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Somália radicaliza a educação

O programa de estudos islâmicos usado nas escolas da Somália está pautado por uma forma radical do Islã que, segundo analistas, contribui para o aumento da insurgência entre os jovens do país. Foto: Ahmed Osman/IPS
O programa de estudos islâmicos usado nas escolas da Somália está pautado por uma forma radical do Islã que, segundo analistas, contribui para o aumento da insurgência entre os jovens do país. Foto: Ahmed Osman/IPS

 

Mogadíscio, Somália, 8/10/2013 – Há uma década, Mujatar Yama dá aula em uma escola secundária de Mogadíscio. A educação religiosa é parte fundamental do programa escolar na Somália, mas, segundo Yama, a maioria dos pais não sabem exatamente o que é ensinado aos seus filhos: uma forma radical do Islã. “O programa de estudos islâmicos (que se implanta) é o wahabismo puro, exportado da Arábia Saudita, que ensina às crianças que todos os que não são wahabis não são crentes, incluindo os pais das crianças, e que é certo matar pessoas que não sejam muçulmanas”, contou à IPS.

Embora faltem estatísticas sobre quantas escolas existem na Somália, sabe-se que a maioria segue o programa saudita, que promove e inculca o wahabismo. Essa é uma interpretação muito mais radical do Islã do que a moderada escola sufi, à qual adere a geração de somalianos mais velhos. A radicalização dos jovens já começou a ultrapassar as fronteiras desse país devastado pela guerra, estendendo-se para os vizinhos e influenciando na frágil situação de segurança da região.

Arraigou-se no solo da Somália e do Quênia, mas também em toda a sub-região, disse à IPS Omar Yusuf, analista radicado em Mogadíscio. “Os fatos ocorridos em Westgate (centro comercial queniano que sofreu um atentado terrorista em setembro) talvez sejam um dos muitos chamados para que os governos da região despertem, no sentido de enfrentarem a crescente radicalização, e constituem o passo lógico seguinte da insurgência mortal dos jovens da região”, destacou.

O ataque de 21 de setembro em Westgate, em Nairóbi, cometido pela organização islâmica somaliana Al Shabab, deixou mais de 70 mortos e dezenas de feridos. Essa organização, vinculada à rede extremista Al Qaeda, manifestara reiteradamente que tomaria o Quênia por alvo depois que soldados desse país cruzaram a fronteira, em 2011, e desalojaram combatentes do Al Shabab de áreas estratégicas do sul da Somália, incluída Kismayo.

A Al Shabab promove a criação de um Estado islâmico não apenas na Somália, mas em toda a África oriental, e é adepto da fundamentalista escola wahabi. A ideologia da organização parece estar ganhando terreno na Somália por vários motivos. “Pensemos: as escolas na Somália atribuem à Al Shabab os ensinamentos ideológicos radicais para os jovens, e quando estes se formam só é preciso lhes dar treinamento militar, e então se tem um combatente qualificado da Al Shabab”, explicou Yusuf.

Tanto pais como professores parecem divididos sobre o que se ensina nas escolas somalianas. Alguns o aceitam com parte da educação religiosa dos filhos, e outros se preocupam por serem doutrinados para serem wahabis sem seu consentimento. “Fiquei sabendo que na escola doutrinam meu filho com pontos de vista extremistas. Tive que mudá-lo de escola várias vezes, mas todas as escolas em Mogadíscio usam os mesmos livros wahabis que temos na Arábia Saudita. Em pouco tempo todo o país terá se convertido ao wahabismo”, disse à IPS um pai que pediu para não ser identificado.

Outro pai, Omar Kulmiye, não acredita que seus filhos estejam sendo radicalizados por este tipo de ensinamento. “Não sei muito de religião, mas o que aprendem sobre o Islã para mim está bem, e não percebi nada diferente em meus filhos desde que começaram na escola, há cinco anos”, contou à IPS.

Zakia Hussen, pesquisadora do Heritage Institute for Policy Studies, com sede em Mogadísicio, explicou que “não há uma só causa, mas vários fatores que levam ao recrutamento de jovens somalianos para a insurgência”. Em particular, Hussen mencionou três fatores que contribuíram para a radicalização e a insurgência entre os jovens somalianos: falta de participação política, de emprego e de oportunidades educacionais. “A busca por uma ‘segunda família’ e o sentido de pertinência, que os grupos insurgentes oferecem, atraem muitos jovens”, pontuou.

“Aos jovens recrutas são oferecidos um grupo ao qual pertencer, um trabalho com salário e também casamento, coisas que de outro modo seriam difíceis de conseguir na sociedade somaliana”, acrescentou Hussen. O desemprego entre os jovens na faixa dos 14 aos 29 anos é de 67%, um dos maiores do mundo. Segundo a edição de 2012 do Informe de Desenvolvimento Humano da Somália, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), 70% dos 10,2 milhões de habitantes do país têm menos de 30 anos.

O ataque em Westgate não foi uma surpresa, pois a Al Shabab vem estendendo seus tentáculos de radicalização para a região, disse à IPS o especialista em segurança local, Muhumed Abdi. “Essa crise foi fermentando durante anos. Os grupos radicais descobriram que não só a Somália mas também os países vizinhos eram terreno fértil para se expandir e recrutar, já que os governos da região aparentemente não estavam em alerta”, afirmou Abdi.

No entanto, o governo da Somália, junto com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e sócios internacionais, tenta atualmente implantar uma iniciativa ambiciosa para que um milhão de crianças se matriculem nas escolas. Por meio da mesma, o governo também propôs mudanças no programa, com a esperança de que isso ajude a combater o radicalismo. Segundo o Unicef, a taxa de matrículas na Somália está entre as menores do mundo: apenas quatro em dez crianças vão à escola.

O governo enfrenta uma enorme resistência por parte dos administradores de escolas privadas e de pais que temem que as mudanças impliquem uma educação vazia de ensinamentos morais religiosos para os jovens. organizações islâmicas condenaram a campanha por considerá-la uma tentativa governamental de ocidentalizar a educação somaliana e marginalizar os estudos religiosos. A IPS telefonou várias vezes para o Ministério da Educação da Somália, mas não obteve resposta, enquanto um funcionário se negou a dar declarações sobre as denúncias de que as escolas são usadas como celeiro de insurgentes.

Entretanto, Hussen indicou que o governo reconhece que os jovens são “o futuro da Somália” e precisam de empoderamento. De todo modo, “o governo não foi de muita ajuda na implantação disso, já que os jovens ainda estão muito marginalizados da arena política”, enfatizou.

Yusuf concorda, mas diz que o enfoque tem de ser muito mais radical e que se deve começar olhando criticamente o tipo de educação que as crianças somalianas recebem nas escolas. “É preciso abordar de modo integral os problemas dos jovens na Somália, porque a Al Shabab, que significa ‘juventude’ em árabe, se deu conta do potencial desse setor da população e trabalha em nossas escolas para capitalizá-lo. Temos que mudar isso”, opinou. Envolverde/IPS