No contexto urbano em que vivemos, as cidades são ao mesmo tempo centros de desenvolvimento, onde há aumento da expectativa de vida, mas também de geração de lixo, de poluição e de problemas de mobilidade.
O aumento da frota de automóveis na cidade de São Paulo tem contribuído para piorar aspectos de mobilidade urbana, qualidade do ar e consequentemente interferindo na qualidade de vida dos seus habitantes.
Hoje a velocidade média do tráfego paulistano é de dez quilômetros por hora, e doenças relacionadas à qualidade do ar, ou seja, o aumento de mortes por pneumonia e doenças respiratórias tem crescido exponencialmente mais que câncer e aids, de acordo com o dr. Paulo Saldiva.
O excesso de veículos tem aumentado a demanda por áreas para tráfego e estacionamento, e como consequência a pavimentação, o que contribui para a impermeabilização do solo, facilitando a ocorrência de enchentes. Além disso, o calor retido por essas superfícies, somado ao calor gerado pelos veículos, tem contribuído para o aumento da temperatura do ambiente por meio da formação de ilhas de calor, o que interfere no microclima da cidade.
São Paulo, apesar de ser a cidade mais rica do país, no âmbito do urbanismo e do planejamento urbano está entre as mais carentes, com a necessidade latente de uma reforma urbana ampla. Os governos e prefeituras responsáveis pelo planejamento urbano da cidade e dos seus espaços públicos na maioria das vezes não conseguem absorver a expansão exponencial da cidade. Por isso, são de extrema importância as ações de intervenção no espaço urbano por organizações da sociedade civil, fundações e empresas. Desta forma, podemos perceber que a estrutura das cidades determina a qualidade do espaço urbano e de vida de seus habitantes, tendo a qualidade expressa também no seu microclima, no consumo energético, na gestão de água e de resíduos, em sua capacidade de adaptação aos eventos climáticos, na garantia da saúde e da satisfação dos moradores.
Neste sentido, podemos considerar que o planejamento urbano municipal é estratégico para a ordenação espacial do território e tem como principal instrumento o plano diretor, que, por sua vez, tem a função de ser um integrador, articulador das políticas setoriais para as cidades.
Neste cenário, o setor da construção civil é extremamente relevante, principalmente as empresas de incorporação imobiliária, pois atuam como um dos agentes indutores na concepção espacial das cidades.
Esse setor, em especial o imobiliário, é responsável por articular parcerias público-privadas cuja intenção é promover uma melhoria do ambiente construído, influenciando na melhoria da qualidade de vida. Entretanto, nem sempre o que está explícito nas legislações, ou o que foi previsto pelos investidores e governos, consegue atender a demanda social latente por infraestrutura de serviços, acesso a saúde, transporte e educação.
O setor da construção civil também poderá contribuir no processo de adaptação das cidades diante desses grandes desafios mundiais enfrentados pelas cidades?
O modelo de desenvolvimento urbano de São Paulo é um exemplo de como existem lacunas que necessitam ser preenchidas, pois basta olhar para a cidade e ela nos mostra as questões relacionadas à mobilidade urbana, coleta de lixo domiciliar, enchentes, ocupações em áreas vulneráveis, entre outros problemas que fazem parte da agenda do município.
Como adaptar as cidades para a economia de recursos naturais e melhoria da qualidade de vida?
Neste quadro, a palavra “sustentabilidade” se apresenta como o tema do momento, em toda a sociedade, principalmente porque hoje a maior parte da população mundial vive nas grandes metrópoles.
A origem da palavra, ou seja, o seu significado etimológico, aponta que sustentabilidade “é a capacidade de fornecer ou garantir o necessário para a sobrevivência no planeta”.
Segundo o relatório “O estado do mundo”, divulgado em 2010 pela Organização das Nações Unidas (ONU), atualmente cerca de um sexto da população mundial é responsável por quase 80% do que é consumido mundialmente em termos de bens e serviços e cinco bilhões de pessoas ainda consomem um décimo do que compra um europeu médio.
Hoje já consumimos 30% acima da capacidade de reposição da Terra; diariamente retiramos do planeta, em termos de recursos naturais, o equivalente a 112 prédios do Empire State, que tem 105 andares. É impossível continuarmos a agir da mesma maneira sem que tenhamos perdas.
Diante dessa conjuntura, só existe uma saída para o mundo: o desenvolvimento nas três esferas propostas pela sustentabilidade: econômica, social e ambiental. Aliar o desenvolvimento sustentável de maneira a proporcionar condições de igualdade e inclusão social das classes menos privilegiadas é o grande desafio das nações.
