Baixo Xingu, Brasil, 20/12/2011 – “Muitos mentem” quando negam sua participação na prática comum de capturar tartarugas para consumo próprio ou para vender, afirma um pescador da ribeira do trecho final do Rio Xingu, na Amazônia oriental brasileira. Este mesmo homem, conhecido por suas habilidades pesqueiras, é exemplo dos riscos desta atividade ilegal, que já lhe valeu multas que chegam a R$ 45 mil, uma fortuna para os moradores do lugar, impostas por autoridades ambientais.
Na última vez, foi multado pela captura de oito tartarugas amazônicas. “Eram apenas cinco, ia soltar as pequenas e comer três, mas me multaram por oito”, tentou defender-se na conversa com a IPS. Para enfrentar essa penalização, este pescador, que não quer se identificar, conta também com renda extra da extração de látex das seringueiras que abundam na região do Baixo Xingu.
A legislação brasileira inclui quelônios entre os animais de caça ou pesca proibida, sem reconhecer a captura para a sobrevivência de comunidades tradicionais, como as ribeirinhas e as descendentes dos escravos africanos, com exceção apenas das populações indígenas em seus territórios. As punições são pesadas multas e, às vezes, detenções.
Isto não é racional e nem justo, segundo o biólogo Juarez Pezzuti, professor na Universidade Federal do Pará. as populações ribeirinhas pobres são drasticamente punidas por um hábito de subsistência que não é a maior ameaça contra os quelônios em comparação com a captura comercial, enquanto se tolera a pesca de espécies que, essas sim, estão em risco de extinção, afirmou.
Além disso, desde 1992, são estimulados os criadouros de duas espécies de quelônios mais consumidos pelos humanos na Amazônia, que são a tartaruga da Amazônia (Podocnemis expansa) e a tracajá (Prodcenemis unifilis), para abastecer restaurantes autorizados a oferecer carne desses animais silvestres.
O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) doa aos criadores de quelônios oficialmente reconhecidos até 10% dos milhões de tartaruguinhas que o Projeto Tartarugas da Amazônia protege em suas primeiras semanas de vida, para evitar a depredação nas praias, antes de soltá-las nos rios. Das tracajás podem ser distribuídas até 20% das recém-nascidas.
Dessa forma, surgiram centenas de criadouros sem que se notasse avanços no objetivo pretendido de reduzir a pressão da caça e do comércio ilegais sobre os animais. Os dados conhecidos mostram que pouco ou nada se obteve nesse sentido. Pezzuti entende que esta prática deveria ser ilegal, já que se transfere para privados elementos da fauna silvestre que a Constituição considera patrimônio do Estado.
O tratamento é o oposto ao destinado aos ribeirinhos. Há uma distinção de classe, já que a carne dos criadores é destinada a restaurantes exclusivos, naturalmente frequentados por pessoas de alta renda que buscam manjares raros. A lei pune os “ladrões de galinha”, ditado popular que neste caso parece se confirmar. Contudo, também ocorre outra discriminação. Admite-se como legal a carne produzida com técnicas de pecuária, com os animais retirados de seu habitat e engordados em cativeiro, em lagos artificiais.
Segundo o biólogo, flexibilizar a legislação que ignora a caça de subsistência e permitir um aproveitamento sustentável seriam passos importantes para uma conservação mais eficaz dos quelônios, e, provavelmente, também de outros animais silvestres. A repressão e o controle estatal colecionam fracassos, pela impossibilidade de um Estado onipresente na Amazônia, enquanto há experiências de sucesso no manejo participativo, como na Costa Rica e no Equador, com o uso de ovos de quelônios de ninhos condenados pela ação das fêmeas, ou pelas cheias dos rios, acrescentou Pezzuti.
Sua proposta para preservar, e inclusive aumentar a população de quelônios na Amazônia, é que a atividade conte com participação de comunidades ribeirinhas. Há iniciativas comunitárias que conseguiram recuperar a abundância dessas espécies, mas a impossibilidade de desfrutar legalmente de seus resultados debilita a adesão e o manejo de longo prazo, alertou o biólogo.
Grande parte dos ovos que as tartarugas colocam nas praias, como as do Tabuleiro do Embaubal, um conjunto de mais de cem ilhas no trecho final do Rio Xingu, se perde porque os ninhos ficam inundados, pelo calor excessivo e por outras causas variadas. Uma coleta controlada e seletiva, nos ninhos mais suscetíveis a perdas, não afetaria a reprodução, afirma o pesquisador.
Os quelônios são extremamente prolíficos, como estratégia reprodutiva diante da maciça depredação por elementos e inimigos naturais, como gaivotas, abutres, répteis e peixes. As tartarugas são particularmente fecundas, pondo mais de cem ovos em boa parte de seus ninhos. Uma proporção ínfima, ainda desconhecida da ciência, chega à idade adulta. Estas condições favorecem o manejo. Alguns cuidados contra a depredação, por exemplo, podem garantir uma reprodução multiplicadora.
Isso se comprovou com o Projeto Tartarugas da Amazônia, que nas três últimas décadas promoveu a proteção dos ninhos e das tartarugas recém-nascidas, recolhendo-as para libertá-las no rio quando estão menos vulneráveis. Assim evitou-se a depredação nas praias, recuperando a população de quelônios em muitos “tabuleiros” amazônicos.
Para os ribeirinhos pobres, a carne e os ovos, especialmente das tartarugas amazônicas, representa grande fonte de proteínas. Um estudo de 2007, de Maria de Jesus Rodrigues, professora da Universidade Federal Rural da Amazônia, e de Luciane de Moura, engenheira, comprovou um alto índice de proteína na carne de tartarugas, 79,27% no material seco, bem acima da carne bovina e de tartarugas engordadas em cativeiro.
Entretanto, mudar a legislação é difícil. Os interessados são desarticulados e dispersos, em contraste com a maré crescente do movimento ambiental, que seguramente vetaria flexibilizações. Além disso, a Lei de Crimes Ambientais, que recrudesceu a visão repressiva, é recente, de 1998. Envolverde/IPS