Suape e novas indústrias colocam Pernambuco e o Nordeste no centro das atenções para investimentos, mas o descaso ambiental e social ofusca o sucesso econômico.
A Graúna, personagem do saudoso Henfil, dizia que São Paulo e Rio eram o “Sul Maravilha”, para contrastar com a secura e a miséria da sua Caatinga e do seu Nordeste. Hoje, o IBGE e o PIB apontam situação inversa, é o Nordeste que cresce a taxas chinesas, aumentando a renda da população em ritmo maior do que no “Sul Maravilha” e “importando” muitos paulistas, cariocas e gaúchos para ocupar as muitas vagas de trabalho abertas pelo desenvolvimento regional.
Pernambuco é quem puxa o crescimento de todo o Nordeste, principalmente pelos investimentos que estão sendo feitos no Complexo Industrial-Portuário de Suape, um dos mais expressivos que também leva o Brasil a outro patamar no comércio internacional: com estaleiros instalados e em plena produção, o país ganha independência em relação à contratação de frota para transportar commodities, melhorando suas condições de negociar preços internacionalmente.
Há outros grandes projetos sendo construídos no Nordeste, como a transposição do Rio São Francisco, mas nenhum, como o de Suape, traz em si tanto as maravilhas quanto as contradições de um desenvolvimento que não é pensado dentro do tripé da sustentabilidade. O Jornal do Commercio, de Recife, publicou um caderno especial e um blog sobre Suape, que podem ser consultados aqui: http://www2.uol.com.br/JC/especial/suape/.
Vale a pena conhecer os acertos e os pontos de melhoria de várias grandes obras que estão transformando para sempre o Nordeste brasileiro.
Contexto
Suape é um município que fica entre Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho, localizado na região metropolitana de Recife. O porto fica a 40 quilômetros da capital pernambucana e tem uma posição estratégica em relação às principais rotas marítimas de navegação, conectando-se com mais de 160 portos em todos os continentes, colocando-o em condições de ser o principal porto concentrador (hub port) do Atlântico Sul, por ter águas profundas e por poder operar navios, o ano todo, pelas 24 horas do dia, sem restrições de horários de marés.
Desde a década de 1970, havia projeto para transformar o local em um complexo portuário-industrial que fosse a porta de escoamento pelo Atlântico da produção do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste, bem como de algumas nações andinas. Em 1978, uma lei estadual criou a empresa Suape Complexo Industrial Portuário para administrar o desenvolvimento das obras. Hoje o porto é um dos maiores do Brasil, administrado pelo governo de Pernambuco.
O Suape já movimenta mais de cinco milhões de toneladas de carga por ano, destacando-se os granéis líquidos (derivados de petróleo, produtos químicos, álcoois e óleos vegetais, entre outros). Por causa de incentivos fiscais e da infraestrutura de estradas, cais, área terraplenadas e terminais de contêineres, algumas importantes indústrias instalaram-se lá nos últimos anos, tais como: Refinaria Abreu de Lima, Estaleiro Atlântico Sul (o maior estaleiro do Hemisfério Sul), Estaleiro Promar, Petroquímica Suape, Amanco, Braspack, Novartis Vacinas, Gerdau e CSN, entre outras.
Números
Pernambuco vive um período de industrialização comparável ao que o “Sul Maravilha” conheceu nos anos 1930-1960, tudo puxado pelo Complexo de Suape. Não é à toa que os pernambucanos sentem-se vivenciando uma nova revolução industrial calcada em setores como indústria naval e petroquímica, mais vigorosa do que a que existia até há vinte, calcada na transformação de alimentos e nos têxteis. A “revolução” protagonizada por Suape tem evitado a migração de nordestinos, não só de Pernambuco, mas de estados vizinhos como Alagoas e Paraíba. Também tem provocado a volta de muitos que migraram e de outros “paulistas” que buscam em terras pernambucanas o emprego industrial que não é mais tão abundante no Sul.
