Sustentabilidade no azul
Entrevista exclusiva com Andrea Thomas, vice-presidente sênior de Sustentabilidade do Walmart. Ela é jovem mas tem um desafio pela frente que pode lhe trazer muitos cabelos brancos: manter a maior empresa do mundo no caminho da sustentabilidade.
Entrevista exclusiva com Andrea Thomas, vice-presidente sênior de Sustentabilidade do Walmart.
Ela é jovem mas tem um desafio pela frente que pode lhe trazer muitos cabelos brancos: manter a maior empresa do mundo no caminho da sustentabilidade. Mais do que isso, suas tarefas são, segundo ela mesmo, “acelerar o processo de mudanças iniciado em 2005 e manter a empresa na liderança”. Ela é Andrea Thomas, vice-presidente sênior de Sustentabilidade do Walmart – que em 2010 foi avaliada pela oitava vez como a maior empresa do mundo pela revista Forbes, por seu faturamento de US$ 421,8 bilhões.
A tarefa que tiraria o sono de qualquer um é assustadora: modificar o comportamento – e às vezes o processo produtivo – de mais de cem mil fornecedores de todos os continentes; capacitar mais de dois milhões de funcionários e mobilizar dezenas de milhões de consumidores que todos os dias entram nas 8.900 lojas em cerca de 30 países, procurando o que a empresa anuncia, ou seja, produtos cada vez mais sustentáveis e sempre por menos, para as pessoas viverem melhor, atendendo o mantra do Walmart Save money. Live better. E acredite: Andrea Thomas encara este desafio com uma equipe própria que não chega a 15 pessoas!
O processo que esta executiva conduz no Walmart tem trazido reconhecimento e admiração pelo mundo afora e pode ser conhecido em detalhes pela internet. Em sua primeira visita ao Brasil, a comandante global de sustentabilidade da empresa concedeu uma entrevista exclusiva para Rogerio Ruschel, membro do conselho editorial e editor associado de conteúdo da Envolverde.
Em 2005, o Walmart estabeleceu três metas globais: ser suprido 100% por energia renovável, ter uma operação com impacto zero em termos de resíduos e ofertar cada vez mais produtos com diferenciais de sustentabilidade. Quais os principais resultados e dificuldades, e como o Walmart Brasil se posiciona neste contexto?
Thomas: Os resultados têm sido muito positivos, mas queremos sempre fazer mais e melhor. As dificuldades são grandes, mas temos dois milhões de pessoas trabalhando para resolvê-los, na empresa. E sobre o Walmart Brasil, os resultados são públicos, você os conhece e seus leitores também.
Em 2009, o Walmart lançou nos Estados Unidos o Índice de Sustentabilidade, a principal estratégia global de mobilização da cadeia de fornecedores para a sustentabilidade. A iniciativa consistiu de três etapas: uma pesquisa de 15 perguntas para os fornecedores fazerem uma autoavaliação de indicadores e seu compromisso para atingir os mesmos; o fomento à criação do Consórcio da Sustentabilidade – uma rede de universidades, ONGs e outras organizações para dar suporte técnico aos fornecedores nos Estados Unidos; e finalmente a exposição da “pegada ecológica” de cada produto para o consumidor. Os fornecedores brasileiros estão participando? Como está este processo?
Thomas: Trata-se de um processo em permanente movimento, porque faz parte dos negócios. Nos Estados Unidos – e no Brasil, na China e onde mais operamos – nossos fornecedores hoje têm consciência de nossos objetivos globais, metas específicas e dos indicadores de performance em sustentabilidade que queremos alcançar. Sabem que vão ter que investir em mudanças e podem utilizar o know-how do Consórcio de Sustentabilidade. (Nota: O Consórcio é uma organização independente, gerenciada pelas universidades de Arizona e Arkansas, com mais de 60 membros e vários grupos de trabalho que estão padronizando indicadores socioambientais para todos os setores de negócios). Qualquer empresa pode ter acesso aos resultados, consultar especialistas e até mesmo avaliar seu desempenho de maneira prática, no site do Consórcio. E isto está sendo expandido para todos os mercados onde atuamos.
