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Suu Kyi se nega a ocupar sua cadeira no parlamento

Doha, Catar, 24/4/2012 – A ativista birmanesa Aung San Suu Kyi, legisladora eleita pela Liga Nacional para a Democracia (LDN), negou-se a ocupar sua cadeira no novo parlamento por discordar do texto sobre o qual deveria prestar juramento. Ela e outros membros de seu partido se negaram a viajar à capital, Naypyidaw, para a sessão inaugural do parlamento, ocorrida ontem.

A LND quer que seja mudado o texto sobre o qual devem jurar os novos legisladores: em lugar de se comprometer a “salvaguardar a Constituição” propõem “respeitar a Constituição”. A LND solicitou ao Tribunal Constitucional que mude o texto do juramento, e Suu Kyi escreveu ao presidente Thein Sein pedindo-lhe que redigisse um novo. O juramento é um apêndice da Constituição, e não está claro se pode ser alterado sem a aprovação de 75% do parlamento.

O partido de Suu Kyi “não está convocando um boicote, embora nos fatos seja realmente isso”, disse o correspondente da rede árabe de televisão Al Jazeera em Naypyidaw, Wayne Hay. Os legisladores da LND “não apareceram nas sessões de hoje (ontem) do parlamento. Nem mesmo viajaram da antiga capital, Rangun, para a atual. Já temos uma sessão na Câmara alta e não houve sinal da LND. A questão do boicote nem mesmo constou da agenda oficial”, afirmou Hay.

Suu Kyi, que passou grande parte das duas últimas décadas sob prisão domiciliar por ordem do regime militar, se candidatou nas últimas eleições com a promessa de reformar a Constituição. Seu partido ganhou 43 das 45 cadeiras em disputa nas históricas eleições do dia 1º, que deram à esta ganhadora do Nobel da Paz seu primeiro mandato no parlamento.

O presidente Thein Sein afirmou, também ontem, durante sua visita de cinco dias ao Japão, não ter planos de mudar o texto do juramento. O mandatário afirmou a jornalistas em Tóquio que gostaria de “receber” Suu Kyi na assembleia legislativa, mas que depende dela ocupar sua cadeira. Analistas concordam que o presidente necessita da oposição no parlamento, dominado pelo governante Partido da União, da Solidariedade e do Desenvolvimento, apoiado pelos militares, para ter legitimidade internacional.

A junta militar birmanesa cedeu o poder a um governo semicivil depois de uma enxurrada de acusações de fraude nas eleições de novembro de 2010. O novo governo, liderado por Sein, libertou centenas de presos políticos e introduziu uma série de reformas, flexibilizando os controles da imprensa, permitindo a formação de sindicatos e a realização de protestos, iniciando conversações com rebeldes de minorias étnicas e adotando mudanças econômicas.

“Parece ser algo muito pequeno. É uma disputa por uma palavra, e não necessariamente por princípios”, afirmou Bridget Welsh, professora-adjunta da Universidade de Administração de Cingapura. “A maior parte da comunidade internacional reconhece que há problemas muito mais sérios no país, como a pobreza, o desenvolvimento, etc.”, disse à Al Jazeera. “Isto pode gerar inquietação na comunidade internacional. Também em nível local, porque penso que será muito difícil explicar isso às pessoas comuns que votaram nela, poderão ter uma sensação de terem sido traídas. Por fim, naturalmente, isto pode minar a relação de confiança impulsionada pelo processo”, alertou Welsh.

A Constituição destina automaticamente 25% das cadeiras parlamentares a representantes dos militares, algo que a LND critica por ser antidemocrático. Também proíbe que disputem a Presidência pessoas estrangeiras ou que tenham familiares estrangeiros. Isto impede Suu Kyi de eventualmente se converter em presidente, já que se casou com um cidadão britânico.

A nova crise no parlamento ocorreu justamente quando o Japão anunciou o perdão de US$ 3,7 bilhões da dívida birmanesa e o reinício da assistência ao país. Por sua vez, a União Europeia anunciou que levantaria a maioria das sanções que aplicou à Birmânia, considerando as “notáveis” reformas do governo de Thein Sein. Envolverde/IPS

* Publicado sob acordo com a Al Jazeera.