O Complexo de Suape está instalado numa área de 13 mil hectares e concentra investimentos privados que somam US$ 21 bilhões. O maior é a refinaria Abreu e Lima, da Petrobras, que representa um aporte total de US$ 13,5 bilhões. A Petroquímica Suape, também controlada pela estatal, vai custar US$ 2,5 bilhões. Entre dezenas de outros investimentos, há ainda a Companhia Siderúrgica de Suape (US$ 1 bilhão) e o Estaleiro Atlântico Sul (US$ 1,5 bilhão).
A Companhia Siderúrgica de Suape, com início de operação previsto para 2014, já recebeu recursos da ordem de R$ 1,8 bilhão.
Recentemente, o governo do Estado de Pernambuco solicitou mais R$ 1 bilhão para obras de infraestrutura no ancoradouro, necessárias em virtude do crescente interesse de empresas pelo porto.
Boa parte dos recursos solicitados será direcionada a obras de dragagem nas áreas onde deverão ser instalados pelo menos dois novos estaleiros: o Promar, controlado pelo grupo PJMR, e o Construcap, do grupo paulista de mesmo nome. Cada um vai investir algo em torno de R$ 200 milhões. O Complexo está em ritmo acelerado de crescimento e “empurrando” o crescimento de municípios vizinhos. Muitas empresas já não encontram espaço para se instalar em Suape, estabelecem-se nas redondezas. É o caso da Fiat, que queria um terreno grande o suficiente para construir uma fábrica e uma pista de testes. Como não encontrou, vai construir na cidade de Goiana, a 110 quilômetros do Complexo.
Cuidados socioambientais do projeto
O projeto original prevê a preservação de 48% do ecossistema original – e Suape é o único projeto industrial-portuário a destinar uma área desse tamanho para preservação. No entanto, o passivo ambiental acumulado até agora é preocupante. Foi desmatada uma área equivalente a 210 campos de futebol (210 hectares). É preciso compensar esse desmate e ainda recuperar quatro mil hectares de área degradada em zona de proteção de Mata Atlântica.
Esse tema, aliás, foi um dos principais da campanha de reeleição do governador Eduardo Campos. Ele garantiu que tanto compensaria a área desmatada quanto recuperaria aquela degradada. As ações estão sendo adotadas, mas os resultados só aparecem com o tempo. De fato, o governo do Estado fechou parceria com o Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), que elaborou uma espécie de diagnóstico da situação da Zona de Preservação Ecológica (ZPEc) e vai coordenar as ações. O programa mira um horizonte de 20 anos. A ideia é estimular as empresas que estão se instalando em Suape a investir na recuperação da zona de proteção ambiental.
Pelo menos 72% do investimento no plano serão para indenizar propriedades encravadas nas áreas de preservação ambiental, ocupadas tanto por pequenas moradias e barracos de lona de posseiros quanto por casarões erguidos por políticos da região. No que diz respeito a um dos maiores projetos do complexo, a Refinaria Abreu e Lima, novas tecnologias vão minimizar os impactos ambientais, com menor uso de água e reflorestamento do entorno da obra.
Desafios
O desenvolvimento de toda a região orgulha pernambucanos, os nordestinos, e os brasileiros em geral. Mas joga sobre os ombros dos governos locais e das empresas enormes desafios. O que vem ganhando mais destaque na imprensa é o das condições de trabalho. Em 2011, os trabalhadores da construção da Refinaria Abreu e Lima e da Petroquímica Suape já realizaram duas greves gerais. A última ocorreu no início de agosto, por aumento no valor do salário e da cesta básica. Ao todo, são 40 mil trabalhadores parados.
O segundo maior desafio deste projeto é o do aumento exponencial da população. Além dos 40 mil trabalhadores contratados para as obras da Refinaria e da Petroquímica, há outros 15 mil envolvidos na construção do Estaleiro Atlântico Sul e mais cinco ou seis mil contatados por outras obras. Há projetos que ainda vão ser iniciados, fazendo prever mais aumento populacional. Se este afluxo de pessoas trouxe benefícios para os negócios locais e a arrecadação do Estado e das prefeituras, ele também causa problemas.