Você quer dizer que vamos ter uma versão do Consórcio no Brasil?
Thomas: Isto vai depender do Consórcio, porque eles têm gestão independente. Mas uma unidade (um hub) acaba de ser implantada na Europa e acho que cedo ou tarde unidades do Consórcio serão criadas na Ásia e na América Latina, porque a sustentabilidade é questão de sobrevivência corporativa, interessa a empresas globais e locais.
A mobilização dos fornecedores para uma cadeia de suprimentos mais sustentável do Walmart no Brasil inclui um Pacto pela Sustentabilidade, assinado por mais de sete mil fornecedores; o projeto Sustentabilidade Ponta a Ponta, que propôs a 21 fornecedores estratégicos a revisão do ciclo de vida de um produto líder, e o programa Clube dos Produtores, de compra direta de produtos hortifrutigranjeiros comprometidos com indicadores socioambientais. Programas como estes já existem no Walmart como iniciativas globais?
Thomas: Sim. O Walmart tem objetivos globais que são traduzidos regularmente por metas específicas e viabilizados por meio de programas e iniciativas, dezenas de frentes de trabalho em cada país. Os objetivos e metas são globais e toda a organização trabalha para alcançá-los, é mandatório. Mas a maneira de fazer isto depende do ambiente cultural, econômico e social de cada país ou região, porque é necessário respeitar estes aspectos. Certamente procuramos não só replicar iniciativas de sucesso, como também transformar as mais adequadas em modelos para toda a organização. Nosso programa global de Direct Farming – as compras diretas de produtores agrícolas, que no Brasil vem sendo realizado também pelo Clube dos Produtores – vai seguir o modelo do que vem sendo feito pelo Walmart na América Central, especialmente na Costa Rica, embora na China este programa já esteja com maior número de participantes: são 757 mil fazendeiros envolvidos! O sucesso do sistema com energia solar, termal e células de hidrogênio adotado em um Centro de Distribuição no Canadá, ou de energia eólica adotado pelo Walmart no México, estão sendo replicados onde for possível ou necessário. No Brasil, por exemplo, estes modelos energéticos não são necessários. As experiências do Walmart no Brasil na cadeia de suprimentos e na preservação de uma grande área de floresta amazônica são muito importantes.
Camila Valverde, diretora de sustentabilidade do Walmart Brasil, que acompanhava a entrevista, complementa: o Pacto pela Sustentabilidade e os projetos Sustentabilidade de Ponta a Ponta estão alinhados com as iniciativas globais da empresa, de construir a cadeia de suprimentos do futuro. A estratégia de mobilizar nossos fornecedores estratégicos para exercitar a visão do ciclo de vida em seus produtos tem um potencial muito grande de mobilizar seus próprios fornecedores, e isto já está acontecendo. E como estes fornecedores também são globais, o exercício pode ser replicado em outros mercados, gerando um efeito dominó positivo, dentro e fora do Walmart.
O programa Direct Farming é uma das principais estratégias na oferta de produtos mais sustentáveis do Walmart. Porque?
Thomas: Porque produtos agrícolas são a base da alimentação das sete bilhões de pessoas do planeta hoje (e nove bilhões em 2050!) e isto tem que ser feito dentro de práticas mais saudáveis e sustentáveis, de nutrição saudável. Para as pessoas viverem melhor, alimentos têm que ser mais acessíveis e mais saudáveis. Por isto, além de incentivar a revisão do ciclo de vida de produtos alimentícios industrializados e liderar o processo em alimentos com nossas marcas próprias, assumimos o compromisso de, até 2015, vender US$ 1 bilhão em compras diretas de hortifrutis produzidos por um milhão de pequenos e médios produtores que se comprometam com práticas mais sustentáveis. O programa de Direct Farming é win-win, traz benefícios econômicos e sociais para os produtores (porque, ao eliminar os atravessadores, podemos aumentar entre 10% e 15% suas receitas), benefícios ambientais para o solo e para os produtos (porque oferecemos assistência técnica especializada independente), e é bom para o Walmart e para seus clientes que podem comprar produtos mais frescos e saudáveis por preços menores.
