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Sociedade civil quer ser cérebro, não apenas braço

O presidente do BID, Luis Alberto Moreno, no seminário com a sociedade. Foto: Raúl Perri /IPS

Montevidéu, Uruguai, 19/3/2012 – As organizações da sociedade civil (OSC) não devem ser “meras executoras” dos projetos de desenvolvimento, mas partícipes de todo o ciclo de políticas públicas, e especialmente garantidoras na tríade que formam com os governos nacionais e os organismos internacionais. Assim afirmaram representantes de organizações não governamentais que participaram da 53ª Reunião Anual da Assembleia de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que aconteceu na capital uruguaia na semana passada.

Na região, “muitas vezes se utiliza as OSC como mero braço executor de políticas públicas desenhadas por outros atores, e não se reconhece sua experiência acumulada”, disse Teresa Herrera, da Rede Contra a Violência Doméstica e integrante do Grupo Consultivo da Sociedade Civil (ConSoc) do Uruguai. Ao marginalizar as OSC da fase de desenho e supervisão das políticas, “não se cria condições para aproveitar as boas práticas que têm, e que poderiam contribuir para um melhor desempenho”, acrescentou.

Os ConSoc são instâncias nacionais nas quais o BID interage com a sociedade civil organizada, e das quais participam grupos de cidadãos com interesses diversos. O BID colocou como uma de suas prioridades promover maior convergência com os governos nacionais e as organizações não governamentais. Para buscar caminhos para este objetivo, foi realizado no dia 16 o seminário O BID, a sociedade civil e os governos: abrindo novas oportunidades de colaboração, com a participação de representantes governamentais, da sociedade civil e do banco.

O próprio presidente do BID, o colombiano Luis Alberto Moreno, destacou nesta atividade que a partir de 2010 o banco vem aumentando o diálogo com a sociedade civil, especialmente por intermédio dos ConSoc. “Há cerca de 170 cooperações técnicas não reembolsáveis sendo executadas por diferentes OSC que operam nos 26 países em que o banco trabalha. Esta carteira de projetos representa investimento não reembolsável de aproximadamente US$ 93 milhões”, destacou.

Também afirmou que em 2011 houve mais de cem reuniões destes grupos consultivos, referentes a temas tão diversos como segurança social, mudança climática, igualdade de gênero e acesso à informação. “Nossa proposta é que a sociedade civil integre desde o começo o processo de construção do conteúdo, e não apenas a execução, dos programas dos governos”, disse à IPS o presidente do instituto não governamental uruguaio para o desenvolvimento de terras e águas Indra, Aler Donadio.

No entanto, Donadio reconheceu que os Consoc são o espaço ideal e o primeiro passo para maior envolvimento da sociedade civil. “São uma grande tela que reflete os pensamentos diversos e muitas vezes adversos de cada um, bem como o guarda-chuva para que trabalhemos juntos”, acrescentou. Com esta opinião concordou o diretor nacional de Política Social do Ministério de Desenvolvimento Social do Uruguai, Andrés Scagliola. As OSC “deveriam incorporar-se ao conjunto deste ciclo da política pública, desde o desenho, a implantação, e também no controle, na auditoria das iniciativas”, afirmou.

“A sociedade civil tem um papel fundamental a jogar, porque partimos da base de que as pessoas não devem ser objeto de ajuda, mas sujeitos de direitos”, acrescentou Scagliola. Ele insistiu que as políticas públicas poderiam se beneficiar dos “recursos, das capacidades e dos conhecimentos que há nessas organizações”. Explicou à IPS que para garantir essa participação se deveria “protocolizar” os vínculos.

“Isto significa que se paute claramente como as OSC deveriam participar, por exemplo, na hora da elaboração de uma política, na implantação e na hora da avaliação. Hoje depende do governo de turno haver instâncias de participação, ou não”, afirmou Scagliola. Esta “protolicozação” pode se concretizar por meio de diferentes normativas, que podem ir desde o status legal até a ordem das resoluções ministeriais, e “sim, consideramos que deve estar regulada e não depender de cada um dos que tomam decisões”, declarou à IPS.

Durante sua intervenção no seminário, Moreno destacou que entre os projetos a favor de uma tríade OSC-governos-BID, em novembro o banco fez uma convocação para projetos comunitários e de redução da pobreza, apoiados com fundos do governo do Japão. “A resposta foi contundente: apresentaram-se mais de quatro mil organizações com interesse em participar, e recebemos cerca de 1.900 propostas dos 26 países que fazem empréstimos”, afirmou.

Porém, o BID nota debilidade no relacionamento entre as OSC e seus próprios governos nacionais. O vice-presidente de países do BID, o brasileiro Roberto Vellutini, ironizou que isto deveria ser melhorado para conseguir que a tríade se pareça mais com a “Santíssima Trindade” e menos com o “Triângulo das Bermudas”. “Notamos que a relação BID-sociedade civil é muito forte. Vamos aprendendo, damos alguns tropeços, mas é uma relação muito forte. Também a relação BID-governos. O que é mais fraco aqui é a relação governo-sociedade civil”, afirmou Vellutini.

No entanto, citou alguns exemplos de governos latino-americanos que deram passos para melhorar seus vínculos com as OSC. O governo do México criou um canal especial para se relacionar com sociedade civil, e Honduras pediu ao BID cooperação técnica para desenhar um plano de relacionamento com organizações não governamentais. Por outro lado, Scagliola opinou que não se pode generalizar. “Não se pode fazer uma análise simples, pois há diversidade de experiências. Nas políticas de seguridade social, nas de saúde e de trabalho do Uruguai, as OSC participam da elaboração e integram os órgãos coletivos”, destacou. Envolverde/IPS