia de setembro, a guarda costeira italiana levou de volta à costa mais de 400 que viajavam em duas embarcações lotadas.

Na mesma rua onde fica a casa da família que visitamos, há uma mesquita. Um foguete disparado pelas forças do regime destruiu um lado do prédio e deixou uma cratera. “O ataque aconteceu em uma sexta-feira, durante a reza comunitária semanal. Felizmente, todos os fiéis estavam no sótão, por precaução, por isso só morreu um menino”, contou um morador.

Outro garoto, de dez anos, atende no único ponto de venda de cigarros na rua principal. Nos arredores do povoado, três mulheres com seus rostos avermelhados pelo sol e cinco crianças estão sentadas sob uma precária cobertura. Junto há um posto de gasolina improvisado, com baldes, funis e grandes jarros de plástico, que as mulheres manejam enquanto seus maridos contrabandeiam combustível de Hama, cidade controlada pelo governo.

Não há escolas funcionando na área perto de Ma’arrat an-Nu’man, segundo foi informado à IPS. Tampouco há acesso à internet ou recepção de sinais de telefonia celular, e os poucos prédios visitados pela IPS, onde antes funcionavam centros de ensino, agora estão parcialmente destruídos pelos bombardeios. As forças rebeldes se aquartelaram em alguns deles. Envolverde/IPS