Wuba, Gana, 7/5/2013 – É um dia útil, mas Musah Razark Adams, de 13 anos, que cursa a quinta série na localidade de Wuba, em Gana, está parado em um arrozal segurando um estilingue, pronto para atirar pedras contra os pássaros. Trabalha das 7h às 18h espantando aves e recebe US$ 10 por mês, além de uma saca de 25 quilos de arroz ou milho, para cada meio hectare de terra que protege. Adams e outros estudantes participam da árdua tarefa popularmente conhecida no norte de Gana como “longe”, que busca impedir que os pássaros se alimentem das plantações de arroz, o que costumam fazer no horário de aula.
Em termos gerais, a escola é gratuita nesta nação da África ocidental, embora cada uma cobre seus próprios custos adicionais. E as crianças, ironicamente, trabalham com “longe” para pagar os gastos extras, como as cotas da Associação de Pais e Mestres e para comprar material de estudo. “Quando as aulas começaram este ano, pedi ao meu pai dinheiro para comprar o material, e ele disse que eu fizesse como os outros. Disse que não tinha dinheiro. Por isso tenho que espantar pássaros porque toda a produção da nossa terra foi vendida para poder alimentar nossa família”, explicou Adams à IPS.
O jovem sonha poder ganhar dinheiro suficiente para comprar sapatos e satisfazer suas necessidades educacionais básicas: uniforme escolar, livros e lápis. Mas agora seu sonho parece muito difícil de alcançar, já que não tem o equivalente a US$ 30 para concretizá-lo. O “longe” é uma prática cultural comum em várias regiões de Gana, onde os meninos deixam de ir à escola durante pelo menos um mês, de abril a maio, e novamente de agosto a setembro.
O pai de Adams, Iddrisu, de 45 anos, tem mais cinco filhos e disse à IPS que não tem condições econômicas para mantê-los, por isso trabalham com “longe”. O irmão de Adams, Seidu, de 15 anos, também espanta pássaros. “Embora sinta vergonha de obrigar as crianças a participarem do “longe”, não tenho alternativa para conseguir dinheiro a fim de mantê-los”, contou o pai.
Robert Owusu, produtor de arroz de Nyanpkala, na Região Norte, disse à IPS que, “se não há pessoas para cuidar da plantação ao longo do dia, os pássaros comem todo o arrozal”. O produtor acrescentou que “atualmente não temos outro método para espantar aves, apesar de sabermos que está em jogo a educação dos meninos”, lembrando que os adultos não são empregados para esse trabalho por serem muito caros.
Embora os pais não considerem que estão infringindo a lei, esta prática é uma das muitas instâncias de trabalho infantil no norte de Gana. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define trabalho infantil como todo aquele que “priva as crianças de sua infância, seu potencial e sua dignidade, e que é prejudicial para seu desenvolvimento físico e psicológico”. Isto inclui as tarefas que interferem em sua educação. Nos últimos anos o Departamento de Bem-Estar Social, o Departamento de Infância e a OIT iniciaram medidas para reduzir o trabalho infantil neste país, mas afirmam que estas estratégias esbarram na pobreza que há em muitas comunidades.
Sanday Iddrisu, diretor interino do Departamento de Infância da Região Norte, afirmou à IPS que a Lei de Infância de Gana diz que nenhum menor deve ser privado de acesso à educação, e proíbe que pais e outros indivíduos submetam uma criança à exploração do trabalho. “Basicamente, tanto as regulações internacionais como as nacionais estão contra as práticas que expõem as crianças a esta forma de trabalho e que as impedem de ter uma educação”, como os demais, acrescentou. Segundo o diretor, muitas das campanhas nas quais embarcaram seu departamento e o de Bem-Estar Social resultaram inúteis, porque os pais dos meninos que trabalham costumam usar a pobreza como desculpa, afirmando que não podem atender as necessidades de seus filhos sem que eles tenham um emprego.
Embora exista um Plano Nacional de Ação para a Eliminação do Trabalho Infantil em Gana, um estudo da Unidade de Proteção Infantil do Departamento de Trabalho afirma que a nação fez pouco para erradicar esta prática. Cerca de 1,27 milhão de meninos e meninas entre cinco e 17 anos neste país de 25 milhões de habitantes participam de atividades classificadas como trabalho infantil, disse à IPS Emmanuel Otoo, representante da OIT em Gana.
“Devemos voltar nosso olhar e nossos recursos para a implantação dos detalhes das muitas convenções e leis locais e internacionais que Gana ratificou, incluindo os convênios da OIT, a Carta da União Africana sobre os Direitos e o Bem-Estar da Criança, a Constituição de Gana e a Lei de Infância de Gana de 1998”, acrescentou Otoo.
Naa Alhassan Issahaku Amadu, encarregado de população da Região Norte, afirmou que o trabalho infantil afeta o crescimento e o desenvolvimento intelectual, social e físico dos menores. “As crianças necessitam de seis horas universalmente aceitas de contato professor-aluno. E se não vão à aula por causa do “longe” perderão tudo o que lhes foi ensinado”, explicou à IPS. O diretor da escola onde Adams estuda, Abdul-Salam Hamza Fataw, afirma que os meninos que se dedicam a espantar pássaros não conseguem acompanhar o curso lógico das lições. E acrescentou que, no período abril-maio do “longe”, uma sala de 50 alunos fica com apenas oito.
Umal Mohammad Farhim, supervisor do Serviço de Educação de Gana na Região Norte, declarou à IPS que meninos e meninas têm direito a receber educação. “Estatísticas da Escola Primária de Wuba, por exemplo, mostram que no ano passado menos de 40% dos estudantes passaram nos exames de fim de período”, afirmou. Um relatório formal será enviado ao escritório principal do Serviço de Educação em Tamale, a capital da Região Norte, se um enfoque de mudança de comportamento para o próximo ano letivo não conseguir abordar o problema.
Porém, Afua Ayisibea Ohene-Ampofo, gerente de projeto do escritório do norte do Centro Internacional para o Desenvolvimento de Fertilizantes, que se dedica à segurança alimentar, disse à IPS que não é possível acabar com esta prática devido à sua dimensão cultural. Para ela, o problema do trabalho infantil está estreitamente vinculado a tradições que não veem nenhum conflito em incentivar as crianças a trabalharem para cobrirem suas necessidades.
Ohene-Ampofo, que trabalha em vários projetos na região há dez anos, pontuou que a pobreza que faz as famílias obrigarem seus filhos a continuarem o círculo vicioso do “longe” poderia diminuir se os pais tivessem uma formação alternativa como padeiros, desenhistas de moda, apicultores ou fabricantes de sabão. Até lá, Adams terá que continuar trabalhando. “Meu sonho de ser professor pode se transformar em cacos se não me mantiver a mim mesmo desta maneira. Realizar este trabalho faz com que me sinta mal, mas tenho que fazê-lo para garantir meu futuro. Não tenho opção”, afirmou o garoto. Envolverde/IPS