Sustentabilidade virou palavra da moda. Primeiro foi no ambientalismo, depois contagiou os economistas e agora chega ao jornalismo, já não mais como um problema alheio, mas como um dilema profissional.
Até agora a sobrevivência de um jornalista dependia do seu salário ou dos pagamentos avulsos. Os salários estão minguando tanto em valor como em frequência, enquanto os chamados frilas são numerosos, mas cada vez mais desvalorizados. Há jornalistas demais no mercado para trabalhos mal remunerados.
Este é um problema globalizado que afeta profissionais, tanto de países ricos como de nações emergentes, como nós. Se o problema do desemprego já é grave para os jornalistas mais jovens e digitalizados, ele se transforma num dilema existencial para a maioria dos que superaram a marca dos 55 anos, faixa etária na qual o profissional alcança as condições ideais de experiência e conhecimento para exercer sua função.
Toda uma geração de jornalistas está sendo expulsa do mercado pelo desemprego e pela falta de intimidade com as novas tecnologias, gerando um gap de conhecimento que aparece claramente na produção de matérias jornalísticas. Os mais novos patinam na inexperiência e nos modismos tecnológicos, enquanto os mais velhos se agarram a empregos em vias de extinção, culpando a tecnologia pelas suas agruras.
O norte-americano Tom Stites conhece bem esta realidade. Já passou por grandes jornais em seu país, ganhou duas vezes o prêmio Pullitzer, e, no auge de sua maturidade profissional, passou a enfrentar o que ele chamou de “deserto informativo”. Compartilhou também as dificuldades de colegas na mesma faixa etária para sobreviver profissionalmente.
Em 2010, ele e um grupo de amigos jornalistas decidiram partir para uma aventura. Enquanto uns compram uma motocicleta e saem por aí, o grupo de Stites resolveu criar um sonho jornalístico com a preocupação de combinar produção informativa independente e sustentabilidade econômica.
Assim nasceu o projeto Banyan, cuja meta é desenvolver um modelo jornalístico que não dependa apenas da renda de salários e nem do pagamento de frilas. A ideia básica é a de que a crise dos jornais reduziu o volume de notícias jornalísticas oferecido ao público, criando um déficit noticioso, especialmente em nível local e hiperlocal, batizado como “deserto informativo”.
A produção de notícias locais e hiperlocais já é um campo relativamente explorado por várias experiências, algumas com êxito relativo e outras fracassadas. Geralmente, a origem do insucesso está na falta de condições financeiras para manter o projeto, porque quase todas as iniciativas decolam apoiadas quase que exclusivamente em algum tipo de financiamento de algum mecenas.
O projeto Banyan é baseado numa estrutura cooperativista entre jornalistas e o público, em pequenas cidades ou bairros de metrópoles, com uma lista de cinco possíveis fontes de renda. O projeto começou a ser testado na cidade de Haverhill (60 mil habitantes), no Estado de Massachusetts, e depois será oferecido como um pacote quem quiser aplicá-lo.
O público funciona como informante permanente, ao mesmo tempo em que paga pelo acesso às informações. Os jornalistas recolhem, conferem, editam e publicam o material informativo, sendo remunerados proporcionalmente às receitas, que estão distribuídas entre publicidade convencional, contribuições dos membros da cooperativa, doações independentes, financiamentos de fundações privadas e instâncias governamentais, e trocas diretas (escambo).
A aventura de Tom Stites e seus 27 colegas, em sua maioria grisalhos, ainda está longe de ser considerada um modelo, mas tem um mérito que a distingue de dezenas de outras experiências similares de produção jornalística não industrial. Ela coloca desde o início a sustentabilidade como condição de trabalho.
Isso leva o foco das preocupações com o futuro do jornalismo para um novo terreno, onde a mudança de valores e rotinas é ainda mais radical do que a imposta pelas novas tecnologias no cotidiano das redações. Não há mais dúvidas de que o jornalismo deixou de ser um grande negócio e de gerar lucros astronômicos. Sendo assim, ele perde atrativos para os investidores interessados em retorno do capital aplicado.
A publicidade, que até agora era a grande responsável pelas receitas financeiras da indústria jornalística, está migrando para a internet e seu modelo de negócios muda aceleradamente para o relacionamento individualizado com o consumidor, em vez da estratégia de uma mensagem para milhares de indivíduos.
Sobra para os jornalistas a opção de descobrir a sua própria alternativa tirando leite de pedra. Aqui entramos no terreno das possibilidades, pois muito pouca coisa foi testada. A questão principal é que o modelo salarial não pode ser mais tomado como regra geral. A busca da sobrevivência no deserto informativo está levando muitos profissionais a avaliar a alternativa cooperativista como forma de viabilizar a sustentabilidade individual e do projeto com base numa combinação de dinheiro e troca direta – como, por exemplo, informação por supermercado.
A questão que o projeto Banyan terá que enfrentar, por paradoxal que pareça, não é nem tecnológica e nem financeira, mas cultural. Como fazer com que o dono da farmácia ou o prefeito aceitem o escambo sem impor condições sobre o material produzido pelos jornalistas? Se esse hábito não for alterado, a credibilidade do projeto dificilmente estará em xeque e sua sobrevivência seriamente ameaçada. Daí é possível ver que a busca da sustentabilidade não é apenas uma questão técnica e também não depende apenas dos profissionais do jornalismo.
Este desafio vai obrigar os jornalistas a se reaproximar do público para o qual produzem notícias.
* Publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.