Berlim, Alemanha, 6/7/2011 – Às vezes é preciso sonhar com um camelo e se conformar com uma cabra, disse a chanceler da África do Sul, Maite Nkoana-Mashabane, perante delegados de 35 países reunidos na capital alemã, para explicar o pragmatismo com que se deve encarar as negociações internacionais em matéria de mudança climática.
Este ditado somaliano se refere aos desejos versus as possibilidades reais, explicou Nkoana-Mashabane. Como em um mercado da Somália, nas negociações por um acordo vinculante para mitigar o fenômeno é preciso desejar um camelo, mas saber que o melhor que se pode conseguir é uma cabra, acrescentou.
Neste caso, a “cabra” seria um acordo internacional que comece a vigorar em 2013, mas sem a ratificação de Estados Unidos e China e, talvez, tampouco de outras nações industrializadas, como Japão e Canadá, embora se espere que com o tempo esses países acabem assinando o tratado.
A cúpula de Berlim, organizada pelos governos da Alemanha e da África do Sul no final de semana, se concentrou em relançar as negociações para conseguir um acordo internacional capaz de reduzir as emissões de gases-estufa e frear o aquecimento global. Está previsto que o tratado seja assinado em novembro na cidade sul-africana de Durban.
As negociações, coordenadas pela Convenção Marco das Nações Unidas para a Mudança Climática, estão paralisadas há anos, especialmente pela negativa de Washington em aceitar um acordo vinculante. Os Estados Unidos são o maior emissor de gases causadores do efeito estufa por habitante.
O impasse significa que nada será assinado em Durban. Nem mesmo existe um rascunho com possibilidades de ser aceito pelos governos dos Estados Unidos e de outras nações industrializadas. Sem acordo, não haverá marco normativo que regule a redução de emissões contaminantes a partir de 2013.
O ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Norbert Roettgen, interpretou a participação das delegações norte-americana e chinesa na reunião de Berlim como um bom sinal. A China é o país que emite a maior quantidade de gases-estufa, que junto com os Estados Unidos liberam na atmosfera mais de 40% do total.
Os participantes da cúpula concordaram que o Protocolo de Kyoto, que regula a redução de emissões dos países industrializados até o final de 2012, “não está morto”, disse Roettgen. O governo norte-americano não ratificou este documento porque sem a inclusão de grandes emissores, como a China, o plano de redução é prejudicial para os países industrializados. “Os participantes concordaram que o Protocolo de Kyoto é um modelo sobre como desenhar uma política ambiental internacional”, acrescentou.
O ministro alemão teme que o novo marco normativo para reduzir as emissões contaminantes não seja assinado em Durban. Porém, espera que se consiga um “substancial progresso” com objetivos claros dentro de um regime obrigatório. Roettgen também afirmou que os países da União Europeia estão dispostos a ratificar um novo compromisso para reduzir suas próprias emissões de gases-estufa. Dentro de alguns anos, “quando o momento político for adequado, esses resultados poderão se integrar a um acordo global vinculante”, acrescentou.
A agenda não oficial para um acordo obrigatório depende dos acontecimentos políticos nos Estados Unidos e na China, disse uma fonte alemã que pediu para na ser identificada. “No momento, e até 2013, Washington é incapaz de ações em questões internacionais, como no caso das negociações climáticas”, afirmou. “O presidente Barack Obama não assinará nenhum acordo que considere desvantajoso para sua economia antes das eleições de 2012”, acrescentou.
Além disso, se prevê que em Pequim os atuais governantes, o presidente Hu Jintao, e o primeiro-ministro, Wen Jiabao, e o presidente do Congresso Nacional do Povo, Wu Bangguo, se retirarão no ano que vem.
“Se Obama vencer as eleições presidenciais, é possível que assine um acordo internacional para mitigar a mudança climática em 2013 ou 2014. É possível, também, que um novo governo chinês possa estar pronto no mesmo período”, segundo a fonte alemã. Então, outros países industrializados poderão seguir o exemplo europeu, como Japão e Canadá, até agora reticentes em aceitar objetivos de redução de gases-estufa.
Para alguns pesquisadores, são muitas situações hipotéticas. “Se não alcançarmos o máximo de emissões dentro de cinco anos, ou no máximo em dez anos, e começarmos a reduzi-las, será impossível evitar que o aquecimento global não passe dos dois graus centígrados”, comparado com as temperaturas médias de 200 anos, antes da Revolução Industrial, disse Stefan Rahmstorf, do Instituto Potsdam para a Pesquisa do Impacto Climático.
Existe um consenso entre os cientistas de que é preciso respeitar esse limite para evitar mudanças climáticas fundamentais e grandes catástrofes como graves secas, furacões mais frequentes e intensos, e elevação do nível do mar, alertou Rahmstorf. Para evitar que o aquecimento supere os dois graus, as emissões de gases-estufa deverão cair pela metade até 2050. Esses dois objetivos, já reconhecidos em numerosos acordos internacionais, são inatingíveis sem Estados Unidos e China em um futuro acordo.
“Gosto do ditado do camelo e da cabra”, disse a chefe de governo da Alemanha, Angela Merkel, aos delegados presentes na cúpula. “Entretanto, temos que evitar citá-lo em voz alta nas negociações sobre mudança climática, porque é possível que não consigamos nem a cabra, quanto menos o camelo com o qual sonhamos”, acrescentou. Envolverde/IPS