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Somália incapaz de enfrentar proibição de internet determinada pela Al Shabaab

Os somalianos não podem utilizar a internet em seus telefones celulares. Foto: Ahmed Osman/IPS
Os somalianos não podem utilizar a internet em seus telefones celulares. Foto: Ahmed Osman/IPS

 

Mogadíscio, Somália, 19/2/2014 – Osman Ali, proprietário de uma loja de produtos eletrônicos na capital da Somália, está em apuros desde que a organização terrorista islâmica Al Shabaab obrigou a maior operadora de telecomunicações do país a suspender seu serviço de internet móvel. Suas vendas caíram drasticamente. “Não entendo como o governo nada fez para enfrentar essa situação. Pelo menos poderia ter buscado uma alternativa. Isso jogou o país nas trevas. Estamos ficando para trás”, protestou Ali à IPS, em sua loja.

Em janeiro, a Al Shabaab deu um ultimato de 15 dias à firma Hormuud Telecom para que suspendesse seus serviços de internet móvel e de fibra ótica, alegando que espiões ocidentais os usam para reunir informação sobre os muçulmanos. Segundo o portal de estatísticas da internet World Stats, mais de 125 mil dos dez milhões de habitantes desse país do Chifre da África utilizam a rede mundial de computadores.

Dezenas de milhares de pessoas que dependiam dos serviços da Hormuud não podem acessar a internet em seus celulares desde o dia 6. Porém, as conexões de banda larga ainda funcionam. Segundo o prefeito de Mogadíscio, Mohammad Nur Tarzan, diretores da companhia de telecomunicações informaram que seu pessoal foi obrigado a cortar o serviço “sob a mira de revólver” por combatentes da Al Shabaab.

A Hormuud, que garante controlar “mais de 60% do mercado em serviços móveis e de banda larga” no centro e sul da Somália, ainda não deu uma declaração oficial a respeito. No entanto, um executivo que pediu para não ser identificado disse à IPS que a empresa não teve opção a não ser ceder à ameaça. “Não creio que tivéssemos alternativa. Somos apenas empresários e não podemos desafiar as ordens de um grupo armado. Fizemos tudo o que pudemos para convencê-los de que nossos serviços não afetavam o público de nenhuma maneira, mas foi em vão”, acrescentou o executivo.

A companhia suspendeu o serviço não apenas em áreas controladas pela Al Shabaab, mas em todo o centro do país e em Mogadíscio. Nas autoproclamadas repúblicas independentes de Puntlândia (nordeste) e Somalilândia (noroeste), as conexões não foram afetadas, pois ali funcionam redes de telefonia móvel independentes. Funcionários públicos lamentaram que a empresa tenha cedido à pressão dos islâmicos, mas as críticas ao governo por sua “falta de ação” são generalizadas.

Em uma declaração do dia 11 deste mês, o ministro do Interior, Abdikarim Hussein Guled, repudiou o cancelamento do serviço e advertiu as empresas para não cooperarem com os radicais. Nas redes sociais somalianas o governo é responsabilizado, sob a argumentação de que, se ao menos tivesse protegido e dado segurança às empresas, teria autoridade para ordenar a continuação dos serviços. No dia 16, o presidente Hasan Sheij Mohamud afirmou que seu governo, com ajuda das tropas de paz africanas, “sufocará” nos próximos meses a milícia da Al Shabaab.

Maryan Ali, estudante de 20 anos de Mogadíscio, está quase há uma semana sem poder acessar a internet em seu telefone celular. “Costumava acompanhar as notícias e a informação sobre o mundo com meu celular, e me comunicar com minha família e meus amigos, mas agora não dá”, contou à IPS. Em um comunicado, a Al Shabaab disse que a internet móvel permite que “o inimigo” lance ataques aéreos em áreas sob seu controle, “causando a morte e a caça de jihadistas” (combatentes islâmicos).

Mohammad Yusuf, acadêmico de Mogadíscio, acredita que esta medida do grupo terrorista está motivada pelas revelações de Edward Snowden, ex-empregado da Agência Central de Inteligência e da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, sobre os programas de vigilância de Washington dentro e fora de seu território.No ano passado, Snowden divulgou documentos secretos mostrando como o governo norte-americano intercepta informação da internet e telefonemas em todo o mundo.

“A Al Shabaab não escondeu que sua ação está motivada pelas revelações de Snowden e também por temer ser um objetivo de espionagem dos Estados Unidos”, pontuou Yusuf à IPS. Segundo o acadêmico, a principal razão para proibir o serviço é a possibilidade de as conexões da internet móvel ser usada para rastrear líderes e comandantes da Al Shabaab, que para Washington é uma organização terrorista e um objetivo legítimo de ataques com drones (aviões não tripulados).

Para o estudante Mustaf Jama, a internet é a principal fonte de informação para seus cursos universitários e agora é obrigado a ir a cibercafés para se conectar. “Era muito útil usar a internet móvel para checar dados, informação e notícias, mas isso já não é possível. Retrocedemos um quarto de século. Não sabemos o motivo de nos castigarem dessa maneira”, enfatizou à IPS. Envolverde/IPS