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Tailandesas também apostam na vida monástica

Cerimônia das bhukjunis (monjas) budistas. Foto: Simba Shani Kamaria Russeau/IPS
Cerimônia das bhukjunis (monjas) budistas. Foto: Simba Shani Kamaria Russeau/IPS

 

Najon Pathom, Tailândia, 4/11/2013 – As tailandesas estiveram entre as primeiras mulheres da Ásia a obter o direito de voto, em 1932. Porém, em matéria de religião, continuam lutando por igualdade e aceitação social. Os cânticos inundam o ar ao amanhecer no Monastério Songdhammakalyani em Najon Pathom, cidade a 56 quilômetros de Bangcoc, no centro do país. Ao contrário dos 33.093 templos budistas nos quais se estima que vivam 250 mil monges, esse monastério é o primeiro construído por e para mulheres.

A abadessa Dhammananda Bhikjuni é a primeira monja oficialmente ordenada no país, ou bhikjuni, na linhagem monástica Thevarada. As origens do templo remontam a quase cinco décadas atrás, quando a mãe de Dhammananda, Voramai, ou Ta Tao Fa Tzu, se converteu na primeira tailandesa plenamente ordenada na linhagem Mahayana, em Taiwan, transformando a casa de sua família em um monastério.

“Quando minha mãe se interessou pelo budismo, se deu conta de que na época de Buda mulheres eram ordenadas. Por que isso nunca acontecera em nosso país?”, questionou Dhammananda à IPS. “Na realidade, foi Buda quem ordenou sua própria madrasta e sua tia, e todo o relato consta do Dharma (doutrina budista) para que seja lido”, acrescentou.

As mulheres representam 51% dos quase 68 milhões de habitantes da Tailândia. Em comparação com os países vizinhos, as tailandesas conseguiram grandes progressos nos planos educativo e socioeconômico. Mas ainda ganham 74% menos do que seus colegas homens, e são minoria nos postos empresariais e políticos de alto nível. E, quanto à religião, estão ausentes.

“Muitas das desigualdades no salário e na falta de representação feminina nos altos postos de nosso parlamento se deve a estereótipos culturais profundamente arraigados”, disse à IPS Yad Prapar, professor adjunto de economia na Universidade de Ramjamhaeng. “Na cultura tailandesa, o búfalo é um animal estúpido que trabalha duramente. A mulher era considerada como um búfalo, enquanto o homem era ser humano. É por isto que o status das mulheres no budismo tailandês é muito inferior ao dos homens”, apontou.

A Constituição permite a ordenação de mulheres, mas o Conselho da Sangha, uma entidade assessora em matéria religiosa vinculada ao governo, cita uma lei de 1928 pela qual apenas os homens podem se dedicar à atividade monástica. Ativistas pelos direitos femininos e eruditos argumentam que reconhecer legalmente as bhikjunis não só defende os “quatro pilares do budismo”, como também permite criar uma sociedade monástica para mulheres de todas as condições sociais.

“As mulheres se sentem mais seguras permanecendo em um templo que é dirigido principalmente por mulheres”, observou Sutada Mekrungruengkul, conferencista da Universidade Nação. “Se tivesse uma filha me sentiria melhor enviando-a, durante os meses das férias escolares de verão, para ser parte de uma ‘bhikjuni sangha’, onde poderia ser monja jovem sem sofrer assédios”, acrescentou.

“Também com as bhikjunis posso debater assuntos relativos à minha vida pessoal ou ao Dharma de modo privado. Enquanto com um monge as pessoas poderiam me acusar de ter interesse nele porque é charmoso ou porque quero algo além de orientação. Dessa forma que as mulheres fortalecem o budismo”, acrescentou Mekrungruengkul.

Os cursos regulares de Dharma, que duram 12 semanas no Monastério Songdhammakalyani, preenchem uma grande lacuna deixada pelas comunidades sangha dominadas por homens, com um programa que aposta em uma interpretação feminista dos textos budistas. “Apesar de ter sido budista toda minha vida, não entendia o Dharma de Buda”, disse à IPS a monja Dhammasiri, de 53 anos, que se ordenou há quatro no Sri Lanka.

“Não praticava com o coração porque nunca haviam me explicado o significado dos cânticos, ou os motivos pelos quais ingerimos ou não determinados alimentos. Era budista apenas por minha certidão de nascimento”, afirmou Dhammasiri. “Na Tailândia, os monges só ensinam do seu ponto de vista. Me sinto mais empoderada depois de me converter em uma bhikjuni, porque, além de autocontrole, também abri meus olhos para o papel histórico desempenhado pelas mulheres no budismo”, destacou.

Atualmente, há mais de 30 bhikjunis e uma quantidade desconhecida de samaneris, ou noviças, que vivem em monastérios de toda Tailândia. Para apoiar o movimento das bhikjunis para estabelecer uma sangha feminina que prospere e tenha reconhecimento legal nesse país, uma coalizão da sociedade civil, eruditos e legisladores apresentou várias propostas para emendar as leis tailandesas. Sua esperança é que, em cinco ou dez anos, o governo e o clero restabeleçam o patrimônio que Buda concedeu às mulheres.

“As mulheres sempre contribuíram com o budismo, porque, na realidade, são elas que alimentam os monges. Vá a qualquer templo na Tailândia e verá que 80% das encarregadas são mulheres, por isso, de fato, são a base que mantém o budismo em funcionamento no país. Estamos assentando as bases para que mais mulheres se dediquem à vida nos monastérios, para que as futuras gerações não tenham que lutar tão duramente”, ressaltou. Envolverde/IPS