Por Júlio Ottoboni –
Há exatos 40 anos o universo musical era surpreendido com o quarto álbum da banda inglesa Supertramp, nem tanto pela música. Mas “Crisis? What Crisis?” tem uma das capas de disco mais emblemáticas da história do rock’n roll. Num tom semiprofético, em um cenário de caos ambiental, um homem de óculos escuros comodamente sentado em sua cadeira de praia, sob um guarda-sol, ao lado uma mesinha e sobre ela bebida e o jornal. Os pés descalços sobre um tapete e ao fundo, um rádio. Elementos que se integram numa crítica – atualíssima- sobre a alienação e conformismo.
Em sua volta, o personagem da capa que questiona ‘Crise? Que Crise?’ , está emoldurado por um ambiente industrial e urbano composto pelo cinza, o mesmo tom expelido por duas dezenas de chaminé de fábricas e usinas nucleares que dão contorno há uma vila operária decrépita, muito lixo urbano e fumaça se misturando ao chumbo do céu inglês.
Uma atmosfera caótica em tons de cinza, em nada sensuais. Apenas o homem e seus apetrechos estão coloridos, insensíveis para o mundo em sua volta. Como se apresentasse a alienação como o principal ingrediente da fórmula da irresponsabilidade social e ambiental. O descompromisso busca caminhos diversos para cegar, mesmo diante do mundo real.
“Crise? Que crise?”. Quando o instigante disco surgiu nas lojas, sua capa era além de estranha algo compreendido parcialmente pela juventude da época. Como em praticamente toda a obra do Supertramp havia uma crítica socioeconômica e, pela primeira vez, se sobressaindo o ambiental, dentro do contexto industrial e de consumo. As fábricas, usinas e casas são apresentada como as muralhas de um castelo medieval, esse fincado num horizonte sem cor, mortal e que devolve aos seus moradores lixo e poluição.
Mas como não compreender hoje a mensagem do Supertramp ? Nunca existiu na história evolutiva do ser humano tanta disponibilidade de informação para o exercício da reflexão e construção do senso crítico. Há 40 anos, quando a banda inglesa lançou seu álbum, sonhar com um sistema de comunicação como uma rede mundial de computadores, de acesso público e com elevado poder de mobilização social, estabelecendo conversações entre os povos, fazia parte do campo ficcional. Era impossível aos padrões existentes.
Supertramp então usou sua música para chamar atenção. Alertar a todos, ser um fomentador do inconformismo. Algo que o rock sou fazer muito bem. E apontar e instigar.
O sentido de premência, como a capa concebida a partir de uma ideia concebida pelo tecladista e vocalista da banda, Rick Davies, ainda provoca a sociedade de qualquer parte da Terra. Qual é o nosso sentido de urgência ? Qual é a relevância em nosso comportamento de estarmos a beira da extinção preanunciada ? De que nos serve todo poderio industrial, tecnológico e científico se continuarmos passivos e a ignorar a realidade que nos cerca ?
Abrimos a Caixa de Pandora e veio dela muito mais do que esperávamos. Os céticos do clima, das mudanças extremas no planeta provocadas ou aceleradas por ação antrópica, que continuem a ladainha de sua procissão esvaziada, identificados com o personagem da capa do ‘Crisis? What Crisis?’
Papa Francisco, assim como o Dalai Lama, já se pronunciaram contundentemente sobre os efeitos desastrosos do aquecimento global. Tardiamente para os parâmetros do Supertramp ou para escritores de ficção mais terrenos que espaciais. Mas as lideranças religiosas podem sim colaborar decisivamente para mitigar os efeitos desta catástrofe há muito anunciada.
Nada mais justifica a postura egocêntrica e autista de olharmos o mundo a partir de nossas cadeiras e esperarmos a consagração do apocalipse que construímos para justificar antigas escrituras sagradas. Ou será o homem uma espécie suicida, como aquele que salta para a morte e carrega consigo os que pode como testemunhas para validar seu último delírio destrutivo?
Ain’t Nobody But Me
( Supertramp)
Well you can run, you know he’ll find you
It don’t matter now, just look behind you
You had your warning, you knew the score
You got it wrong, and that means war
So, why d’you have to treat me rough
Your explanation’s not enough
(#Envolverde)
* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, pós graduado em jornalismo científico. tem 30 anos de profissão, atuou na AE, Estadão, GZM, JB entre outros veiculos. Tem diversos cursos na área de meio ambiente, tema ao qual de dedica.