O caso de Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor do FMI, acusado de violar uma camareira do hotel de luxo onde se hospedava em Nova York, foi manchete de jornal durante muitos dias. Além da camareira, uma jovem jornalista francesa, Tristane Banon, também o denuncia por tentativa de estupro durante uma entrevista em 2003.
A mulher de Strauss-Kahn, a milionária Anne Sinclair, declarou confiar no marido e pagou sua astronômica fiança. Nos últimos dias, informações de que a camareira havia mentido às autoridades americanas, tentando dar um golpe no poderoso francês a fim de conseguir vantagens para si própria e para o namorado, preso por envolvimento com o narcotráfico, encaminharam o ex-diretor do FMI para a liberdade condicional. Ele comemorou com um lauto almoço em um restaurante de luxo, acompanhado da mulher.
Tristane Banon provavelmente será processada e deverá confrontar sua palavra com a dele. A jovem guineana de 32 anos, Nafissatou Diallo, é chamada aos gritos de “prostituta” pela mídia e recebe agora a pressão que antes pesava sobre o francês que ela acusou de estuprá-la. Tudo indica que Strauss-Kahn voltará em breve para a França, podendo dar andamento ao projeto de candidatar-se à presidência da República. As mulheres que o acusam de violência sexual sofrerão as consequências de terem se aproximado de homem tão poderoso. Uma vez mais vence a violência e perde a mulher.
Atualmente, o problema da violência contra a mulher é tão sério que se compara ao da AIDS. Chega a quatro milhões por ano o número de mulheres agredidas pelo companheiro, marido, noivo, ou amante. Entre 15 e 25% estão grávidas, o que torna mais sério ainda o problema. As mulheres maltratadas constituem 20% das que vão aos serviços de emergência com marcas de ferimentos.
Há, porém, um tipo de violência nem sempre fácil de definir ou reconhecer, que poderíamos designar como o uso deliberado da força para controlar ou manipular outro ser humano, mais frágil e indefeso. Trata-se do abuso psicológico, sexual ou físico habitual. Acontece entre pessoas muitas vezes relacionadas afetivamente, como são marido e mulher, ou adultos contra os menores que vivem na mesma casa.
A violência não é somente o abuso físico, os golpes, ou as feridas. São ainda mais terríveis a violência psicológica e a sexual pelo trauma que causam. Há violência quando se ataca a integridade emocional ou espiritual de uma pessoa. Mas sempre a violência física, a mais evidente, é precedida por abuso psicológico, que é usado sistematicamente para degradar a vítima, para erodir e esmagar sua autoestima.
A violência psicológica se detecta com maior dificuldade e muitas vezes precede a violência física durante anos. Quem sofreu violência física tem rastros visíveis e pode obter ajuda mais facilmente. Entretanto, a vítima que leva cicatrizes no psiquismo ou na alma tem muito mais dificuldade em obter compaixão e ajuda.
Há mulheres que se envergonham do que lhes acontece e até se acreditam merecedoras dos abusos. Por isso, preferem manter segredo e assim essa situação pode prolongar-se durante anos. A intimidação é também um abuso: “Se disser algo, te mato.” Ou a ameaça de tirar-lhes o filho. Muitas mulheres não se atrevem a falar com medo dos maridos e/ou companheiros. Os abusos psicológicos precedem o abuso físico e impedem a mulher de deixar o lar violento. A surra psicológica a que são submetidas muitas mulheres é pior que o abuso físico. Os golpes doem e machucam, mas os abusos psicológicos, os insultos, o desprezo ficam cravados no coração.
Quando se é mulher e negra, como Nafissatou Diallo, ou jovem, como Tristane Banon, tudo é mais difícil, pois o desamparo diante da violência masculina é ainda maior. Acresce, no caso de Strauss-Kahn, o fato de o acusado ser rico e poderoso. Outras mulheres o denunciaram também. Será que tantas mentiram ao mesmo tempo?
* Maria Clara Lucchetti Bingemer é teóloga, professora, decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio e autora de “Simone Weil – A força e a fraqueza do amor” (Ed. Rocco).
** Publicado originalmente no site Adital.