Em conversas e eventos, programas e mídias, salas de aula e livros, revistas e jornais, as palavras “sustentável” e “sustentabilidade” ecoam repetidamente e de forma crescente, ainda mais com os eventos preparatórios para a Rio+20, em 2012. Essa repetição frequente de palavras passa a nos fazer crer, criar e enxergar uma sensação de que todo mundo está pensando e falando em sustentabilidade, tanto como princípio a se fundamentar, quanto como referência para processos e ferramentas e como meta para resultados.

Será de fato que estamos apenas pensando e dizendo ou também estamos agindo em direção ao que se diz e pensa? E quando nos aprofundamos nas leituras e nos fatos, nos perguntamos: do que está se falando mesmo? Como é que eu descrevo o que é, como fazer, como verificar, como reproduzir e como delimitar o que não é sustentável e o que é sustentável?

E, daí, sigo para mais uma pergunta que não consigo responder: sustentável para quem? Para manter, sustentar as desigualdades no uso dos recursos naturais, no acesso aos serviços públicos, aos bens e serviços produzidos e vendidos no mercado? Sustentável em que as mulheres e homens acessam e ocupam posições decisórias de forma diferenciada em organizações, em que a ressonância afetiva nas relações é negligenciada como valor social, ao invés das posses, propriedades e títulos?

Quando, então, tentamos juntar as palavras “desenvolvimento”, a qual, por sua vez, tem várias correntes e definições que se expressam em diversos modelos de desenvolvimento, e “sustentável”, esta em discussão internacional sobre sua operacionalização, medição e viabilidade, trazemos à tona uma expectativa de proposta de modelo de desenvolvimento capaz de suportar as necessidades atuais sem prejudicar a capacidade de atender às necessidades das gerações futuras.

E novas perguntas vêm: e do que necessitamos hoje? E do que as gerações futuras necessitarão? E quem somos nós os sujeitos das necessidades? Necessidades de quem, para o quê, em função de quem, negando o quê, aceitando e concordando com o quê, reproduzindo quais hábitos e descontinuando quais outros? Em que contexto geográfico, cultural, legal, político, econômico, etc.? São necessidades do incomparável consumo de obras de arte, passagens aéreas, bolsas e artigos sofisticados e fundos de investimento e aplicações financeiras por uns, do consumo de cerveja, cigarro, cachaça, drogas, CDs e DVDs piratas por outros, e do consumo de serviços de passagem de ônibus, trem, de alimentos básicos, roupas e uniformes escolares, contas de luz, água e gás, celulares por outros? Sustentável em que a mulher é associada à cerveja, ao entorpecer, e a cerveja à imagem de sucesso social entre amigos e encontros, em que basta consumir de forma “responsável”, se beber, não dirija e se dirigir, não beba? É sustentável suportar e dar continuidade ao insustentável do que produzimos e consumimos no contexto histórico de uma sociedade escrava da competição pelo consumo, produção e patrimônio material, do ter e não do ser, em que se acredita que o indivíduo é mais importante que o coletivo, em que o homem usa a natureza para o seu dispor, como sendo uma escrava usada pelo seu senhor em tempos de “outrora”? Será que não continuamos reproduzindo uma atitude senhor-escravo ou senhor-servo em nosso cotidiano de trabalho, de família e de política, subentendendo-se uma lógica de dominação sobre o outro, ao invés do tão falado “stakeholder engagement” propagado em modelos de gestão organizacional e de democracia participativa? Onde escondemos o nosso “escravo” e o nosso “senhor” em nosso cotidiano em casa, nas vias públicas e nos locais de trabalho e de estudo?

E quando acontecem grandes eventos de entretenimento, trazendo uma grande euforia que esvazia e, ao mesmo tempo, ocupa os corpos, mentes e espíritos de jovens e adultos com um produto integrado de música, lazer, ídolos, fãs e vemos a quantidade de lixo descartado, os furtos, as agressões, pensamos: ah, deixa disso, dessa história de sustentável, pois o que importa não importa agora, somente a partir de 2012, depois da Rio+20. Até lá, o cenário de evento tão especial será pensado de forma diferente e o cenário mundial será coerentemente em prol da sustentabilidade. Para os que, de agora, sobreviverem, verão, assim como para os que, das próximas gerações, virão. Ou não?

* Patricia de Almeida Ashley é colunista de Plurale, colaborando com artigos sobre sustentabilidade. Líder do grupo de pesquisa e extensão Rede EConsCiencia e Ecocidades e professora adjunta no Departamento de Análise Geoambiental do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do curso de bacharelado em Ciência Ambiental, na Universidade Federal Fluminense. Email: [email protected]. Website: www.cienciaambiental.uff.br.

** Publicado originalmente no site Plurale.