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Suspeitos de terrorismo diante de aterrador sistema judicial dos Estados Unidos

kanya640

 

Nova York, Estados Unidos, 24/4/2014 – O sol se põe enquanto os manifestantes se juntam, com seus rostos apenas visíveis na penumbra. Cartazes simples, feitos à mão, dizem: “De pé pela justiça”. Sobre eles, a fortificada torre de concreto do Centro Correcional Metropolitano da cidade de Nova York se ergue para o céu que escurece, com as luzes fluorescentes de seu interior iluminando as sólidas barras de aço de cada janela.

A vigília atraiu um grupo heterogêneo de manifestantes, alguns com suas cabeças cobertas, algumas ocultas sob seus hijabs (véus), outros simplesmente vestindo jeans e camiseta. Mas, independente da roupa, todos se reuniram aqui por um motivo: protestar contra o uso da “guerra legal” contra cidadãos muçulmanos acusados de participarem de atividades vinculadas ao terrorismo.

Sally Eberhardt, pesquisadora da organização Educators for Civil Liberties, disse à IPS que essas vigílias mensais começaram em 2009 para destacar as irregularidades legais no processo contra Fahad Hashmi, cidadão norte-americano nascido no Paquistão que em 2005 foi preso no aeroporto de Heathrow, em Londres, e se converteu no primeiro extraditado para os Estados Unidos sob as leis aprovadas após o 11 de setembro de 2001, data dos atentados que deixaram três mil mortos em Nova York e Washington.

Hashmi passou três anos em solitária no Centro Correcional Metropolitano antes de ser acusado formalmente. Aceitou um acordo e assumiu a acusação de conspiração para fornecer apoio material a organizações terroristas, e em 2010 iniciou uma sentença de 15 anos na prisão federal de Florence, Estado do Colorado.

Vigílias semanais realizadas no outono de 2009 durante a emissão da sentença de Hashmi atraíram organizações pelas liberdades civis, entre elas Anistia Internacional, Conselho de Relações Árabe-Islâmicas e Centro para os Direitos Constitucionais, junto com familiares de outros muçulmanos levados à prisão, que agora se uniram em um movimento conhecido como a campanha Não a Uma Justiça Separada (NJS). “A NJS foi uma tentativa de colocar quatro assuntos cruciais sob um só guarda-chuva: vigilância e incitação, condições de confinamento, preocupações sobre um julgamento justo e o devido processo, e liberdade de expressão e acusações de apoio material”, detalhou Eberhardt à IPS.

“Sentimos que, com relação aos muçulmanos suspeitos de terrorismo, o governo federal aplica um nível separado de justiça. Há coisas que acontecem em seus processos que não ocorrem em outros, como o uso de jurados anônimos e arquivos de evidências secretas aos quais eles não têm acesso”, pontuou Eberhardt. Prisioneiros e detidos muçulmanos em etapas prévias ao julgamento também são submetidos a Medidas Administrativas Especiais, processo da era de Bill Clinton (1993-2001) desenhado para isolar pessoas potencialmente violentas, restringindo severamente sua capacidade de se comunicar com o mundo exterior.

Em 1996, essas medidas eram aplicadas por um máximo de quatro meses. Agora podem durar até um ano, e se estender indefinidamente, segundo o procurador-geral, disposição que segundo as famílias viola as leis internacionais sobre confinamento solitário. “As Medidas Administrativas Especiais são algumas das piores coisas que um ser humano pode ser obrigado a suportar”, destacou Eberhardt. “No caso de Hashmi, por exemplo, só foi autorizado a escrever cartas em três pedaços de papel, só pôde receber notícias 30 dias depois de publicadas e só pôde se comunicar com sua família ou advogados”, acrescentou.

A campanha NJS deu o alerta sobre quase 20 casos de muçulmanos suspeitos de terrorismo, cujos julgamentos, prisões, sentenças e detenções ocorrem ignorando os direitos constitucionalmente protegidos de liberdade de expressão, de reunião e de credo. Entre os apontados está Ghassan Elashi, um ativista palestino que criou a Fundação Terra Santa para o Alívio e o Desenvolvimento, a qual lhe valeu uma condenação de 65 anos por acusações de apoio material, em 2009.

E também está Ahmed Abu Ali, que foi torturado durante anos em uma prisão saudita antes de ser condenado à prisão perpétua por nove acusações de terrorismo. E os irmãos Duka, três homens de Nova Jersey também sentenciados à prisão perpétua após uma dispendiosa armadilha preparada em uma operação do Escritório Federal de Investigações (FBI) conhecida como Os Cinco de Fort Dix.

Especialistas em assuntos legais afirmam que os poucos indivíduos que recebem a atenção da imprensa são apenas a ponta do iceberg de uma vasta operação para encurralar os muçulmanos com base em acusações inventadas ou inconsistentes de “terrorismo” em nome da segurança nacional.

Kathleen Manley, diretora legal da Coalizão Nacional para a Proteção das Liberdades Civis, disse que o aumento dos “julgamentos preventivos” como arma do arsenal da guerra dos Estados Unidos contra o terrorismo é perigoso e permite que os responsáveis por cumprirem a lei acossem qualquer um “cujas crenças, ideologia ou filiação religiosa cause preocupações de segurança para o governo”, sem nenhuma evidência de um crime real.

Em 2008, o Departamento de Justiça divulgou uma lista dos nomes de quase 400 “suspeitos de terrorismo interno”, a maioria muçulmanos, compilados na década imediatamente posterior ao atentado contra o World Trade Center. Segundo Manley, “72% a 73% desses casos foram puramente julgamentos preventivos, pois os acusados nada haviam feito que pudesse ser considerado um crime”, e foram acusados por suas crenças, práticas religiosas ou temores sobre o que pudessem” fazer. “Outros 20% dos casos tiveram o que chamamos elementos de julgamento preventivo, nos quais o acusado cometeu um crime muito menor, como fraude com cartão de crédito”, acrescentou.

A lista do Departamento de Justiça é alvo de um estudo exaustivo, o primeiro do seu tipo, sobre suspeitos de terrorismo interno e o uso de leis implantadas após 11 de setembro de 2001 para prevenir ataques terroristas. Realizado por voluntários da Coalizão Nacional e do Projeto Salam (Apoio e Defesa Legal para os Muçulmanos), o estudo, que será publicado neste verão boreal, conclui que “o governo usou os julgamentos preventivos para exagerar a ameaça do extremismo muçulmano para a segurança do país”.

Enquanto o sol finalmente se esconde por trás do muro dos prédios federais, várias pessoas acendem velas e as seguram, olhando para as janelas do Centro Correcional Metropolitano de Nova York. “Viemos aqui para acender uma chama contra a injustiça”, disse à IPS um familiar que pediu para não ser identificado. “Agora a luz tremula, mas ficará mais forte”, ressaltou. Envolverde/IPS