Outras fontes de proteínas importantes para estes sete bilhões de pessoas, como carne bovina, peixe e soja, são produtos com cadeia produtiva complexa. Aqui no Brasil, o Walmart se comprometeu a não comprar gado e soja provindos de áreas desmatadas da Amazônia e de fazendas com trabalho análogo ao de escravidão. Como este compromisso se estenderá para os demais mercados do Walmart?
Thomas: Isto já está ocorrendo, nosso compromisso é global. O Walmart Brasil contratou auditoria externa e está investindo em um sistema de rastreamento da carne bovina, e como o Brasil é o maior produtor mundial de carne, vamos trabalhar para socializar este conhecimento. O mesmo com a soja e a madeira. O Walmart, em termos globais, já tem uma política de compras relacionadas aos pescados. A cada dia fechamos mais o cerco a produtos com impactos sociais ou ambientais negativos e queremos tirá-los de nossas prateleiras.
Qual foi o investimento do Walmart na construção da sustentabilidade, desde 2005 ou no ano passado?
Thomas: Não fazemos esta conta, porque sustentabilidade é parte do nosso negócio. Sabemos que investimos no que deve ser feito e que economizamos cada vez mais com energia, gestão de resíduos, água, tempo e outras coisas. E que melhoramos nossos produtos e atraímos mais cliente. Isto é o resultado final, não temos uma conta separada.
E qual é o resultado final, em números?
Thomas: Todos os números estão disponíveis em nossos relatórios. O de 2011 está para sair, e posso lhe adiantar que continuam bons.
Um green-job para quem não é “verde”
Com 15 anos de experiência em inovação e gestão de marcas, antes de ocupar a direção de sustentabilidade do Walmart, Andrea Thomas foi vice-presidente sênior do Global Merchandising Center da empresa (onde fez grande sucesso com o reposicionamento da marca própria global Great Value e gerenciou outras como Equate e Parent’s Choice) e vice-presidente de Inovação da Hershey e da Pepsico (divisões Frito-Lay e Pizza Hut). Graduada em Relações Públicas pela Universidade de Utah, tem MBA em Marketing pela Brigham Young University.
Sua carreira e promoção a vice-presidente sênior de Sustentabilidade do Walmart provam que as grandes corporações não estão procurando pessoas com “currículos verdes” para green-jobs, e sim, profissionais com habilidade e talento para inovar e gerenciar produtos, e com isso apresentar resultados “azuis”. Porque, afinal de contas, como ressalta Camila Valverde, a maior empresa do mundo e líder em sustentabilidade do planeta, não está realizando um “programa de sustentabilidade”, e sim, fazendo negócios que precisam ser mais sustentáveis.
E isto significa vender melhores produtos para mais pessoas viverem com mais qualidade. Entrevistar Andrea Thomas no Walmart Morumbi, a primeira loja com mais de 60 benefícios socioambientais da empresa no Brasil, confirmou minha certeza de que as empresas precisam não de pessoas “do ramo” de ecologia, e sim profissionais “do ramo” de melhorar os negócios – mas negócios do bem.
Para saber mais acesse:
• Relatório de Responsabilidade Global 2011
• Índice de Sustentabilidade
• Consórcio da Sustentabilidade
* Rogerio Ruschel é membro do conselho editorial da Envolverde e editor da revista eletrônica Business do Bem, publicada pela Ruschel & Associados Marketing Ecológico http://www.ruscheleassociados.com.br/