O mais evidente é o da moradia. Há muita gente vindo e pouco teto para abrigá-la. A agência de planejamento de Pernambuco calcula que o déficit habitacional é de 35 mil moradias nos cinco municípios vizinhos a Suape. Até 2035, se o crescimento da economia e os investimentos em habitação continuarem no mesmo nível, o déficit saltará para 85 mil casas.
Onde falta moradia, há especulação e inflação imobiliária. Os aluguéis estão subindo e expulsando para longe os moradores dos bairros tradicionais. Este problema acarreta outro: o da invasão de terrenos desocupados e o aumento de favelas. Barracos e casebres surgem em áreas de preservação, repetindo a ocupação desenfreada já conhecida das grandes metrópoles e que levaram aos problemas de saúde pública e degradação ambiental de hoje.
Cabo de Santo Agostinho, por exemplo, uma área de grande potencial turístico e que já abriga alguns hotéis luxuosos, vê crescer o número de barracos próximos à orla numa velocidade geométrica. O número de moradores de rua também disparou. São pessoas que chegam de outros estados e dormem em qualquer lugar – barracas na praia, vagas em contêineres – até arrumar um emprego. Se não arrumam, ficam vagando pelas cidades vizinhas. O problema dos “sem-teto” já chegou dentro do complexo de Suape. Pesquisa encomendada pela presidência atestou que existem 23 mil trabalhadores “morando” dentro de Suape.
Os investimentos do PAC e do “Minha Casa, Minha Vida” não conseguem acompanhar o ritmo do crescimento demográfico, fazendo prever que o número de favelados e de sem-teto vai continuar alto. Além de teto, faltam água e luz; sobra lama, já que também não há saneamento básico para atender a nova demanda ampliada.
O impacto do aumento demográfico e das próprias obras do complexo colocam em risco a preservação da área de Mata Atlântica prevista no projeto original do Complexo. O ecossistema de Suape, principalmente aquele existente no estuário do Rio Suape, é um dos mais ricos ecossistemas do país, estuário do Rio Ipojuca, em área de Mata Atlântica.
A direção de Suape admite a dificuldade de fiscalizar e impedir as invasões de terra por famílias nas áreas de preservação. Estas famílias, muitas vezes, já eram moradoras da região, mas foram expulsas de suas casas pela especulação ou pela desapropriação do próprio complexo.
Em relação à atuação das empresas, a Agência Pernambucana de Meio Ambiente também sente dificuldades para fazer cumprir as multas e os acordos estabelecidos de compensação. Suape também precisa enfrentar um problema de grandes cidades: congestionamento de tráfego e a consequência dele, a poluição atmosférica. São seis mil caminhões, três mil carros e mil e duzentos ônibus que diariamente entram e saem da área do Complexo, sem outras vias de escoamento que não sejam a BR-101 e a PE-60, estradas que não foram projetadas para receber este fluxo de veículos. O problema vai se estendendo até as ruas das cidades vizinhas e mesmo de Recife, já que muitas pessoas moram na capital pernambucana e se deslocam até Suape, todos os dias.
O desafio maior
Expansão sem planejamento, o “modelo” do crescimento brasileiro ao longo do século passado, continua sendo a marca do complexo de Suape, em que pesem os cuidados socioambientais adotados em relação a muitas questões.
No entanto, a sustentabilidade não foi posta no “centro” do projeto. O que isso significa? Significa que os projetos precisam ser pensados já levando em conta as questões sociais, ambientais e econômicas. O que temos hoje é a preocupação em compensar e consertar as consequências de medidas estabelecidas de acordo com um modelo não sustentável de desenvolvimento.
Suape apresenta muitos avanços. Mas, para ser a redenção do Nordeste, como muitos o estão tratando, precisa avançar na criação de um novo modo de crescer, distribuir renda e preservar o meio ambiente. Um desafio que não é só de Suape, mas de toda a sociedade brasileira.
* Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.
** Publicado originalmente no site do Instituto Ethos.