O professor Jurandir Macedo, especialista em comportamento e finanças, comenta que só existem dois erros em nossa vida financeira: “Ou economizamos muito e morremos cedo sem usufruir dos benefícios que o dinheiro pode nos proporcionar, ou temos uma vida perdulária, gastando o que não temos e perdemos qualidade de vida”. Do ponto de vista da sustentabilidade também funciona da mesma maneira, ou seja, ou a sociedade muda os padrões individuais de consumo e devastação ambiental, ou teremos perdas irreversíveis à nossa saúde e à própria sobrevida no planeta. As pessoas ao redor do mundo precisam se conscientizar de que é necessário o equilíbrio ou não vamos ter planeta.
E como fazer isso, tendo em vista a proximidade da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, que será realizada em 2012?
A Rio+20 reunirá os esforços necessários para alcançar uma economia verde, inclusiva e de baixo carbono em busca do desenvolvimento sustentável. Seu eixo central está pautado na Green Economy, e para isso será necessário que o Brasil apresente suas experiências nas questões relacionadas ao etanol e à Amazônia, além da nossa biodiversidade, que hoje abastece a cadeia de produção e consumo em escala global.
O foco deverá ser colocado em torno de como a sustentabilidade se relaciona com países subdesenvolvidos, uma vez que só existe uma alternativa para eles: uma economia verde que proporcione a equidade. Na conferência Rio-92 falamos sobre os limites do planeta como algo intangível, entretanto agora é um grande risco para a economia, pois a biodiversidade está relacionada de maneira intrínseca ao desenvolvimento das nações.
A estratégia do governo para a Conferência está voltada para a mobilização e o engajamento da sociedade, por isso ele vai fazer um grande esforço para mobilizar principalmente os jovens, porque eles é que terão de cobrar dos governantes e implementar ações que promovam a economia verde e inclusiva.
De acordo com o relatório intitulado “Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza”, lançado pelo Pnuma em 2011, existem grandes oportunidades para desacoplar, por exemplo, a geração de resíduos do crescimento do PIB, incluindo em seu lugar ações de recuperação e reciclagem. Isso gera no Brasil retornos de US$ 2 bilhões por ano, ao mesmo tempo que evita a emissão de dez milhões de toneladas de gases de efeito estufa; aqui, uma economia de reciclagem plena valeria 0,3% do PIB.
O professor Ignacy Sachs apontou, durante oficina realizada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo federal, que a humanidade entrou em uma nova era geológica e antropocêntrica, e o que nos interessa agora é a era geológica, porque as atividades humanas começam a fazer a diferença no planeta. “Somos como aprendizes de feiticeiro, entretanto, ou criamos um roteiro para os geonautas se alinharem à Rio+20 ou, caso contrário, não teremos o Brasil e o mundo na rota social e ambientalmente includentes e sustentável. Ou seja, será necessário reaprendermos a planejar”, disse o professor. Isto é, na visão de Sachs será necessário que os países se adaptem sob três grandes aspectos: pegada ecológica, geração de trabalho decente e gestão de um fundo de financiamentos para subsidiar a sustentabilidade nos países em desenvolvimento.
O cientista nos propõe a criação do imposto sobre o carbono, pois caso contrário os empresários que não investirem em sustentabilidade ficarão em desvantagem competitiva em relação ao preço de suas mercadorias e em relação aos concorrentes que não incorporam sustentabilidade, e isso pode gerar mais desigualdade. Segundo Sachs, estamos vivendo uma grande crise econômica, e os consumidores vão comprar produtos mais baratos porque vão controlar o que entra e sai de recursos para sua subsistência.
Na sua visão seria necessária a criação de pedágios para utilização dos oceanos, dos ares, onde os países desenvolvidos deverão subsidiar a utilização dos recursos aos países em desenvolvimento, ou seja, quem utiliza mais paga mais. Outro aspecto apontado por Sachs está na necessidade de redefinir os eixos das cooperações técnicas a partir dos biomas, por exemplo: os cientistas que estudam as florestas tropicais no Brasil deverão fazer intercâmbios com os cientistas que estudam as florestas tropicais da Índia, pois isso facilitaria a interlocução entre planos de cooperação técnico-científica, e neste momento poderíamos dar um passo rumo ao desenvolvimento includente e sustentável.
Sachs conclui que será necessário replanejar as agendas verde e azul, discutir formas de trabalho decente, olhar para a pegada ecológica e trabalhar com programas de mutirão assistidos de habitação. Estas seriam as estratégias para colocarmos o Brasil na liderança do evento mais importante da ONU em 2012.
* Vivian Blaso é relações públicas, MBA em Gestão Estratégica de Marketing e especialista em Gestão para Sustentabilidade. Blog Conversa Sustentável. E-mail: [email protected].
** Publicado originalmente no site EcoD.