Após andar durante pouco mais de cinco minutos dentro do Pinheirinho D’água, parque do distrito de Jaraguá, na zona oeste de São Paulo, chega-se ao que Ana Sueli Ferreira da Silva, de 45 anos, chama de “lugar favorito no mundo”. “Olha que bonito é aqui. Eu gosto porque é aberto, o vento bate naquelas árvores lá em cima e faz um barulho tão gostoso de ouvir”, diz, justificando a preferência. A cerca de 200 metros dali, a nascente de um córrego foi soterrada junto de 150 árvores com a ajuda de mil caminhões de terra e entulhos, jogados no parque sem qualquer tipo de autorização.
O Pinheirinho D’água é uma das últimas áreas de reserva de Mata Atlântica dentro da capital paulista. Com 250 mil metros quadrados – o equivalente a 60 campos de futebol – , 70% de sua extensão configura Área de Preservação Permanente (APP), o que faz do aterramento nada menos do que um crime ambiental.
Em volta do parque há escolas, prédios da CDHU e Cohabs. Todo o esgoto gerado passa a céu aberto dentro do Pinheirinho D’água. Sueli, que faz parte do Conselho Gestor, conta que há dez anos os moradores do bairro reivindicavam à Subprefeitura de Pirituba – responsável por administrar a região – a implantação de uma rede coletora de esgoto. Em abril ficou acertado que a Sabesp realizaria as obras. “Nós todos ficamos muito felizes com o acordo. Mas o tempo passava e eles não divulgavam o orçamento, nem qual empresa seria responsável pelo trabalho”, relata.
Sem autorização oficial ou registro de licenciamento ambiental, no dia 2 de maio foram iniciados os trabalhos. Para entrar no parque, que é totalmente cercado por grades, um dos portões foi arrebentado. Somente em 21 de junho a autorização da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da prefeitura de São Paulo foi publicada no Diário Oficial do Município.
Encontram-se pedaços de ferro, de cano e concreto entre a terra jogada no local. Com o aterramento, o curso do esgoto foi desviado: se antes passava por debaixo de uma ponte, agora invadiu o espaço de uma trilha feita em meio às árvores. “Essa situação é triste e absurda. Mas isso acontece porque nós estamos em uma região periférica da cidade. Aposto que isso nunca aconteceria em um parque como o Ibirapuera ou o Villa-Lobos”, indigna-se Sueli.
Carlos Eduardo de Jesus, também do Conselho Gestor, afirma que a situação se agrava porque a área soterrada é de brejo, um ambiente sensível que abriga biodiversidade importante para a filtragem de nutrientes e limpeza das águas, além de manter o equilíbrio do ecossistema.
Os moradores questionam a atuação da administração do parque, que nada fez ao perceber que os caminhões entravam no local. O administrador Cristiano Cruz se justifica dizendo ter julgado que o aterramento fazia parte do projeto da Sabesp e que por isso não interferiu.
O Conselho entrou com uma representação no Ministério Público do estado de São Paulo e, na quinta-feira 19, o promotor Washington Luis Lincoln de Assis, da 3ª. Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital, instaurou inquérito civil para investigar o caso. O inquérito também será encaminhado para a Promotoria Criminal para que sejam apuradas as responsabilidades criminais acerca do assunto.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Sabesp informou por meio de sua assessoria de imprensa que nada tem a falar sobre o caso, afirmando que a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente é a única que poderia liberar mais informações.
CartaCapital então procurou a secretaria. Esta enfatizou que jamais deu autorização para que empresa alguma – a não ser a Sabesp – realizasse obras no local. Em nota, também afirmou que a empreiteira responsável já foi identificada e devidamente multada. “O Núcleo de Gestão Descentralizada da Zona Norte, que pertence à Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, aplicou 5 multas à empresa Tercel Terraplenagem, que totalizaram um montante de 3.902,644,60 de reais”. E completou: “Além da aplicação das multas, o infrator foi intimado a realizar a retirada do material depositado no parque nos próximos dias. Na sequência, ele deverá apresentar um plano de recuperação do dano causado”.
A diretoria da Tercel, por sua vez, não quis se manifestar a respeito do assunto. Apenas informou que o responsável pelo projeto se chama Marco Antônio, sem também divulgar sobrenome.
Ação de lideranças locais
O Parque Pinheirinho D’água é resultado de uma luta dos movimentos sociais de Pirituba e Jaraguá, que reivindicavam a construção de um parque na região. Com o apoio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e da própria Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, o projeto foi inaugurado em 2001 e desde então recebe uma intensa fiscalização por parte dos moradores.
O projeto foi feito por integrantes da pós-graduação da FAU, com a ajuda de equipes interdisciplinares formadas por profissionais como biólogos e sociólogos. As lideranças sociais locais também jamais deixaram de cuidar, preservar e lutar pelo parque. “O projeto inicial era lindo, mas é claro que nem tudo que estava previsto foi concluído”, lamenta Sueli. Ela conta que a ideia original era que existissem dentro do parque praças temáticas, como a “praça das crianças” ou a ”praça dos skatistas”.
Dentro da área do Pinheirinho D’água existe uma casa de Educação Ambiental, espécie de escola para ensinar as crianças a lidar com a natureza. “Outro dia um menino perguntou para a gente para que servia o capim. É uma pergunta tão simples que nós queremos responder. Todas as crianças deveriam saber que tudo cumpre uma função dentro do meio ambiente”, diz a conselheira gestora. Baiana, ela mora no bairro há 35 anos e sempre esteve envolvida com reciclagem e com a Associação de Catadores de Lixo.
“Depois de resolver esse problema do aterramento, eu quero lutar por uma programação para esse parque. Eventos e gincanas para ocupar, chamar visitantes”, vislumbra, esperançosa.
* Publicado originalmente no site Carta Capital.