A tática da “embromação climática”

mudancasclimaticasNos meios diplomáticos, comenta-se que o Itamaraty teria informado a conferência da ONU sobre mudanças climáticas que o Brasil adiará a entrega de sua proposta formal sobre os compromissos que o país dispõe-se a assumir de redução das emissões de gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. Esse posicionamento inicial dos países definirá o rumo das negociações climáticas internacionais.

O Itamaraty deve alegar que os 90 dias entre a posse do novo governo, em janeiro, e data estabelecida para esse posicionamento (31/3/2015) seriam insuficientes para tomar pé das pendências relativas às negociações. Pode ser.

Mas também pode não ser, pois um dos postulantes é a própria presidente Dilma, que já deveria estar informada das negociações, enquanto que o programa de Aécio Neves apresenta diretrizes gerais sobre o tema, embora não traga detalhes para um posicionamento formal, o que não parece difícil de fazer em 90 dias. Qualquer presidente terá de se posicionar, desde o início do mandato, sobre muitas outras pendências urgentes.

Até parece razoável a suposta preocupação do Itamaraty em assegurar um prazo maior para a decisão. Na linguagem das negociações, no entanto, os retardatários sacrificam seu protagonismo político, deixando de influenciar os demais países e ficando a reboque daqueles que irão definir os marcos de um futuro acordo.

É bom lembrar que, há seis anos, na frustrante reunião da ONU em Copenhague, o presidente Lula anunciou uma meta brasileira de redução de emissões – entre 36,1% e 38,9% – baseada sobretudo na redução das taxas do desmatamento na Amazônia. Fomos o primeiro país a assumir esse compromisso, ainda que em caráter voluntário, entre os que não estavam obrigados a reduzir suas emissões pelo Protocolo de Quioto.

A proposta atendeu a pressões da sociedade civil e significou um empurrão presidencial sobre o posicionamento do Itamaraty, sempre resistente a comprometimentos do gênero. Por outro lado, influenciou outros governos a também avançar nas suas posições, ampliando as chances de um acordo significativo, que, infelizmente, não aconteceu.

Márcio Santilli
Márcio Santilli

Agora que vários fatores ampliam as chances de um acordo até a conferência a ser realizada em Paris, em dezembro de 2015, o Brasil adota a tática do avestruz, ficando a reboque da dinâmica que será definida por países como a China e os EUA. Não se trata de dispor, ou não, de um bom motivo para justificar a protelação de sua posição, mas deveria tratar-se de dispor de uma estratégia – de país, não só de governo – para aproveitar os momentos mais favoráveis e influenciar positivamente negociações que serão decisivas para a sociedade brasileira e as futuras gerações.

Como não é crível que o Itamaraty desconheça a relevância dos diversos momentos das negociações, também se pode creditar a sua protelação ao crescimento das emissões brasileiras e os indícios da retomada das taxas do desmatamento da Amazônia. Diplomacia defensiva. Mas para nos defender de quem? De países que se apresentem com maior disposição para salvar o mundo dos piores desdobramentos das mudanças no clima? Não seriam elas a maior ameaça para nossa economia e a qualidade de vida do nosso povo?

Eis aí uma boa questão para o debate das eleições presidenciais: a que compromissos estarão dispostos, Aécio e Dilma? Apressar o passo para não perder o bonde? Ou embarcar na tática “embromatória”? Que estratégias adotariam para reverter a tendência de aumento das emissões brasileiras, frente a um acordo internacional cujo objetivo central será diminuir as emissões globais?

* Márcio Santilli é sócio fundador do ISA.

** Publicado originalmente na Folha.com e retirado do site Instituto Socioambiental.